Выбрать главу

Já há uma semana que estamos no hospital. Ontem entreguei 200 francos a Chatal, é o preço por semana para nos manter, nós dois, no hospital. Para conquistar amizades, damos fumo a todos que não têm. Um forçado de sessenta anos, um marselhês chamado Carora, se fez muito amigo de Dega. Ele é seu conselheiro. Diz várias vezes por dia que, se tiver muito dinheiro e isso for sabido no povoado (pelos jornais chegados da França, sabe-se dos casos grandes), é melhor que ele não se evada, porque os libertos irão matá-lo para roubar seu canudo. Dega me conta estas conversas com o velho Carora. Sou obrigado a lhe dizer que o velho é certamente um galinha-morta, pois já está aqui há vinte anos, mas ele não me dá atenção. Dega está muito impressionado com a conversa fiada do velho e eu tenho de me esforçar para sustentar seu ânimo e o meu.

Mandei passar um bilhete a Sierra, para que traga Galgani. A coisa não demora. No dia seguinte, Galgani está no hospital, mas fora das grades. Como fazer para lhe entregar seu canudo? Digo a Chatal que tenho necessidade imperiosa de falar com Galgani, dou a entender que é uma preparação de fuga. Ele me diz que pode trazer Galgani precisamente cinco minutos antes do meio-dia. Na hora da mudança da guarda, ele o fará subir para a varanda e falar comigo na janela, e isso sem cobrar nada. Galgani é trazido à janela ao meio-dia, eu boto o canudo diretamente em suas mãos. Ele introduz o canudo no rabo, em pé, na minha frente, e chora. Dois dias depois, eu recebi uma revista enviada por ele, com cinco notas de 1 000 francos e uma única palavra: “Obrigado”.

Chatal, que me entregou a revista, viu o dinheiro. Ele não me fala nisso, mas eu insisto em lhe oferecer alguma coisa. Ele recusa. Eu lhe digo:

– Nós queremos cair fora. Quer ir conosco?

– Não, Papillon, tenho outro compromisso, só vou tentar a evasão dentro de cinco meses, quando meu parceiro estiver libertado. A fuga vai ser mais bem preparada e será mais segura. Você, como está internado, compreendo que esteja com pressa, mas sair daqui, com estas grades, vai ser duro. Não conte comigo para lhe dar uma mão, não quero arriscar meu lugar. Aqui, espero que meu amigo saia.

– Muito bem, Chatal. É preciso ser franco na vida, nunca vou-lhe dizer nada que possa comprometê-lo.

– Assim mesmo, levarei seus bilhetes e tratarei de suas encomendas.

– Obrigado, Chatal.

Nesta noite, ouvimos rajadas de metralhadora. Soubemos, no dia seguinte, que foi o “homem do martelo” que se evadiu. Que Deus o ajude, era um bom amigo. Deve ter surgido uma oportunidade e aproveitou. Tanto melhor para ele.

Quinze anos depois, em 1948, estava eu no Haiti, onde acompanhado por um milionário venezuelano, tinha vindo fazer com o proprietário de um cassino um contrato para explorar o jogo. Uma noite, quando saí de um cabaré, onde bebemos champanha, uma das mulheres que nos acompanha, preta como carvão, mas educada como uma provinciana de boa família francesa, me diz:

– Minha avó, que é mãe-de-santo, vive com um velho francês. É um evadido de Caiena, há vinte anos que está com ela, bebe o tempo todo, chama-se Jules Marteau.

Fico imediatamente bom da bebida;

– Garota, me leve logo, logo para a casa de sua avó.

Em dialeto haitiano, ela fala ao chofer, que toca a toda velocidade. Passamos por um bar noturno brilhante de luzes: “Pare”. Entro no bar e compro uma garrafa de Pernod, duas garrafas de champanha, duas garrafas de rum nacional. “Toca.” Chegamos à beira do mar, diante de uma encantadora casinha branca com telhas vermelhas. A água do mar chega quase à escada. A mulher bate, bate, e sai primeiro uma preta corpulenta, os cabelos branquinhos. Está vestida com uma camisola, que vem até os tornozelos. As duas mulheres falam em dialeto, ela me diz:

– Entre, senhor, esta casa é sua.

Uma lâmpada de carbureto ilumina uma sala muito limpa, cheia de pássaros e peixes.

– O senhor quer ver o Julot? Espere, ele vem aí. Jules, Jules! Tem alguém que quer ver você.

Vestindo um pijama listrado de azul, que me faz lembrar a roupa do degredo, chega um velho descalço.

– E então, Bola de Neve, quem é que vem me ver numa hora dessas? Papillon! Não é possível!

Pega-me os braços e continua falando.

– Chega para cá a lâmpada, Bola de Neve, para que eu veja a cara de meu chapa. Mas é você mesmo, homem! É você, sem dúvida! Então, seja bem-vindo. O barraco, o pouco dinheiro que tenho, a neta de minha mulher, tudo é seu. É só falar.

Bebemos o Pernod, o champanha, o rum e, de vez em quando, Julot canta.

– A gente conseguiu, apesar de tudo, hein, meu chapa? Está vendo, nada como a aventura. Passei pela Colômbia, Panamá, Costa Rica, Jamaica e depois, faz quase vinte anos, vim parar aqui e sou feliz com Bola de Neve, que é a melhor mulher que um homem pode encontrar. Quando vai embora? Demora aqui muito tempo?

– Não, uma semana.

– Que veio fazer?

– Explorar o jogo do cassino, assinei um contrato diretamente com o proprietário.

– Meu chapa, gostaria que você ficasse toda a vida junto comigo, nesta terra miserável de carvoeiros, mas se você fez contrato com o proprietário não deve ficar vivendo perto dele, o cara mandará assassinar você, quando souber que o seu business vai bem.

– Obrigado pelo conselho.

– Você, Bola de Neve, prepare a festa de candomblé não para turista. Um candomblé de verdade para o meu amigo!

Em outra ocasião, contarei para vocês o que foi este famoso candomblé “não para turista”.

Portanto, Julot se evadiu e eu, Dega e Fernández continuamos na expectativa. De tempos em tempos, olho, como quem não quer nada, as grades das janelas. São verdadeiros trilhos de estrada de ferro, não dá pé. Resta, agora, a porta. Dia e noite, três vigilantes armados estão ali de guarda. Depois da evasão de Julot, a vigilância se acentuou. As rondas se sucedem mais próximas umas das outras, o médico é menos amável. Chata! só vem duas vezes por dia à sala, para as injeções e para tirar a temperatura. Passa uma segunda semana, pago, mais uma vez, 200 francos. Dega fala de tudo, menos de evasão. Ontem viu meu bisturi e me disse:

– Continua com isso? Por quê?

Respondi, de mau humor:

– Para defender minha pele e a sua, se for necessário.

Fernández não é espanhol, é argentino. É homem mesmo, um verdadeiro aventureiro, mas também ficou impressionado pela conversa mole do velho Carora. Um dia ouço ele dizer a Dega:

– Parece que nas ilhas é muito sadio, não é como aqui e não faz calor. Nesta sala, a gente pode apanhar ameba, é só ir à privada para pegar os micróbios.

Todos os dias, um ou dois homens, nesta sala de setenta, morrem de disenteria. Coisa curiosa a notar, todos morrem na maré vazante da tarde ou da noite. Nunca ninguém morre de manhã. Por quê? Mistério da natureza.

Nesta noite, tive uma discussão com Dega. Eu lhe disse que, às vezes, de noite, o guarda-chaves árabe comete a imprudência de entrar na sala e de levantar os lençóis dos doentes mais graves, que têm o rosto coberto. A gente poderia dar uma pancada nele e se vestir com sua roupa (estamos todos só de camisa e sandália). Uma vez vestido, saio e arranco de surpresa um mosquetão de um dos guardas, aponto para os outros e os faço entrar na cela, cuja porta fecho. A seguir, a gente salta o muro do hospital do lado do Maroni, cai na água e deixa que a corrente nos carregue, à deriva. Depois, veremos. Como a gente tem dinheiro, compra um barco e comida para partir pelo mar. Ambos recusam categoricamente este projeto e até o criticam. Sinto, então, que eles estão de crista caída, fico muito decepcionado e os dias passam.