Pois bem, hoje é o casamento de uma moça hindu. Todo mundo está vestido com mantos compridos: as mulheres de voal branco e os homens com túnicas brancas que descem até os pés. Muitas flores de laranjeira. A cena, depois de várias cerimônias religiosas, desenrola-se no momento em que o noivo vai levar sua mulher. Os convidados ficam à esquerda e à direita da porta da casa. De um lado, mulheres; do outro, homens. Sentados na soleira da porta aberta, o pai e a mãe. Os noivos beijam seus parentes e passam entre as duas fileiras, que têm alguns metros de comprimento. De repente, a noiva escapa do braço do marido e corre para sua mãe. A mamãe tapa os olhos com uma das mãos e com a outra manda-a de volta ao marido.
Este estende os braços e chama, ela faz gestos com os quais demonstra que não sabe o que fazer. Sua mãe deu-lhe a vida e, muito bem, ela representa uma criança saindo do ventre de sua mãe. Depois, a mãe lhe deu o seio. Ela vai esquecer isso tudo para seguir o homem que ama? Talvez, mas não seja apressado, diz ela com gestos, espere mais um pouco, deixe-me contemplar ainda estes pais tão bons que, até eu encontrar você, foram a razão de minha vida.
Então, ele também faz mímica, com a qual faz compreender que a vida exige que ela seja, também, esposa e mãe. Tudo isso ao som de cantos de jovens e rapazes que lhes respondem. Por fim, depois de ter escapado mais uma vez dos braços do marido, é ela própria quem dá alguns passos, correndo, salta nos braços do marido, que a leva bem depressa para a carroça, com guirlandas de flores, que os espera.
A fuga é minuciosamente preparada. Um barco grande e comprido, com uma boa vela, uma bujarrona e um leme de primeira qualidade, são preparados com precauções para que a polícia não perceba.
No rio Penitence, o riozinho que desemboca no grande rio, o Demerara, escondemos o barco num trecho que passa pelo nosso bairro. Está exatamente pintado e numerado como um barco de pesca de chineses matriculado em Georgetown. Iluminada pelos faróis, apenas a tripulação é diferente. Para dar bem a impressão que queremos, não podemos ficar de pé, pois os chineses do barco copiado são pequenos e magros, nós somos altos e fortes.
Tudo se passa sem maiores complicações e saímos calmamente do Demerara para entrar no mar. Apesar da alegria de termos saído e de termos evitado o perigo de sermos descobertos, uma só coisa me impede de saborear completamente esse êxito: é o fato de ter partido como um ladrão, sem ter avisado minha princesa hindu. Não estou contente comigo mesmo. Ela, seu pai e sua raça não me fizeram mais do que o bem e em troca eu lhes paguei com o mal. Não procuro encontrar argumentos para justificar minha conduta. Acho que é pouco elegante o que fiz e não estou nada contente comigo. Ostensivamente, deixei 600 dólares em cima da mesa, mas o dinheiro não paga essas coisas recebidas.
Devemos navegar durante 48 horas na direção norte-norte. Retomando minha antiga idéia, quero ir para as Honduras britânica. Para isso, teremos que pegar dois dias em alto-mar.
A fuga é formada por cinco homens: Guittou, Chapar, Barrière (um bordelês), Deplanque (um cara de Dijon) e eu, Papillon, capitão, responsável pela navegação.
Mal completamos trinta horas de mar, somos apanhados por uma tempestade espantosa, seguida de uma espécie de tufão, um ciclone. Relâmpagos, trovões, chuva, vagalhões enormes e desordenados, vento de furacão turbilhonando no mar levam-nos, sem que possamos resistir, numa louca e dramática cavalgada sobre um mar que eu jamais havia visto ou imaginado. Pela primeira vez, em minha experiência, os ventos giram mudando de direção, ao ponto de os alísios serem completamente anulados, e a tormenta nos fazer valsar em direção oposta. Se isso durasse oito dias, voltaríamos aos trabalhos forçados nas ilhas.
Esse tufão, aliás, foi memorável, eu soube depois em Trinidad, pelo Sr. Agostini, o cônsul francês. O tufão derrubou mais de 6 000 coqueiros da sua plantação. Esse tufão em forma de verruma serrou, completamente, os coqueiros à altura de um homem. Casas foram arrancadas e levadas pelos ares para muito longe, caindo na terra ou no mar. Perdemos tudo: víveres e bagagens, assim como os tonéis de água. O mastro se quebrou, ficando com menos de 2 metros, sem vela, e, o mais grave, o leme se quebrou. Por milagre, Chapar salvou um pequeno remo e é com esse pequeno pau que tento dirigir o barco. Para completar, ficamos todos nus em pêlo para confeccionarmos uma espécie de vela. Usamos tudo, paletós, calças e camisas. Nós cinco estamos de cuecas. Essa vela, fabricada com nossas roupas e costurada com um rolinho de arame que havia a bordo, quase nos permite navegar com o mastro quebrado.
Os ventos alísios retomaram seu curso e aproveito para tentar ir direto ao sul, para alcançar não importa que terra, até mesmo a Guiana Inglesa. A condenação que nos espera por lá será bem-vinda. Meus camaradas se comportaram dignamente durante e depois, eu não diria mais essa tempestade, pois não seria o bastante, mas sim esse cataclismo, esse dilúvio, esse ciclone, melhor.
É somente no fim de seis dias, dos quais dois de completa calmaria, que vemos terra. Com o pedaço de vela que o vento enfuna, apesar dos furos, não podemos navegar exatamente como queremos. O pequeno remo não é suficiente para dirigir firmemente a embarcação. Estando em pêlo, temos queimaduras ardentes em todo corpo, o que diminui nossa força para lutar. Nenhum de nós tem pele sobre o nariz, os narizes estão em carne viva. Os lábios, os pés, as entrecoxas e as coxas também estão com a carne completamente à mostra. A sede nos atormenta a tal ponto, que Deplanque e Chapar chegaram a beber água salgada. Depois dessa experiência sofrem mais ainda. Há, apesar da sede e da fome que nos atazanam, algo de bom: ninguém, absolutamente ninguém, se queixa. Nenhum de nós jamais dá um conselho a outro. O que quer beber água salgada, o que joga água do mar em seu corpo, dizendo que isso refresca, logo percebe sozinho que a água salgada abre chagas e queima ainda mais pela evaporação.
Sou o único a ter os olhos completamente abertos e sãos, todos os meus camaradas estão com os olhos cheios de pus, que se colam constantemente. Os olhos precisam ser lavados, custe o que custar, apesar da dor, porque faz bem abrir os olhos e enxergar direito. Um sol de chumbo nos ataca as queimaduras com tal intensidade, que é quase irresistível. Deplanque, meio louco, fala em se atirar na água.
Há mais de uma hora me parecia distinguir terra no horizonte. Bem entendido, eu me dirigi imediatamente para ela sem dizer nada, pois não tinha certeza. Pássaros chegam e voam ao nosso redor; portanto, não me enganei. Seus gritos advertem meus camaradas, que, embrutecidos pelo sol e pela fadiga, deitaram-se no fundo do barco, protegendo o rosto do sol com os braços.
Guittou, depois de enxaguar a boca para conseguir fazer sair algum som, me diz:
– Está vendo terra, Papi?
– Estou.
– Em quanto tempo acha que podemos chegar?
– Cinco ou sete horas. Escutem, meus amigos, eu não posso mais. Além das mesmas queimaduras que vocês, estou com as nádegas em carne viva por causa do atrito na madeira do banco e por causa da água do mar. O vento não está muito forte, estamos avançando tão lentamente, que meus braços têm cãibras constantemente e minhas mãos estão adormecidas de apertar durante tanto tempo o remo que nos serve de leme. Querem aceitar uma coisa? Vamos retirar a vela e estendê-la sobre o barco, para nos abrigarmos desse sol de fogo até a noite. O barco irá à deriva, sozinho, para a terra. É preciso fazer isso, a menos que algum de vocês queira tomar meu lugar ao leme.
– Não, não, Papi. Vamos fazer isso e dormir todos, menos um, à sombra da vela.
É ao sol, às 13 horas, que faço tomarem essa decisão. Com uma satisfação animal, deito-me no fundo do barco, enfim à sombra. Meus camaradas cederam-me o melhor lugar para que, na frente, eu possa receber o ar de fora. O que está de guarda fica sentado, mas abrigado à sombra da vela. Todo mundo, mesmo o homem de guarda, mergulha rapidamente no nada. Rendidos de fadiga e gozando essa sombra que enfim nos permite escapar ao sol inexorável, adormecemos.