Diante da casa, ele colocou uma tabuleta escrita em hindu onde está anunciado, parece: “Artista tatuador – Preço módico – Trabalho garantido”. Esse trabalho é bem pago e tenho duas satisfações: admirar os lindos seios das javanesas e ganhar dinheiro.
Cuic encontrou um restaurante à venda, perto do porto. Todo orgulhoso, ele me conta a novidade e propõe que o compremos. O preço está acertado, 800 dólares. Vendendo o ouro do feiticeiro, mais as nossas economias, podemos comprar o restaurante. Vou vê-lo. Fica numa rua pequena, mas muito perto do porto. Lá fervilha de gente a toda hora. Uma sala bastante grande, quadriculada em branco e preto, oito mesas à esquerda, oito à direita, no meio uma mesa redonda onde podem ser expostos os antepastos e as frutas. A cozinha é grande, espaçosa, bem iluminada. Dois grandes fornos e dois fogões imensos.
Fizemos o negócio. Indara mesmo vendeu todo o ouro que possuíamos. O papai primeiro ficou surpreendido por eu jamais haver tocado nos pedaços de ouro que ele dava à filha para nós dois. Disse:
– Eu os dei a vocês para que aproveitassem. São de vocês dois, não têm que me perguntar se podem dispor deles. Façam o que quiser.
Meu “sogro-feiticeiro” não é nada mau. Ela é uma coisa à parte, como amante, como mulher e como amiga. Nunca corremos o risco de brigar, porque ela sempre responde sim a tudo que digo. Só se arrepia um pouco quando tatuo as maminhas de suas compatriotas.
Portanto, eis-me dono do restaurante Victory, na Rua Water, em pleno coração do porto da cidade de Georgetown. Cuic ficará na cozinha, ele gosta disso, é a sua profissão. O maneta fará as compras e o chow mein, uma espécie de macarrão chinês. É feito da seguinte maneira: farinha de trigo misturada e amassada com quantidades de gemas de ovos. Sem água, essa massa é trabalhada dura e longamente. É uma massa dura como pedra, ao ponto de ele ter que trabalhá-la pulando com a coxa em cima de um bastão bem polido, fixado no centro da mesa. Com uma coxa à cavalo por cima do bastão, que ele segura com sua única mão, corre, saltando num só pé, ao redor da mesa, surrando assim a massa, que, trabalhada com essa força, torna-se logo uma massa leve e deliciosa. Por fim, um pouco de manteiga acaba de lhe dar um gosto exótico.
Esse restaurante, que fora à falência, rapidamente adquire fama. Ajudada por uma jovem hindu muito bonita, chamada Daya, Indara serve os numerosos clientes que acorrem para degustar a comida chinesa. Todos os forçados fugitivos vêm. Os que têm dinheiro pagam; os outros comem de graça. “Dá sorte dar de comer aos que têm fome”, diz Cuic.
Um só inconveniente: a atração das duas garçonetes, uma das quais é Indara. As duas exibem os seios nus sob o ligeiro véu de seus vestidos. E mais, abriram os vestidos, dos tornozelos até os quadris. Quando fazem certos movimentos, descobrem a perna toda e a coxa, até bem em cima. Os marinheiros americanos, ingleses, suecos, canadenses e noruegueses comem, alguns duas vezes por dia, para gozar o espetáculo. Meus amigos chamam meu restaurante de restaurante dos olheiros. Eu represento o patrão. Para todo mundo, eu sou o boss. Não há caixa registradora, as garçonetes me trazem o dinheiro, que ponho no bolso, e dou troco quando é necessário.
O restaurante abre às 8 da noite e fica aberto até 5 ou 6 horas da manhã. Não vale a pena dizer que, ali pelas 3 horas da manhã, todas as putas do bairro que fizeram uma boa noite vêm comer, com seu homem ou com um cliente, um frango ao curry ou uma salada de feijão. Também tomam cerveja, principalmente inglesa, uísque, rum de cana-de-açúcar do país, muito bom, com soda ou coca-cola. Como se tornou o ponto de encontro dos franceses em fuga, sou o refúgio, o conselheiro, o juiz e o confidente de toda a colônia de forçados e exilados.
Isso às vezes me traz encrencas. Um colecionador de borboletas me explica sua maneira de caçar no mato. Corta um papelão em forma de borboleta, depois cola sobre ele as asas da borboleta que quer caçar. O papelão é afixado na ponta de um bastão de 1 metro. Quando caça, ele segura o bastão com a mão direita e faz movimentos de modo que a falsa borboleta pareça estar voando. Enfia-se pelo mato, sempre em clareiras onde o sol penetra. Sabe as horas de aparição de cada espécie. Há espécies que não vivem mais de 48 horas. Então, quando o sol banha essa clareira, as borboletas que acabam de sair do casulo precipitam-se para a luz, procurando fazer o amor o mais depressa possível. Quando percebem a isca, vêm de longe para se precipitar sobre ela. Se a falsa borboleta é um macho, é um macho que vem para lutar. Com a mão esquerda, onde segura a redinha, rapidamente ele o apanha.
A bolsa tem um estreitamento, que permite que o caçador continue a apanhar borboletas sem temer que as outras escapem,
Se a isca for feita com as asas de uma fêmea, os machos vêm para beijá-la e o resultado é o mesmo.
As mais belas borboletas são as da noite, mas, como batem freqüentemente em obstáculos, é difícil encontrar uma com as asas intatas. Quase todas têm as asas esfrangalhadas. Para apanhar essas borboletas noturnas, ele sobe no alto de uma grande árvore e faz um quadrado com pano branco, que ilumina por trás com luz de carbureto. As grandes borboletas da noite, com 15 a 20 centímetros da ponta de uma asa à outra, vêm colar-se ao pano branco. Basta, então, asfixiá-las, comprimindo-lhes bem depressa e com bastante força o tórax, sem esmagá-lo. Não se pode deixar que se debatam, porque estragariam as asas, perdendo parte do valor.
Tenho sempre numa vitrina pequenas coleções de borboletas, de moscas, de pequenas serpentes e de vampiros. Há mais compradores do que mercadoria. Assim, os preços são altos.
Um americano me desenhou uma borboleta com as asas de trás de um azul-aço e as superiores de um azul-claro. Ofereceu-me 500 dólares se eu encontrasse uma borboleta dessa espécie. Trata-se, aliás, de uma borboleta hermafrodita.
Falando com o caçador, ele me disse que uma vez tivera uma nas mãos, muito bonita, que lhe haviam pago 50 dólares e que ficara sabendo depois, por um colecionador sério, que aquela espécie valia quase 2 000 dólares.
– O americano está querendo embrulhar você, Papillon – disse-me o caçador. – Está pensando que você é idiota. Mesmo que a peça valesse só 1 500 dólares, ele estaria se aproveitando sordidamente da sua ignorância.
– Tem razão, ele é um sujo. E se nós o tapearmos?
– Como?
– Teríamos que fixar numa borboleta fêmea, por exemplo, as asas de um macho ou vice-versa. O difícil é descobrir como fixá-las, sem que se perceba.
Depois de várias tentativas infelizes, conseguimos colar perfeitamente, sem que se note, duas asas de um macho num magnífico exemplar de fêmea: introduzimos as pontas numa minúscula incisão, depois colamos com leite de balata. Segura bem, a ponto de se poder erguer as asas coloridas. Pomos a borboleta sob o vidro, junto com outras, numa coleção qualquer de 20 dólares, como se eu jamais a tivesse visto. Assim que o americano a percebe, tem o topete de vir com uma nota de 20 dólares na mão, para comprar a coleção. Eu digo que ela já estava prometida, que um sueco encomendou uma caixa e que aquela é para ele.
Em dois dias, o americano pegou aquela caixa nas mãos pelo menos umas dez vezes. Enfim, não agüentando mais, ele me chama.
– Compro a borboleta do meio por 20 dólares e você fica com a coleção.
– O que essa borboleta tem de extraordinário? – e ponho-me a examinar; depois me espanto: – Veja só, mas é uma borboleta hermafrodita!
– Que está dizendo? Sim, é verdade. Antes, eu não tinha muita certeza – diz o americano. – Através do vidro não se via bem. Dá licença? – examina a borboleta de todos os lados e diz: – Quanto quer por ela?