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– Agora – diz Maturette – estamos descendo a mais de 40 por hora. Há quanto tempo você acha que a gente saiu?

– Vou-lhe dizer – diz Clousiot. – Espere um pouco: três horas e quinze minutos.

– Está louco? Como é que você sabe?

– Depois da saída contei trezentos segundos e a cada vez cortei um pedaço de papelão. Tenho 39 pedaços. A cinco minutos cada um são a três horas e um quarto que estamos descendo. Se não estiver enganado, daqui quinze a vinte minutos não vamos mais descer, vamos voltar para onde viemos.

Puxo o leme à direita, para pegar o rio em diagonal, e me aproximar da margem, do lado da Guiana Holandesa. Antes de a gente chocar com a vegetação, a correnteza pára. Não descemos mais, nem subimos. Chove sempre. Não fumamos mais, não falamos mais, murmuramos: “Pegue o remo e puxe para cima”. Eu mesmo remo, prendendo o leme embaixo da minha coxa direita. Suavemente encostamos na vegetação, puxamos os galhos e nos abrigamos debaixo deles. Estamos sob a sombra formada pela vegetação. O rio está cinzento, cheio de neblina. Seria impossível dizer, sem se basear no fluxo e refluxo, onde está o mar e onde está o rio.

A GRANDE PARTIDA

A maré montante vai durar seis horas. Além delas, durante mais uma hora e meia temos que esperar o refluxo. Posso dormir sete horas, portanto, apesar de estar excitadíssimo. Preciso dormir, porque, depois de entrarmos no mar, quando vou poder? Estico-me entre o tonel e o mastro, Maturette coloca uma coberta como abrigo entre o banco e o tonel; bem protegido, durmo, durmo. Absolutamente nada vem perturbar meu sono de chumbo, nem sonhos, nem chuva, nem má posição. Durmo, durmo, até o momento em que Maturette me acorda:

– Papi, achamos que está na hora, ou quase. O refluxo começou faz tempo.

O barco está seguindo para o mar e a correnteza embaixo dos meus pés corre depressa, depressa. Não chove mais, um quarto de lua permite enxergar claramente o rio 100 metros adiante, que arrasta capim, árvores, formas negras. Procuro ver a divisão entre o rio e o mar. Onde nós estamos não tem vento. Será que tem no meio do rio? É forte? Saímos de baixo dos arbustos, o barco sempre preso a uma raiz grande com um nó corredio. É olhando para o céu que descubro a costa, o fim do rio, o começo do mar. Descemos muito mais do que pensávamos e tenho a impressão de que não estamos a 10 quilômetros da embocadura. Tomamos um bom gole de rum. Pergunto: “Colocamos o mastro agora?” Colocamos. Endireitamos o mastro e ele fica bem encaixado no seu soquete, no buraco do banco. Iço a vela sem soltá-la, ela fica enrolada em volta do mastro. O traquete e o cutelo vão ser imediatamente içados por Maturette quando eu achar necessário. Para fazer funcionar a vela, basta soltar a corda que a mantém colada ao mastro; e eu, do meu lugar farei a manobra. Na frente, Maturette com um remo, eu atrás com outro. A gente precisa se afastar com um impulso muito forte e muito rápido da margem para onde a correnteza nos empurra.

– Atenção. Para a frente, com a graça de Deus!

– Com a graça de Deus – repete Clousiot.

– Em tuas mãos eu me entrego – diz Maturette.

E arrancamos. Ao mesmo tempo, puxamos a água com os remos; eu afundo bastante e puxo, Maturette também. Afastamo-nos facilmente. Não estamos nem 20 metros da margem e já descemos 100 com a correnteza. De repente, o vento se faz sentir e nos carrega para o meio do rio.

– Ice o traquete e o cutelo, bem amarrados os dois!

O vento os enche, o barco empina como um cavalo e voa como uma flecha. Deve ser mais tarde que a hora combinada porque, de uma hora para outra, o rio se ilumina como em pleno dia. Distinguem-se facilmente, a uns 2 quilômetros, a costa francesa à nossa direita, e a 1 quilômetro, à esquerda, a costa holandesa. Na nossa frente, bem visíveis, os carneiros brancos da crista das ondas.

– Diabo! Erramos a hora – diz Clousiot. – Você acha que vai dar tempo de a gente sair?

– Não sei.

– Olhe como as ondas do mar são altas e as cristas brancas! Será que o refluxo já começou?

– Impossível, vejo coisas descendo.

Maturette diz:

– Não vamos conseguir sair, não vamos chegar a tempo.

– Cale a boca e fique sentado do lado das cordas do cutelo e do traquete. Você também, Clousiot, cala a boca!

Pan-inh… Pan-inh… Tiros de carabina são disparados contra a gente. O segundo, localizei claramente. Não são dos guardas, vêm da Guiana Holandesa. Iço a vela, que incha com tanta força, que por pouco não me arrasta, puxando-me pelo pulso. O barco está inclinado a mais de 45 graus. Pego vento o mais possível, não é difícil, tem vento demais. Pan-inh, pan-inh, pan-inh, depois mais nada. Somos carregados mais para o lado francês que para o holandês, certamente por isso que os tiros pararam.

Navegamos a uma velocidade vertiginosa, com um vento desenfreado. Vamos tão depressa, que me vejo lançado no meio do estuário, de tal forma que em poucos minutos vou tocar a margem francesa. Enxergam-se claramente uns homens correndo em direção à margem. Viro suavemente de bordo, o mais suavemente possível, puxando com todas as minhas forças a corda da vela. Ela está reta à minha frente, o cutelo mudou sozinho de bordo e o traquete também. O barco vira de três quartos, solto a vela e saímos do estuário com todo o vento por trás. Ufa! aí está! Dez minutos depois, a primeira onda do mar tenta barrar-nos a passagem; passamos facilmente por cima dela e o chua-chuá que o barco fazia no rio transforma-se em tac-i-tac-i-tac. Atravessamos mesmo ondas altas com a facilidade de um garoto que pula barreira. Tac-i-tac, o barco sobe e desce as ondas sem vibrar nem sacudir. Só o tac do casco, que bate no mar, caindo da onda.

– Hurra! Hurra! Saímos – grita Clousiot a plenos pulmões.

E, para iluminar a vitória da nossa energia sobre os elementos, o bom Deus nos manda um nascer do sol deslumbrante. As ondas se sucedem, todas com o mesmo ritmo. Diminuem de altura à medida que penetramos no mar. A água é suja, lamacenta. Na frente, ao norte, ela está negra, mais tarde vai ficar azul. Não preciso olhar minha bússola: com o sol no meu ombro direito, sigo reto, com todo o vento, mas o barco menos inclinado, porque deixei a corda da vela correr e ela se enfunou pela metade, sem ficar completamente estendida. Começamos a grande aventura.

Clousiot se levanta. Quer pôr a cabeça e o corpo para fora, a fim de ver melhor. Maturette vai ajudá-lo a se ajeitar, coloca-o sentado na minha frente, as costas apoiadas no tonel; faz um cigarro para mim, acende-o, passa-o e fumamos os três.

– Passe para cá a garrafa, para comemorarmos a partida – diz Clousiot.

Maturette põe um bom gole em três canecas de lata e bebemos. Maturette está sentado ao meu lado, à minha esquerda. Nós nos olhamos: seus rostos estão iluminados de felicidade, o meu deve estar também. Então, Clousiot diz:

– Capitão, aonde o senhor vai, por favor?

– Para a Colômbia, se Deus quiser.

– Deus vai querer, que diabo! – diz Clousiot.

O sol vai subindo rapidamente e não demora a nos secar. A camisa do hospital se transforma num capuz à maneira árabe. Molhada, ela refresca a cabeça e evita que soframos uma insolação. O mar está de um azul cor de opala, as ondas são de 3 metros e muito longas, o que ajuda a viajar confortavelmente. O vento se mantém forte e nos afasta depressa da costa, que, de vez em quando, vejo, esboçada no horizonte. Essa massa verde, quanto mais nos afastamos, mais nos revela os segredos de seu rendilhado. Viro-me para olhar atrás de mim, mas uma onda mal cortada chama-me à obrigação e também à responsabilidade de resguardar a vida dos meus companheiros e a minha.