– Todavia – diz ele -, já que vocês não cometeram nenhum delito na Venezuela, vamos segurar vocês durante algum tempo e depois libertá-los. Mas, para isso, vocês precisam trabalhar e comportar-se bem: vocês estão em período de observação.
Conversando comigo, os oficiais haviam-se queixado várias vezes da dificuldade de obter legumes frescos na aldeia. A colônia tem um campo de agricultura, mas não produz legumes. Só cultiva arroz, milho, feijão preto e nada mais. Ofereço-me para fazer uma horta, se me derem as sementes. Eles aceitam.
Primeira vantagem: saímos do campo. Deplanque e eu, e, como chegaram mais dois deportados presos em Ciudad Bolivar, eles se juntam a nós. Um é parisiense, chama-se Totó, e o outro é natural da Córsega. Trabalhando em equipe de quatro, fazemos duas casinhas bem construídas em madeira e cobertas de folhas de palmeira. Numa delas, moramos Deplanque e eu; na outra, moram os dois companheiros.
Totó e eu construímos umas mesas bastante altas, cujas pernas são mergulhadas em latas cheias de gasolina, para evitar que as formigas subam e comam as sementes. Logo dispomos de brotos robustos de tomates, berinjelas, melões e ervilhas verdes. Começamos a replantá-los em canteiros comuns, pois agora os brotos são bastante fortes para resistir às formigas. Para plantar os novos tomateiros, cavamos em volta uma espécie de fosso, que será mantido cheio de água. Dessa maneira, a terra ficará sempre úmida e os parasitas, muito numerosos nesta terra virgem, não poderão chegar até as nossas plantas.
– Ora veja, o que é isto? – diz Totó. – Olhe como brilha esta pedrinha.
– Lave bem ela, meu chapa.
E ele me passa a pedra. É um pequeno cristal do tamanho de um grão-de-bico. Depois de lavado, brilha ainda mais no lado em que a sua ganga está quebrada, pois a pedra está recoberta por uma espécie de casca de arenito muito dura.
– Será que não é um diamante?
– Cale essa boca, Totó. Não é hora de falar, se for um brilhante. Você já pensou se a gente tivesse a sorte de encontrar uma mina de diamantes? Vamos esperar até de noite e esconderei esse troço.
À noite, estou dando lições de matemática a um cabo (hoje coronel, que se prepara para o exame de oficialato. Esse homem, dotado de nobreza de alma e retidão a toda prova (que me demonstrou durante mais de 25 anos de amizade), é agora o Coronel Francisco Bolagno Utrera.
– Chico, o que é isto? É um cristal de rocha?
– Não – diz ele, após examinar minuciosamente a pedra. – É um diamante. Esconda bem e não deixe ninguém ver. Onde foi que você encontrou?
– Na minha plantação de tomates.
– Isso é meio esquisito. Será que você não o pegou quando tirava água do rio? Você não arrasta o balde e tira um pouco de areia com a água?
– Justamente, é o que acontece.
– Então é isso. Você tirou do rio Caroni esse brilhante. Você pode procurar, mas preste atenção para ver se não pegou outras pedrinhas, porque a gente nunca encontra uma pedra preciosa isolada. Onde se encontra uma, é garantido que há outras mais.
Totó se põe a trabalhar com afinco.
Nunca trabalhou tanto em sua vida. Os nossos dois companheiros, a quem nada havíamos contado, diziam para ele:
– Pára de trabalhar, Totó! Você quer se rebentar, trazendo tantos baldes de água do rio! E você ainda traz areia com a água!
– É para que a terra fique mais leve, meu chapa – respondia Totó. – Misturando com areia, ela filtra melhor a água.
Totó, apesar das brincadeiras de nós todos, continua a carregar baldes de água sem parar. Certa vez, era meio-dia, ele tropeça e se esparrama diante de nós que estamos sentados na sombra. E, no meio da areia derramada, aparece uma pedra com duas vezes o tamanho de um grão-de-bico. A ganga, mais uma vez, está quebrada; se não fosse isso, não se veria a pedra. Mas Totó se trai, escondendo a pedra muito depressa.
– Ora, ora – diz Deplanque, será que não é um diamante? Uns soldados me disseram que esse rio tem muito ouro e diamantes.
– É por isso que eu carrego tanta água! Vocês vêem que não sou tão cretino como vocês pensam! – diz Totó, satisfeito de poder finalmente explicar por que motivo ele trabalha tanto.
Encurtando a história, em seis meses Totó reúne de 7 a 8 quilates de brilhantes. Quanto a mim, tenho uma dúzia deles, além de mais de trinta pedrinhas menores, e o negócio está-se tornando “comercial”, segundo a gíria dos mineradores. E um belo dia encontro uma pedra de mais de 6 quilates, a qual, lapidada mais tarde em Caracas, rendeu mais ou menos 4 quilates. Essa pedra está ainda comigo e eu a trago sempre no dedo, nunca a tiro. Deplanque e Antartaglia também conseguiram juntar algumas pedras preciosas. Ainda estou de posse do canudo que usava na penitenciária e coloquei as pedras dentro dele. Também os meus companheiros fabricaram umas imitações de canudos em chifre de boi, dentro dos quais eles guardam suas pequenas fortunas.
As autoridades não sabem de nada, salvo o futuro coronel, o cabo Francisco Bolagno. Os tomates e as outras plantas cresceram. Os oficiais pagam escrupulosamente pelos legumes que levamos todos os dias à sua mesa.
Gozamos de relativa liberdade. Trabalhamos sem qualquer vigilante e dormimos em nossas duas casinhas. Nunca mais vamos para o campo de trabalho. Somos respeitados e bem tratados. Naturalmente, sempre que se apresenta a oportunidade, insistimos com o diretor para que nos ponha em liberdade. Cada vez, ele responde “logo mais”, porém já estamos aqui há oito meses e nada acontece. Começo então a falar de fugir. Totó não quer saber de nada. Os outros também. Para estudar o rio, arranjei uma linha de pesca e uma isca. Assim também posso vender peixe, especialmente as famosas piranhas, peixes carnívoros que chegam a pesar 1 quilo e cujos dentes estão dispostos como os dos tubarões, e são tão terríveis como os deles ou ainda mais.
Hoje deu-se um alarma geral. Gaston Duranton, o Torto, fugiu, carregando 70 000 bolívares do cofre do diretor. Esse duro tem uma história original.
Ainda criança, achava-se no reformatório da Ilha de Oléron e trabalhava como sapateiro na oficina. Um dia, rebenta-se a correia de couro que segura o calçado sobre o joelho e passa por baixo do pé. O menino desloca o quadril. Mal tratado, o quadril solda-se pela metade e ele fica torto por toda a sua vida de menino e parte de sua vida adulta, como veremos mais adiante. Vai para a colônia penal aos 25 anos. Não é de admirar que, depois de longas temporadas em reformatórios de menores, ele tenha se transformado em experimentado ladrão.
Toda a gente o chama de Torto. Quase ninguém conhece seu verdadeiro nome, Gaston Duranton. Torto ficou, Torto é chamado. Apesar de manquitola, ele consegue escapar do presídio e chegar à Venezuela. Deu-se isto no tempo do tirano Gómez. Poucos fugitivos sobreviveram à sua repressão. Houve algumas exceções: por exemplo, o Dr. Bougrat, porque ele salvou toda a população da ilha das pérolas margarita, ameaçada por uma epidemia de febre amarela.
O Torto, detido pela “sagrada” (era o nome da polícia especial do ditador Gómez), foi mandado trabalhar nas estradas da Venezuela. Os prisioneiros franceses e venezuelanos eram mantidos acorrentados a bolas de ferro que traziam gravada a flor-de-lis das galés de Toulon. Quando os franceses se queixavam, os guardas diziam: “Mas estas correntes, estas algemas, estas bolas vêm do seu país! Vejam só a flor-de-lis!” Para encurtar, o Torto evadiu-se do campo volante onde trabalhava na abertura da estrada. Foi recapturado em alguns dias e devolvido ao presídio ambulante. Diante de todos os presos, deitam-no pelado, de bruços, e o condenam a receber cem golpes de nervo de boi.