Sol a pino ao meio-dia. Um sol tropical que quase faz ferver o cérebro dentro do crânio. Um sol que calcina todas as plantas que conseguiram brotar, mas não conseguiram crescer até se tornarem bastante fortes para resistir a ele. Um sol que faz evaporar em algumas horas toda poça de água do mar não muito profunda e deixa uma película branca de sal. Um sol que faz dançar o ar. Sim, o ar se mexe, na verdade se mexe diante dos meus olhos e a reverberação de sua luz sobre o mar queima minhas pupilas. Entretanto, outra vez no banco de Dreyfus, tudo isso não me impede de estudar o mar. E, então, percebo que sou um verdadeiro idiota.
O vagalhão, duas vezes maior que todas as outras ondas, que vomitou o saco sobre os rochedos, esmigalhando-o completamente, só se repete a cada sete ondas.
Do meio-dia ao por do sol, fiquei observando se isso era automático, se não havia mudanças bruscas, se não havia alguma alteração na periodicidade e na forma dessa onda gigantesca.
Não, nem uma vez o vagalhão apareceu antes ou depois. Seis ondas de uns 6 metros depois, formando-se a mais de 300 metros da costa, o vagalhão. Aproxima-se reto como um I. Conforme vem vindo, aumenta de volume e altura. Quase sem espuma na crista, ao contrário das outras seis. Muito pouca. Faz um ruído particular, como uma trovoada que rola e vai se extinguindo ao longe. Quando bate nos dois rochedos e se precipita na passagem entre eles e vem chocar no penhasco, a massa de água, muito maior que a das outras ondas, comprime-se, rodopia várias vezes dentro da cavidade, e são necessários dez ou quinze segundos para que o redemoinho, como um turbilhão, encontre novamente a saída e se afaste, arrancando e rolando consigo grandes pedras que não param de ir e vir, com um estrondo parecido ao de centenas de carroças de pedras descarregadas brutalmente.
Coloco uns dez cocos no mesmo saco, enfio uma pedra de mais ou menos 20 quilos e assim que o vagalhão se quebra jogo o saco.
Não consigo acompanhá-lo com os olhos, porque há muita espuma branca dentro do abismo, mas posso vê-lo por um segundo quando a água, como que sugada, se precipita em direção ao mar. O saco não voltou. As seis outras ondas não tiveram força suficiente para devolvê-lo à costa e, quando a sétima se forma, a cerca de 300 metros, o saco já deve ter passado do ponto onde ela nasce, porque não o vejo mais.
Cheio de alegria e de esperança, volto para o presídio. Aí está, descobri uma largada perfeita. Nada de aventuras nesse golpe. Vou fazer mesmo um ensaio mais sério, com os dados exatos: dois sacos de cocos bem amarrados um ao outro e, em cima, 70 quilos de peso, divididos entre duas ou três pedras. Falo com Chang, o chinês, meu camarada de Poulo Condor, que escuta minhas explicações com os ouvidos bem abertos.
– É bom, Papillon, Acho que você descobriu. Eu ajudar você no ensaio de verdade. Esperar maré alta de 8 metros. Logo equinócio.
Ajudado por Chang, aproveitando a maré do equinócio, de mais de 8 metros, jogamos na famigerada onda dois sacos de cocos carregados com três pedras que devem ter uns 80 quilos.
– Como chamar a menina que você quis salvar em Saint-Joseph?
– Lisette.
– Nós chamar a onda que um dia levar você: Lisette. Certo?
– Certo.
Lisette chega com o estrondo de um trem entrando na estação. Formou-se a mais de 250 metros e, aprumada como um penhasco, avança crescendo a cada segundo. É realmente muito impressionante. Ela arrebenta com tanta força, que Chang e eu somos varridos do rochedo e, sozinhos, os sacos caíram dentro do abismo. Percebendo imediatamente numa fração de segundo que não podíamos ficar em cima do rochedo, jogamo-nos para trás, não escapamos do jato de água, mas também não caímos no abismo. Fazemos este ensaio às 10 da manhã. Não há perigo, porque os três guardas estão ocupados no outro lado da ilha com uma vistoria geral. O saco foi embora, distingue-se claramente, bem longe da costa. Será que foi jogado mais longe do ponto onde nasce a onda? Não temos indicação para saber se foi mais longe ou mais perto. As seis ondas que vêm depois de Lisette não chegam a pegá-lo no seu impulso. Outra vez, Lisette se forma e torna a vir. Não traz mais os sacos consigo. Portanto, eles saíram de sua zona de influência.
Subindo depressa no banco de Dreyfus para conseguir enxergá-los mais uma vez, temos a alegria de vê-los por quatro vezes; apareceu muito longe, na crista das ondas, não na direção da Ilha do Diabo, mas indo para o oeste. Indiscutivelmente, a experiência e positiva. Partirei para a grande aventura no dorso de Lisette.
– Lá está, olhe.
Uma, duas, três, quatro, cinco, seis… e lá vem Lisette.
O mar fica sempre agitado na ponta do banco de Dreyfus, mas hoje está particularmente de mau humor. Lisette avança com seu barulho característico. Parece mais enorme ainda, deslocando, sobretudo na base, ainda mais água do que habitualmente. Essa massa monstruosa vai atacar o rochedo mais rapidamente e mais aprumada do que nunca. E, quando rebenta e se precipita no espaço contra as enormes pedras, o golpe parece ainda mais ensurdecedor do que em todas as outras vezes.
– É lá que você diz que a gente vai se jogar? Bom, companheiro, você escolheu o lugar a dedo. Eu não vou. Quero sair daqui, é verdade, mas não me suicidar.
Sylvain fica muito impressionado com a apresentação de Lisette, que acabo de lhe fazer. Está na Ilha do Diabo há três dias e, naturalmente, propus a ele partirmos juntos. Cada um numa jangada. Assim, se ele aceitar, terei um camarada para prosseguir a fuga no continente. No mato, sozinho, não é nada divertido.
– Não tenha medo antes do tempo. Reconheço que, à primeira vista, qualquer um dá para trás. Mas é a única onda capaz de levar a gente bastante longe, de maneira que as outras ondas que vêm atrás não terão a força de nos jogar de novo sobre os rochedos.
– Calma, olhe, nós experimentamos, diz Chang. E certo, depois que você for, não pode voltar à Ilha do Diabo, nem chegar a Royale.
Levei uma semana para convencer Sylvain. Um sujeito cheio de músculos, 1 metro e 80, bem proporcionado em todo o seu corpo de atleta.
– Bom. Admito que vamos ser arrastados para bem longe. Depois, em quanto tempo você acha que a gente chega à Terra Grande, com as marés?
– Francamente, Sylvain, não sei. A deriva pode ser mais ou menos longa, vai depender de muita coisa. O vento quase não vai influir, vamos estar muito dentro da água. Mas, se houver mau tempo, as ondas serão mais fortes e nos levarão mais depressa para a mata. Com sete, oito, ou dez marés, no máximo, devemos ser jogados na praia. Portanto, vai levar de 48 a sessenta horas.
– Como é que você calcula?
– Das ilhas direto até a costa, não são mais de 40 quilômetros. À deriva, é como a hipotenusa de um triângulo retângulo. Veja o sentido das ondas. Mais ou menos, precisamos fazer de 120 a 150 quilômetros, no máximo. Quanto mais a gente se aproximar da costa, mais diretamente as ondas vão nos dirigir e jogar sobre ela. Ã primeira vista, você não acha que um destroço a esta distância da costa vai a 5 quilômetros por hora?
Ele me olha e ouve atentamente minhas explicações. Este rapagão é muito inteligente.
– Não, você não esta falando besteira, reconheço. Se não fosse pelas marés baixas, que vão nos fazer perder tempo, porque são elas que vão nos levar ao largo, com certeza a gente chegaria em menos de trinta horas à costa. Com as marés baixas, acho que você tem razão: entre 48 e sessenta horas, a gente chega à costa.
– Você se convenceu, vai comigo?
– Quase. Suponhamos que a gente está no continente, no mato. O que é que a gente faz?
– Precisamos chegar perto de Kourou. Lá tem uma aldeia bastante importante de pescadores, seringueiros e garimpeiros. É preciso aproximar-se com cuidado, porque tem também uma colônia penal estrangeira. Deve ter certamente umas picadas no mato para chegar até Caiena e até um presídio de chineses, chamado Inini. Precisamos pegar um preso ou um civil negro e obrigá-lo a levar a gente até Inini. Se o cara se portar bem, damos para ele 500 pratas – e que desapareça. Se bancar o durão, vamos obrigá-lo a fugir conosco.