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– Você aprendeu tudo isso na marinha? – pergunta Maturette.

– Aprendi, você vê como servem para alguma coisa as lições da marinha de guerra?

Fomos bastante à deriva. Com um vento e umas ondas como aquelas, quanto a gente não deve ter ido à deriva em quatro horas? Vou dirigir para noroeste e corrigir isso. A noite cai de repente, depois que o sol desaparece no mar, enviando as últimas faíscas, agora de cor violeta, como fogo de artifício.

Durante seis dias. ainda, navegamos sem incidentes, a não ser algumas chuvas fortes que nunca ultrapassam três horas de duração, nem têm a eternidade da primeira tempestade. São 10 horas da manhã. Nenhum sinal de vento, uma calmaria total. Durmo umas quatro horas. Quando acordo, meus lábios ardem. Não têm mais pele, e nem meu nariz. Minha mão direita também está sem pele, em carne viva. Com Maturette se passa a mesma coisa, e também Clousiot. Passamos óleo duas vezes por dia no rosto e nas mãos, mas não basta: o sol dos trópicos o seca logo.

Devem ser 2 horas da tarde, de acordo com o sol. Comemos e depois, como está tudo calmo, tratamos de fazer um pouco de sombra com a vela. Alguns peixes acompanham o barco à direita, onde Maturette lavou a louça. Pego o facão e digo a Maturette para jogar uns grãos de arroz que, depois de molhados, já começam a fermentar. Os peixes se juntam onde cai o arroz, à tona da água, e, como um deles tem quase toda a cabeça fora, dou-lhe uma bela facada; na mesma hora, ele fica de barriga para cima. É um peixe de uns 10 quilos. Limpamos o bruto e cozinhamos em água e sal. Comemo-lo de noite, com a farinha de mandioca.

Há onze dias que estamos no mar. Vimos só um navio, nesse tempo todo, muito longe no horizonte. Começo a me perguntar: onde estamos, que diabo? Em alto-mar, certo, mas em que posição em relação a Trinidad ou a qualquer uma das ilhas inglesas? Quando se fala no diabo… De fato, à frente e em nossa direção surge um ponto preto que vai aumentando pouco a pouco. Será um navio ou uma chalupa de alto-mar? Mas há um engano: não vem em nossa direção. Agora, de lado, distingue-se bem: é um navio. Aproxima-se, é verdade, mas em diagonal, sua rota não vai levá-lo até nós. Como há vento, nossas velas pendem lamentavelmente, o navio certamente não nos viu. De repente, o apito de uma sereia, depois três tiros, em seguida ele muda de rota e vem direto sobre a gente.

– Espero que não se aproxime demais – diz Clousiot.

– Não há perigo, o mar está uma pintura.

É um petroleiro. Quanto mais ele se aproxima, melhor distinguimos as pessoas na ponte. É claro que eles se devem perguntar o que essas pessoas fazem nessa casquinha de noz aqui, em alto-mar. Suavemente, ele se aproxima de nós, distinguem-se bem agora os oficiais de bordo e outros homens da tripulação, inclusive o cozinheiro; depois vemos chegarem na ponte mulheres com vestidos de cores vivas e homens com camisas coloridas. Percebe-se que são passageiros. Passageiros num petroleiro parece coisa pouco comum. Mansamente, o petroleiro se aproxima e o capitão fala em inglês com a gente:

– Where are you coming from?

– French Guyane.

– Falam francês? – diz uma mulher.

– Sim, senhora.

– O que fazem em alto-mar?

– Vamos aonde Deus nos levar.

A dama fala com o capitão e diz:

– O capitão pede para subirem a bordo, vai içar a barca.

– Diga-lhe que agradecemos mas estamos muito bem na nossa barca.

– Por que não querem ajuda?

– Porque somos foragidos e não vamos na sua direção.

– Aonde é que vocês vão?

– Para a Martinica. Para além da Martinica, aliás. Onde estamos?

– Em alto-mar.

– Qual é a rota para chegar às Antilhas?

– Sabe ler um mapa marítimo com legendas em inglês?

– Sei.

Pouco depois, descem por uma corda um mapa inglês, pacotes de cigarros, pão, um pernil assado.

– Olhe o mapa!

Olho e digo:

– Preciso fazer oeste, um quarto sul, para encontrar as Antilhas inglesas, é isso?

– Sim.

– Quantas milhas aproximadamente?

– Em dois dias, vocês estarão lá – diz o capitão.

– Até logo, obrigado a todos!

– O comandante do navio cumprimenta-os por sua coragem de marinheiros!

– Obrigado, adeus!

E o petroleiro vai embora suavemente, quase raspando na gente. Eu me afasto depressa, com medo dos redemoinhos das hélices; nesse momento, um marinheiro joga para mim um boné de marinheiro. Cai no meio do barco e com esse boné (com um galão dourado e uma âncora) na cabeça, dois dias depois, sem incidentes, chegamos a Trinidad.

TRINIDAD

Os pássaros, muito antes que os víssemos, nos anunciaram a terra. São 7 horas e meia da manhã quando eles vêm dar voltas em torno da gente. “Chegamos, chefe! Chegamos! Conseguimos a primeira parte da fuga, a mais difícil. Viva a liberdade!” Cada um de nós exterioriza sua alegria com exclamações infantis. Nosso rosto está coberto de manteiga de cacau que o navio encontrado nos deu de presente, para aliviar as queimaduras. Lá pelas 9 horas vemos terra. Um vento fresco e suave leva a gente a uma boa velocidade, sobre um mar pouco agitado. Somente por volta das 4 horas da tarde é que percebemos os detalhes de uma ilha comprida, cercada por pequenos grupos de casas brancas e com o cume coberto de coqueiros. Ainda não se consegue distinguir se é mesmo uma ilha ou a ponta de uma península, nem saber se as casas são habitadas. Foi necessária mais uma hora ainda, para distinguirmos as pessoas que correm para a praia aonde estamos chegando. Em menos de vinte minutos, uma multidão colorida está reunida. Essa pequena aldeia veio receber-nos à beira do mar. Mais tarde ficamos sabendo que a ilha se chama San Fernando.

A 300 metros da costa jogo a âncora, que se fixa imediatamente. Faço isso porque quero ver a reação dessas pessoas e também para não arrebentar o meu barco quando encostar, se o fundo for de coral. Recolhemos as velas e esperamos. Uma pequena canoa vem em nossa direção. A bordo, dois negros que remam e um branco com um capacete colonial.

– Bem-vindos a Trinidad – diz em francês castiço o branco. Os negros riem com todos os dentes.

– Obrigado, senhor, pelas suas boas palavras. O fundo da praia é de coral ou de areia?

– É de areia, pode chegar sem perigo até a praia.

Levantamos a âncora e as ondas nos empurram mansamente até a praia. Assim que tocamos, dez homens entram dentro da água e, com um puxão só, arrastam o barco para o terreno seco. Olham para a gente, tocam a gente com gestos acariciantes, as mulheres, pretas ou índias, ou chinesas, nos convidam com gestos. Todos querem levar-nos a casa deles, é o que explica em francês o branco. Maturette pega um punhado de areia e a leva até a boca, para beijá-la. É um delírio. O branco, com quem já falei do estado de Clousiot, faz que o transportem para sua casa, bem perto da praia. Diz que podemos deixar tudo até amanhã no barco, que ninguém vai mexer em nada. Todos me chamam de “captain”, dou risada com esse apelido. Todos me dizem: “Good captain, long ride on small boat!” (Bom capitão, viagem longa em barco pequeno!)

Desce a noite e, depois de pedir para empurrarem o barco pouco mais longe do mar e amarrá-lo a outro muito maior que está sobre a areia, sigo o inglês até a casa dele. É um bangalô como os que se costuma ver por toda parte, em terra inglesa; alguns degraus de madeira, uma porta com tela metálica. Entro atrás do inglês, Maturette me segue. Ao entrar, vejo Clousiot, sentado numa poltrona, com a perna ferida em cima de uma cadeira, se pavoneando entre uma senhora e uma jovem.

– Minha esposa e minha filha – diz o senhor. – Tenho um filho que está estudando na Inglaterra.

– Sejam bem-vindos a esta casa – diz a senhora em francês.