Já há três semanas menos dois dias que a gente está aqui. Só restam de dez a quinze dias, no máximo, para tentar a fuga. Hoje, dia memorável, 21 de novembro de 1933, entra na sala Joanes Clousiot, o homem que tentaram assassinar em Saint-Martin, no barbeiro. Tem as vistas fechadas e está quase cego, os olhos cheios de pus. Depois que Chatal se retira, vou para perto dele. Rapidamente, ele me diz que os outros internados partiram para as ilhas há mais de quinze dias, porém que se esqueceram dele. Há três dias, um administrador o avisou. Ele botou um grão de mamona nos olhos e, com os olhos purulentos, pode vir para o hospital. Está seco para cair fora. Diz que está pronto para tudo, mesmo para matar, se for preciso, mas quer fugir. Tem 3 000 francos. Os olhos são lavados com água quente e logo ele pode ver melhor. Eu lhe explico meu plano para a evasão, ele acha bom, mas diz que, para surpreender os vigilantes, é preciso sair em dois, se possível em três. A gente poderia desmontar as pernas da cama e, cada um com uma perna de ferro na mão, cair em cima dos guardas. Na sua opinião, mesmo que tenhamos um mosquetão na mão, eles não acreditarão que vamos atirar e podem chamar os guardas de serviço no outro pavilhão, de onde Julot escapou e que fica a menos de 20 metros.
3 PRIMEIRA EVASÃO
Hoje à noite discuti com Dega e Fernández. Dega diz que não confia no plano, que paga um bom dinheiro, se for preciso, para sair da cadeia. Pede para eu escrever a Sierra a respeito dessa possibilidade. No mesmo dia, Chatal traz o bilhete e a resposta: “Não pague nada a ninguém para sair. São ordens que vêm da França, e ninguém, nem o diretor da penitenciária, pode nos soltar. Se vocês estão desesperados no hospital, tentem sair um dia depois que o navio chamado Mana zarpar para as ilhas”.
Vamos ficar oito dias nas celas, antes de ir para as ilhas, e talvez para fugir seja melhor do que da enfermaria onde nos colocaram, no hospital. No mesmo bilhete, Sierra diz ainda que, se eu concordar, vai mandar um condenado liberto falar comigo, para deixar o barco atrás do hospital. É um sujeito de Toulon, de nome Jesus; foi ele quem preparou a fuga do Dr. Bougrat dois anos atrás. Para encontrá-lo tenho que tirar uma radiografia num pavilhão que tem equipamento especial. O pavilhão fica dentro do recinto do hospital, mas os condenados em liberdade podem ser admitidos com uma autorização falsificada, para tirar uma radiografia. Ele diz para eu tirar o canudo antes de ir para a radiografia, porque o médico pode vê-la, se olhar mais abaixo do pulmão. Mando um recado a Sierra, pedindo para mandar Jesus à radiografia e combinar com Chatal para eu ser mandado lá também. Na mesma noite, Sierra avisa que vai ser depois de amanhã, às 9 horas.
No dia seguinte, Dega pede alta e Fernández também. O Mana zarpou de manhã. Pretendem fugir das celas do presídio, desejo-lhes boa sorte, eu não mudo meus planos.
Encontrei Jesus. É um velho condenado liberto, seco como um bacalhau, rosto moreno, marcado por duas horríveis cicatrizes. Tem um olho que fica lacrimejando o tempo todo, quando olha a gente. Cara feia, olhar perigoso. Não me inspira a menor confiança, o futuro vai provar que eu tenho razão. Entramos logo no assunto:
– Posso arranjar um barco para quatro homens, no máximo cinco. Um tonel de água, comida, café e fumo; três remos, uns sacos vazios, agulha e linha para você mesmo fazer a vela e o cutelo, a vela menor; uma bússola, um machado, uma faca, 5 litros de tafiá (rum da Guiana), tudo por 2 500 francos. A lua some daqui a três dias. Se você aceitar, daqui a quatro dias vou ficar esperando no barco todas as noites, das 11 às 3 da manhã, durante oito dias. No primeiro quarto de lua não vou esperar mais. O barco estará exatamente no canto do muro, atrás do hospital. Vá andando pelo muro, porque enquanto você não estiver em cima do bote não vai conseguir enxergá-lo, nem a 2 metros.
Não confio nele, mas aceito assim mesmo.
– E a gaita? – pergunta Jesus.
– Mando por Sierra.
Despedimo-nos sem apertar as mãos. Nada elegante.
Às 3, Chatal vai até o presídio levar o dinheiro para Sierra, 2 500 francos. Penso comigo: “Jogo esse dinheiro por Galgani, porque é arriscado. Espero que ele não beba essas 2 500 pratas!”
Clousiot está radiante, cheio de confiança em si, em mim e no nosso plano. Só uma coisa o preocupa: quase todas as noites, o carcereiro árabe volta para a enfermaria e, além disso, não muito tarde. Outro problema: quem mais, poderíamos escolher para fazer a proposta? Há um corso do baixo mundo de Nice, chamado Biaggi. Está na colônia desde 1929, encontra-se de prisão preventiva na enfermaria, sob forte vigilância, porque matou um sujeito. Clousiot e eu discutimos se vamos falar com ele e quando. Enquanto conversamos em voz baixa, aproxima-se um rapazinho de uns dezoito anos, bonito como uma mulher. Chama-se Maturette e foi condenado à morte pelo assassinato de um chofer de táxi e mais tarde agraciado por causa da sua idade: dezessete anos. Eram dois rapazes os acusados, de dezesseis e dezessete anos; no tribunal, em vez de se acusarem reciprocamente, esses dois garotos declararam-se ambos autores do crime. O chofer foi morto por um único tiro. Por essa atitude, na época do cesso, os meninos ganharam a simpatia de todos os condenados.
Maturette, completamente efeminado, aproxima-se e pede um fósforo com uma voz de mulher. Acendo seu cigarro e dou-lhe ainda, de presente, quatro cigarros e uma caixa de fósforos. Agradece com um sorriso insinuante, deixamos que se afaste. De repente, Clousiot diz:
– Papi, estamos salvos. O árabe vai voltar quando a gente quiser e à hora que a gente quiser, está no papo.
– Como?
– É muito simples: pedimos a Maturette que se deixe seduzir por ele Você sabe, os árabes adoram os rapazinhos. Daí a entrar de noite para visitar o menino, é um pulo. Maturette vai fazer onda, dizendo que tem medo de ser visto, e o árabe entrará à hora que for melhor para a gente.
– Deixe comigo.
Vou até Maturette, ele me recebe com um sorriso convidativo. Pensa que me conquistou com o seu primeiro sorriso insinuante. Vou logo dizendo:
– Está enganado, vá até as latrinas.
Chegando lá, começo:
– Se falar uma palavra do que vou dizer, você é um homem morto. Está disposto a fazer isso, isso e isso para ganhar uns cobres? Quanto? Prefere fazer o serviço ou quer ir com a gente?
– Quero ir com vocês, está certo?
Prometido. Apertamos as mãos.
Ele vai deitar-se e, depois de trocar algumas palavras com Clousiot, eu também me deito. De noite, lá pelas 8 horas, Maturette senta na janela. Nem precisa chamar o árabe, ele vem sozinho e começam a conversar em voz baixa. Às 10, Maturette se deita. Nós estamos deitados desde as 9 horas, com um olho aberto. O árabe entra na enfermaria, dá duas voltas, encontra um homem morto. Bate na porta e pouco depois entram dois padioleiros com uma maca e levam o morto. Esse morto vai servir para justificar as rondas do árabe a qualquer hora da noite. No dia seguinte, por sugestão nossa, Maturette marca encontro com ele às 11 da noite. O carcereiro chega na hora, passa pela cama do menino, puxa-o pelos pés para acordá-lo, depois dirige-se para as latrinas. Maturette segue-o. Quinze minutos depois aparece o carcereiro, que vai direto para a porta e sai. Imediatamente, Maturette vai deitar-se na sua cama, sem falar com a gente. Na noite seguinte, é a mesma coisa, desta vez à meia-noite. Tudo está dando certo, o árabe vem à hora que o menino indica.
Dia 27 de novembro de 1933. Dois pés da cama vão ser arrancados para servir de arma. Às 4 da tarde, espero um aviso de Sierra. Chata!, o enfermeiro, chega sem bilhete. Ele diz apenas:
– François Sierra falou para avisar que Jesus vai esperar no lugar que foi previamente combinado. Boa sorte.