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Com a ajuda do cuba-libre cada um se exterioriza em altas vozes. Convencidos de que só nós compreendemos o francês, surgem as histórias mais inesperadas.

– Eu, eu faço bonecas de balata – diz um outro – e punhos para bicicletas. Infelizmente, quando as meninas esquecem as bonecas ao sol, no jardim, elas se derretem ou deformam. Imagine o estouro quando me esqueço de que já vendi em tal rua. Dentro de um mês, não posso mais passar de dia pela metade de Georgetown. As bicicletas, a mesma coisa. Quem a deixa no sol, quando torna a pegá-la, fica com as mãos coladas nos punhos de balata que vendi.

– Eu – diz outro – faço chicotinhos com cabeça-de-negra, também de balata. Aos marinheiros, digo que sou um sobrevivente de Mers el-Kébir e que são obrigados a comprar, pois é por culpa deles que estou como estou. Oito em dez compram.

Esse pátio dos milagres moderno me diverte e, ao mesmo tempo, me faz ver que efetivamente não é fácil ganhar o pão.

Um tipo liga o rádio do bar: ouvimos um apelo de De Gaulle. Todo mundo escuta essa voz francesa que, de Londres, encoraja os franceses das colônias e de além-mar. O apelo de De Gaulle é patético, absolutamente ninguém abre a boca. De repente, um dos forçados que bebeu cuba-libre demais se levanta e diz:

– Ah, merda, os caras! Isso até que é bom! De repente aprendi inglês, estou entendendo tudo que ele diz, o Churchill!

Todo mundo rebenta de rir, ninguém se dá ao trabalho de explicar ao cara que ele estava fazendo uma dupla confusão, de língua e de pessoa.

Sim, preciso fazer as primeiras tentativas para ganhar minha vida e, pelo que vejo com os outros, não vai ser fácil. Não estou preocupado. De 1930 a 1942, perdi completamente a responsabilidade e a habilidade para me conduzir sem ninguém. Um ser que foi prisioneiro por tanto tempo, sem ter que cuidar da comida, de um apartamento, de se vestir; um homem que se manietou, virou, revirou, que habituaram a não fazer nada por si mesmo e a executar automaticamente as ordens mais diversas sem analisá-las; esse homem que em algumas semanas se encontra, de repente, numa grande cidade, que tem de reaprender a andar pelas calçadas sem esbarrar em ninguém, a atravessar uma rua sem se deixar esmagar, a achar natural que a seu comando lhe sirvam de beber ou de comer, este homem tem que reaprender a viver. Por exemplo, tem reações inesperadas. No meio de todos esses forçados que fugiram e exilados clandestinos, misturando em seu francês palavras de inglês ou espanhol, escuto com interesse os casos, e eis que de repente, nesse canto de bar inglês, tenho vontade de ir à privada. Pois bem, é inconcebível, mas durante um quarto de segundo procurei o vigilante ao qual deveria pedir autorização. Foi muito rápido, mas também muito esquisito quando percebi isso: Papillon, agora você não tem que pedir autorização a ninguém se quiser mijar ou fazer outra coisa. No cinema, também, no momento em que a lanterninha procurava lugares para nos sentarmos, tive, num relâmpago, vontade de lhe dizer: “Por favor, não se incomode por mim, não passo de um pobre condenado que não merece nenhuma atenção”. Andando na rua, voltei-me várias vezes no trajeto do cinema ao bar. Guittou, que conhece essa tendência, me disse:

– Por que você se vira tanto para olhar para trás? Está olhando para ver se o guarda o segue? Aqui não há guardas, meu velho Papi. Você os deixou nas ilhas.

Na língua figurada dos presos, a gente diz que é preciso se despojar da casaca dos forçados. É mais do que isso, pois a roupa de um sentenciado não é mais do que um símbolo. É preciso não apenas se despojar da casaca, é preciso também arrancar da alma e do cérebro a marca a fogo de uma matrícula de infâmia.

Uma patrulha de policiais negros ingleses, impecáveis, acaba de entrar no bar. Mesa por mesa, eles vão exigindo os documentos de identidade. Quando chegam ao nosso canto, o chefe olha atentamente todos os rostos. Encontra um que não conhece, o meu.

– Sua carteira de identidade, por favor, senhor.

Eu a dou, ele dá uma olhada, devolve-a e acrescenta:

– Desculpe-me, eu não o conhecia. Seja bem-vindo a Georgetown – e se retira.

Paul, o saboiano, acrescenta, depois que ele vai embora:

– Esses rosbifes são maravilhosos. Os únicos estrangeiros nos quais eles confiam cem por cento são os forçados que fogem. Poder provar às autoridades inglesas que você é um evadido da prisão de forçados é obter a liberdade imediatamente.

Se bem que tenhamos voltado muito tarde para casa, às 7 horas da manhã estou na porta principal do porto. Menos de meia hora depois, Cuic e o maneia chegam com a carroça cheia de legumes frescos, cortados de madrugada, ovos e alguns frangos. Estão sozinhos. Pergunto onde está o conterrâneo que lhes ensinou o trabalho. Cuic responde:

– Ele nos mostrou ontem, é o suficiente. Agora não precisamos de mais ninguém.

– Você foi muito longe buscar isso?

– Sim, a mais de duas horas e meia daqui. Saímos às 3 horas da madrugada e chegamos agora.

Como se fizesse assim há vinte anos, Cuic toma chá quente e bolachas. Sentados no passeio, perto da carroça, comemos, esperando os fregueses.

– Acha que eles vão vir, os americanos de ontem?

– Espero que sim, mas, se não vierem, outros virão.

– E os preços? Como você faz?

– Eu não digo: “Isto custa tanto”. Eu digo: “Quanto me oferece?”

– Mas você não sabe falar inglês.

– É verdade, mas sei mexer os dedos e as mãos. Assim é fácil.

– Primeiro vai você, que fala o suficiente para vender e comprar – me diz Cuic.

– Sim, mas primeiro eu quero ver como você faz.

Não demora muito, chega um automóvel grande, chamado carro de comando. O motorista, um suboficial e dois marinheiros descem. O suboficial sobe na carroça, examina tudo: alfaces, berinjelas, etc. Depois de inspecionar cada coisa, apalpa os frangos.

– Quanto, tudo? – e começa a discussão.

O marinheiro americano fala pelo nariz. Não compreendo nada do que ele diz; Cuic fala uma mistura de chinês e francês. Vendo que não conseguem se entender, chamo Cuic de lado.

– Quanto você gastou?

Ele remexe os bolsos e encontra 17 dólares.

– Cento e oitenta e três dólares.

– Quanto ele está oferecendo?

– Acho que duzentos e dez, não é o bastante.

Eu me aproximo do oficial. Ele me pergunta se falo inglês. Um pouquinho.

– Fale lentamente – digo-lhe.

– O.K.

– Quanto o senhor paga? Não, não é possível, não podemos vender por 210 dólares; 240.

Ele não quer.

Ele faz que vai embora, depois volta, torna a ir, sobe no carro, mas eu sinto que é uma comédia. No momento em que torna a descer, chegam minhas duas belas vizinhas, as hindus, semiveladas. Certamente observaram a cena, pois fingem não nos conhecer. Uma delas sobe na carroça, examina a mercadoria e dirige-se a nós:

– Quanto, tudo?

– Duzentos e quarenta dólares – respondo. Ela diz: “Está bem”.

Mas o americano tira os 240 dólares e dá-os a Cuic, dizendo às hindus que já havia comprado. Minhas vizinhas não se retiram e olham os americanos descarregarem a carroça e carregarem o carro de comando. No último instante, um marinheiro pega o porco, pensando que ele faz parte do negócio. Cuic não quer que levem o porco, é claro. Começa uma discussão, não conseguimos explicar que o porco não estava incluído na venda.