Em menos de uma hora, o sol já está alto. É, vai fazer calor, diabo! Meu olho esquerdo está meio fechado e grudado. Pego um pouco de água nas mãos em concha e esfrego. Arde. Tiro a malha: fico de peito nu alguns instantes antes que o sol me queime demais.
Uma onda mais forte que as outras me carrega por baixo e me leva bem para o alto. Na hora em que ela engrossa, antes de descer, vejo meu amigo por um segundo. Está sentado de peito nu sobre sua jangada. Não me viu: Está a menos de 200 metros de mim, um pouquinho para a frente, à esquerda. O vento está sempre forte e, para me aproximar dele, que está à minha frente, quase que na mesma linha, resolvo enfiar a malha só nos braços, levantá-los no ar e segurar a parte de baixo com a boca. Certamente este tipo de vela vai me empurrar mais rápido do que ele.
Mantenho a vela durante cerca de meia hora. Mas a malha me machuca os dentes e as forças que preciso gastar para resistir ao vento me esgotam depressa demais. Quando paro, contudo, tenho a sensação de ter andado mais rapidamente do que se tivesse me deixado carregar pelas ondas.
Hurra! Acabei de ver o meu amigo. Está a menos de 100 metros. Mas o que é que está fazendo? Não parece estar preocupado em saber onde estou. Quando outra onda me levanta bastante, torno a vê-lo uma, duas, três vezes. Notei distintamente que ele estava com a mão direita sobre os olhos, observando o mar. Olhe para trás, seu idiota! Deve ter olhado para o meu lado, de certo, mas não conseguiu me ver.
Fico de pé e assobio. Subindo do fundo da onda, vejo Sylvain de pé na minha frente. Levanta a malha no ar. Dissemo-nos bom dia pelo menos umas vinte vezes antes de tornar a sentar. Cada onda que sobe, acenamos um para o outro; e por sorte ele sobe ao mesmo tempo que eu. Nas duas últimas ondas, ele estende os braços em direção à floresta, que agora podemos distinguir muito bem. Estamos a menos de 10 quilômetros. Perdi o equilíbrio e caí em cima da jangada. Ao ver meu camarada e a mata tão próxima, uma alegria imensa me invade, uma emoção tão grande, que choro como uma criança. Nas lágrimas que limpam meus olhos purulentos, vejo mil cristais de todas as cores e penso bestamente: parecem os cristais de uma igreja. Deus está com você hoje, Papi. É no meio dos elementos monstruosos da natureza, o vento, a imensidão do mar, a profundeza das ondas, a abóbada verde imponente da floresta, que a gente se sente infinitamente pequeno relativamente a tudo que nos cerca e, talvez, sem procurá-lo, encontramos Deus, tocamos nele. Assim como o sentia de noite nas mil horas que passei nas masmorras lúgubres onde estava enterrado vivo sem um raio de luz, toco nele hoje, neste sol que se levanta para devorar aquilo que não tem força suficiente para suportá-lo, toco realmente em Deus, sinto-o em volta de mim, dentro de mim. Ele sussurra mesmo no meu ouvido: “Você sofre e vai sofrer mais ainda, mas desta vez resolvi ficar com você. Você será livre e vencerá, prometo”.
Nunca ter recebido instrução religiosa, não conhecer o a-bê-cê da religião cristã, ser ignorante ao ponto de não saber quem é o pai de Jesus e se sua mãe era realmente a Virgem Maria e seu pai um carpinteiro ou um cameleiro, toda essa ignorância crassa não nos impede de encontrar Deus quando realmente o procuramos, e chegamos a identificá-lo com o vento, o mar, o sol, a mata, as estrelas, até com os peixes que ele teve que semear em profusão para que o homem se alimente.
O sol subiu rapidamente. Devem ser mais ou menos 10 horas da manhã. Estou completamente seco da cintura até a cabeça. Molhei a toalha e tornei a colocá-la como um capuz em volta da cabeça. Coloco a malha porque meus ombros, meus braços e minhas costas queimam horrivelmente. Até minhas pernas, que, no entanto, são freqüentemente molhadas pela água, estão vermelhas como camarões.
Com a costa mais próxima, a atração é mais forte e as ondas se dirigem quase que perpendicularmente na sua direção. Vejo os detalhes da floresta, o que me faz supor que hoje de manhã, em quatro ou cinco horas, nos aproximamos de um modo estranhamente rápido. Graças à minha primeira fuga, sei calcular as distâncias. Quando se distinguem bem os detalhes das coisas, a gente está a menos de 5 quilômetros; percebo a diferença de distância entre os troncos das árvores e, da crista de uma onda mais alta, posso distinguir bem claramente uma árvore imensa caída, atravessada, molhando sua folhagem no mar.
Olhe, golfinhos e pássaros! Espero que os golfinhos não se divirtam a empurrar a jangada. Ouvi dizer que eles costumam empurrar em direção à costa os destroços ou os homens e que, além disso, os afogam com os golpes de seu focinho com a melhor das intenções, procurando ajudá-los. Não, eles dão voltas e mais voltas, são uns três ou quatro, vieram farejar, ver o que é, mas vão embora sem ao menos roçar na minha jangada. Ufa!
Meio-dia, o sol está bem em cima da minha cabeça. Está mesmo com a intenção de fazer um assado comigo. Meus olhos supuram sem parar e a pele dos meus lábios e do nariz já foi embora. As ondas são mais curtas e raivosamente se precipitam, com um ruído ensurdecedor, em direção à costa.
Vejo Sylvain quase continuamente. Ele não desaparece quase nunca, as ondas não são mais muito profundas. De vez em quando, ele se vira e levanta o braço. Está sempre de peito nu, a toalha em cima da cabeça.
Não são mais ondas grandes, são pequenas ondas que nos levam para a costa. Existe uma espécie de barra onde elas chocam com um ruído espantoso; depois, vencida a barra cheia de espuma, afundam, atacando a floresta.
Estamos a menos de 1 quilômetro da costa. Percebo os pássaros brancos e rosados, com suas plumas aristocráticas, que passeiam ciscando na areia. São milhares… Quase nenhum deles voa a mais de 2 metros de altura. Estes pequenos vôos curtos são para não se molharem com a espuma. Há muita espuma e o mar está de um amarelo lamacento, nojento. Estamos tão perto, que enxergo nos troncos das árvores a linha suja que a água deixa na sua altura máxima.
O barulho das ondas não chega a cobrir os gritos agudos desses milhares de aves pernaltas de todas as cores. Pam! Pam! Mais 2 ou 3 metros. Pluft! Toquei o fundo, estou a seco, sobre a areia. Não há água suficiente para me levar. Pelo sol, são 2 horas da tarde. Há quarenta horas que parti. Foi anteontem, às 10 da noite, depois de duas horas de maré vazante. Portanto, é a sétima maré e é normal que eu esteja no seco: é a maré baixa. A maré alta vai começar lá pelas 3. De noite, vou estar no mato. Guardo a corrente, para não ser arrancado dos sacos, porque o momento mais difícil será aquele em que as ondas vão começar a passar em cima de mim, por falta de fundo, e vão me levar consigo. Não vou poder flutuar antes de pelo menos duas ou três horas de montante.
Sylvain está à minha direita, na frente, a mais de 100 metros. Olha para mim e faz uns gestos. Penso que ele quer gritar alguma coisa, mas sua garganta parece que não pode emitir som algum, senão eu ouviria. As ondas desapareceram, estamos em cima da areia, sem nenhum outro ruído para nos perturbar a não ser os gritos das aves pernaltas. Eu estou mais ou menos a 500 metros da floresta, e Sylvain a 100 ou 150 metros de mim, na minha frente. Mas o que é que está fazendo esta grande besta? Está de pé e abandonou a jangada. Está louco? Ele não pode andar, senão vai afundar um pouco a cada passo e talvez não consiga mais voltar até a jangada. Quero assobiar, não posso. Tenho ainda um pouco de água, esvazio a bolsa, depois tento gritar para ele parar. Não consigo emitir nenhum som. Da lama saem algumas bolhas de gás, é apenas uma crosta fina, embaixo está o lodo, e o sujeito que se deixar apanhar está mesmo frito.
Sylvain vira de novo para mim, me olha e faz sinais que não compreendo. Eu faço grandes gestos para ele, querendo dizer: não, não, não se mova da jangada, você nunca vai chegar até a floresta! Como está atrás dos seus sacos de cocos, não sei se está perto ou longe da jangada. No começo penso que deve estar bastante perto e que, no caso de afundar, ele pode se pendurar nela.