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Tento fazer as hindus entenderem isso, mas é muito difícil. Elas não compreendem. Os marinheiros americanos não querem deixar o porco, Cuic não quer devolver o dinheiro, a coisa vai virar bagunça. O maneta já pegou uma tábua da carroça, quando passa um jipe da polícia militar americana. O suboficial apita. A polícia militar se aproxima. Eu digo a Cuic para devolver o dinheiro, ele não quer ouvir nada. Os marinheiros estão com o porco e não querem devolvê-lo. Cuic está plantado diante do carro deles, impedindo-os de ir embora. Um grupo de curiosos, bastante numeroso, formou-se em torno da cena barulhenta. A polícia americana dá razão aos americanos e, aliás, não entendem nada do que falamos. Pensam, sinceramente, que quisemos enganar os marinheiros.

Não sei mais o que fazer, quando me lembro de que tenho o número do telefone do Mariner Club, com o nome do martiniquenho. Dou-o ao oficial de polícia, dizendo: “Intérprete”. Ele me leva até um telefone. Ligo e tenho a sorte de encontrar meu amigo gaullista. Peço-lhe que explique ao policial que o porco não estava à venda, que é domesticado, que é como um cachorro para Cuic e que havíamos esquecido de dizer aos marinheiros que ele não entrava no negócio. Depois, passo o telefone para o policial. Três minutos bastam para que ele compreenda tudo. Ele mesmo pega o porco e o devolve a Cuic, que, todo feliz, toma-o nos braços e coloca-o na carroça. O incidente acaba bem e os meus amigos amarelos riem como crianças. Todo mundo vai embora, tudo terminou bem.

A noite, em casa, agradecemos às hindus, que riem bastante deste caso.

Estamos em Georgetown há três meses. Hoje nos instalamos na metade da casa de nossos amigos hindus. Dois quartos claros e espaçosos, uma sala de jantar, uma pequena cozinha com fogão a carvão de lenha e um quintal imenso com um canto coberto de zinco para estábulo. A carroça e o asno estão abrigados. Vou dormir sozinho numa grande cama, comprada a preço de ocasião, com um bom colchão. No quarto ao lado, cada um numa cama, ficam os meus dois amigos chineses. Temos também uma mesa, seis cadeiras e dois tamboretes. Na cozinha, todos os utensílios necessários para cozinhar. Depois de ter agradecido a Guittou e seus amigos pela hospitalidade, tomamos posse da nossa casa, como diz Cuic.

Diante da janela da sala de jantar que dá para a rua está uma poltrona de junco, como um trono, presente das hindus. Na mesa da sala de jantar, num jarro, algumas flores trazidas por Cuic.

Esta impressão de meu primeiro lar, humilde mas limpo, esta casa clara e asseada que me rodeia, primeiro resultado de três meses de trabalho em equipe, me dá confiança em mim e no futuro.

Amanhã é domingo, não há mercado, portanto a gente está livre o dia inteiro. Assim, nós três decidimos oferecer um almoço em nossa casa a Guittou, seus amigos, às hindus e seus irmãos. O convidado de honra será o chinês que ajudou Cuic e o maneta, aquele que lhe deu de presente o asno e a carroça e que nos emprestou os 200 dólares para que pudéssemos iniciar nosso comércio. Em seu guardanapo, ele encontrará os 200 dólares e um bilhete de agradecimento, da nossa parte, escrito em chinês.

Depois do porco, que ele adora, sou eu que tenho toda a amizade de Cuic. Ele tem constantes atenções para comigo: sou o mais bem vestido dos três e freqüentemente ele chega em casa com uma camisa, uma gravata ou uma calça para mim. Tudo isso, ele compra com seu dinheiro. Cuic não fuma, também quase não bebe, seu único vício é o jogo. Só sonha com uma coisa: ter bastante economia para ir ao clube dos chineses e jogar.

Para vender nossos produtos comprados de madrugada, não temos nenhuma dificuldade séria. Já falo bastante bem o inglês para comprar e vender. Cada dia, ganhamos de vinte a 35 dólares os três. É pouco, mas estamos muito satisfeitos por termos encontrado tão depressa um meio de ganhar nossa vida. Não vou sempre com eles comprar, se bem que obtenha melhores preços do que eles, mas agora sou sempre eu que vendo. Muitos marinheiros americanos e ingleses que são destacados para vir à terra fazer compras para seus navios me conhecem. Gentilmente discutimos a venda, sem botar muito calor na discussão. Há um bom cara, cantineiro ítalo-americano de um rancho de oficiais americanos, que sempre fala comigo em italiano. Fica feliz da vida por eu lhe responder em sua língua e só discute para se divertir. No fim, acaba sempre comprando pelo preço que pedi no começo da conversa.

Entre as 8 e meia e as 9 horas da manhã, a gente está de volta a casa. O maneta e Cuic deitam-se depois de nós três termos comido uma refeição ligeira. Eu vou ver Guittou ou minhas vizinhas vêm à nossa casa. Nada de muita faxina a fazer: varrer, lavar roupa, arrumar as camas, manter a casa limpa, as duas irmãs fazem tudo isso para nós, por quase nada, 2 dólares por dia. Aprecio plenamente isso de ser livre sem angústia pelo futuro.

MINHA FAMÍLIA HINDU

O meio de locomoção mais empregado nesta cidade é a bicicleta. Portanto, comprei uma bicicleta para ir a qualquer lugar sem problema. Como a cidade é plana, assim como seus arredores, pode-se percorrer longas distâncias sem esforço. Na bicicleta há dois porta-bagagens muito fortes, um na frente e outro atrás. Posso, portanto, como muitos nativos, levar facilmente duas pessoas.

Pelo menos duas vezes por semana, dou um passeio de uma hora ou duas com minhas amigas hindus. Elas ficam loucas de alegria e começo a perceber que uma delas, a mais moça, está quase apaixonada por mim.

Seu pai, que eu nunca tinha visto, veio ontem. Não mora muito longe da minha casa, mas nunca tinha vindo nos visitar e eu só conhecia seus irmãos. É um velho grande, com barba muito longa, branca como a neve. Seus cabelos também são platinados e descobrem uma fronte inteligente e nobre. Só fala hindu, sua filha traduz. Convida-me para ir visitá-lo em sua casa. Não é longe, de bicicleta, manda que a princesinha, como ele chama a filha, me diga. Prometo-lhe que irei visitá-lo logo.

Depois de comer alguns doces, tomando chá, ele vai embora, não sem que eu tenha notado que examinou os menores detalhes da casa. A princesinha está toda feliz por ver seu pai ir embora satisfeito com a visita e conosco.

Tenho 36 anos e estou com muito boa saúde, sinto-me jovem ainda e todo mundo, felizmente, me considera jovem: não aparento mais de 30 anos, dizem todos os amigos. Ora, essa pequena está com dezenove anos e tem a beleza de sua raça, calma e cheia de fatalismo em seu modo de pensar. Seria para mim um presente do céu amar e ser amado por essa moça esplêndida.

Quando nós três saímos, ela sempre senta no bagageiro da frente e sabe muito bem que ficando bem sentada, com o busto ereto, quando eu tenho que forçar os pedais, preciso me inclinar um pouco para a frente e fico muito próximo de seu rosto. Se ela joga a cabeça para trás, vejo toda a beleza de seus seios nus sob o véu, melhor do que se não estivessem cobertos por gaze. Seus grandes olhos negros brilham intensamente por ocasião dessas quase apalpadelas e sua boca, vermelho-escuro na pele mate, entreabre-se com vontade de ser beijada. Dentes admiráveis e de brilhante beleza completam essa boca maravilhosa. Ela tem um jeito de pronunciar certas palavras, de fazer aparecer uma pontinha da língua rosa na boca entreaberta, que tornaria libertinos os santos mais santos que nos deu a religião católica.

Devemos ir ao cinema, hoje à noite, só nós dois. Sua irmã está com dor de cabeça, dor de cabeça essa que me parece simulada para nos deixar a sós. Ela chega com um vestido de musselina branca que vai até os tornozelos, os quais, quando ela anda, aparecem nus, rodeados por três aros de prata. Está calçada com sandálias cujas tiras douradas passam pelo grande artelho. Isso torna seu pé muito elegante. Na narina direita, ela colocou uma conchinha minúscula de ouro. O véu de musselina na cabeça é curto e cai-lhe ligeiramente abaixo das espáduas. Uma fita dourada o mantém preso ao redor da cabeça. Da fita até o meio da testa pendem três fios guarnecidos com pedras de todas as cores. Linda fantasia. Quando balança, é claro, deixa ver a tatuagem muito azul da fronte.