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Bowen, que tinha ido à procura do médico, volta com ele. Pergunta a Clousiot:

– Quem foi que reduziu a fratura, antes de entalar a perna?

– Fui eu mesmo e mais um camarada que não está aqui.

– Vocês trabalharam tão bem, que não é preciso quebrar novamente a perna. O perônio fraturado foi bem reajustado. Vamos simplesmente engessar e colocar um estribo, para que você possa andar um pouco. Prefere ficar aqui ou ir com seus companheiros?

– Prefiro ir com eles.

– Muito bem, amanhã cedo você poderá sair.

Agradecemos efusivamente. O Dr. Bowen e o médico se retiram e nós passamos o fim da manhã e parte da tarde com nosso amigo. Estamos jubilosos quando, no dia seguinte, nos encontramos os três reunidos em nosso quarto de hotel, a janela toda aberta e os ventiladores funcionando para refrescar o ar. Congratulamo-nos uns com os outros pela nossa cara saudável e pela boa aparência que nos dão as roupas novas. Quando vejo que a conversa volta para o passado, digo aos meus companheiros:

– Agora, vamos tentar ao máximo esquecer o passado. Vamos tratar do presente e do futuro. Para onde vamos? Colômbia? Panamá? Costa Rica? Precisamos consultar Bowen para saber quais os países onde temos alguma chance de ser admitidos.

Chamo Bowen em seu escritório, ele não está. Ligo para a casa dele, em San Fernando. É a sua filha quem atende. Depois de uma troca de palavras amáveis, ela me diz:

– Sr. Henri, perto do hotel, no Fish Market, há ônibus que vêm para San Fernando. Por que vocês não vêm passar a tarde em nossa casa? Podem vir, eu espero.

E lá vamos os três para San Fernando. Clousiot está magnífico em sua roupa meio militar, cor de tabaco.

A volta a essa casa que nos acolheu com tanta bondade nos deixa comovidos. Parece que essas mulheres compreendem nossa emoção, porque elas dizem ao mesmo tempo: “Vocês estão de volta à sua casa, caros amigos. Sentem-se e estejam à vontade”. E em vez de dizer “o senhor” cada vez que se dirigem a nós, elas nos chamam pelo nosso nome: “Henri, passe o açúcar; André (é o nome de Maturette), quer mais pudim?”

Senhora e senhorita Bowen, espero que Deus as terá recompensado por tanta bondade que tiveram para conosco e que suas belas almas, que nos prodigalizaram tão finas alegrias, tenham desfrutado pelo resto da vida uma felicidade inefável.

Discutimos com elas e estendemos um mapa sobre a mesa. As distâncias são grandes: 1 200 quilômetros para chegar a Santa Marta, porto colombiano mais próximo; 2 100 quilômetros para o Panamá; 2 500 para Costa Rica. Chega o Dr. Bowen:

– Telefonei a todos os consulados e tenho uma boa notícia: vocês podem fazer escala de alguns dias em Curaçau para descansar. A Colômbia não tem nada estabelecido a respeito dos evadidos. Pelo que sabe o cônsul, nunca um evadido chegou pelo mar à Colômbia. Ao Panamá e a outros lugares também não.

– Conheço um lugar seguro para vocês – diz Margaret, à filha do Dr. Bowen. Mas é bem longe, 3 00Q quilômetros pelo menos.

– Onde é? – pergunta o pai.

– Honduras britânica. O governador é meu padrinho.

Olho para os meus amigos e digo:

– Destino: Honduras britânica. É uma possessão inglesa limitada ao sul pela República de Honduras e ao norte pelo México.

Ajudados por Margaret e sua mãe, passamos a tarde toda a traçar o caminho. Primeira etapa: Trinidad – Curaçau, 1000 quilômetros. Segunda etapa: de Curaçau a uma ilha qualquer em nosso caminho. Terceira etapa: Honduras britânica.

Como nunca se sabe o que pode acontecer no mar, decidimos que, além dos víveres que nos dará a polícia, levaremos uma reserva de conservas: carnes, legumes, doces, peixe, etc. Margaret nos diz que o supermercado Salvattori nos dará com muito prazer essas conservas de presente. “Se eles não derem”, acrescenta simplesmente, “mamãe e eu compraremos para vocês.”‘

– Isso não, senhorita.

– Cale-se, Henri.

– Mas não, não é possível, pois nós temos dinheiro e não ficaria bem abusar da sua bondade quando podemos muito bem comprar nós mesmos essas provisões.

O barco está em Port-of-Spain, na água, sob um abrigo da marinha de guerra. Despedimo-nos, prometendo mais urna visita antes da nossa partida. Todas as noites, saímos religiosamente às 11 horas. Clousiot senta-se num banco da praça mais animada e um de nós dois – eu ou Maturette – lhe faz companhia, enquanto o outro perambula pela cidade. Já estamos aqui há dez dias. Clousiot anda sem muita dificuldade graças ao ferro fixado no gesso. Aprendemos a ir ao porto de bonde. Vamos lá muitas vezes à tarde e sempre à noite. Já somos conhecidos e fomos adotados em alguns bares do porto. Os policiais de guarda nos cumprimentam, toda a gente sabe quem nós somos e donde viemos, mas ninguém jamais toca em qualquer assunto que diga respeito ao nosso passado. Reparamos que os bares onde somos conhecidos nos fazem pagar menos que os marinheiros pelo que comemos ou bebemos. A mesma coisa com as mulheres. De costume, quando elas se sentam às mesas dos marinheiros, dos oficiais ou dos turistas, elas bebem sem parar e procuram fazê-los gastar o mais possível. Nos bares onde se dança, elas nunca dançam com alguém antes que lhes ofereçam vários copos. Mas, conosco, todas se comportam de modo diferente. Sentam-se bastante tempo e precisamos insistir para que tomem um drinque. Se elas aceitam, não é para tomar aquele famoso copo minúsculo, mas uma cerveja ou um verdadeiro whisky and soda. Tudo isso nos dá grande prazer, pois é um modo indireto de nos dizer que conhecem nossa situação e que estão conosco de coração.

O barco foi pintado de novo e acrescentaram uma borda de 10 centímetros de altura. A quilha foi reforçada. Nenhuma parte do cavername sofreu com a viagem, o barco está intato. O mastro foi trocado por outro mais alto, porém mais leve; a bujarrona e o traquete, feitos de sacos de farinha, por outras velas de bom pano cor de ocre. Na capitania, um capitão-de-mar-e-guerra me entregou uma bússola com rosa-dos-ventos (que eles chamam de compasso) e me explicou de que maneira, ajudado pelo mapa, posso saber aproximadamente a minha posição. A rota já está traçada, “oeste um quarto norte”, para chegar a Curaçau.

O capitão-de-mar-e-guerra me apresenta a um oficial de marinha, comandante do navio-escola Tarpon, que me pede o favor de sair para o mar lá pelas 8 horas da manhã seguinte e navegar um pouco fora do porto. Não compreendo por que, mas assim mesmo prometo fazer o que ele pede. No dia seguinte, estou na capitania na hora combinada, com Maturette. Um marinheiro sobe conosco e saímos do porto com bom vento. Duas horas depois, enquanto estamos bordejando para dentro e para fora do porto, chega um navio de guerra e se aproxima de nós. No convés, alinhados, estão os oficiais e os marinheiros, todos de branco. Passam perto e dão a volta em torno do nosso barco, gritando “Hurra!”, e abaixam duas vezes a bandeira. É uma saudação oficial, cujo significado não entendo. Voltamos para a capitania, onde o navio de guerra já está atracado. Também amarram nosso barco no cais. Um marinheiro nos faz sinal para segui-lo e subimos a bordo, onde o comandante nos recebe no alto da escada. Um apito modulado saúda nossa chegada e, após nos haver apresentado aos oficiais, ele nos faz passar diante dos alunos e dos suboficiais, alinhados em posição de sentido. O comandante pronuncia algumas palavras em inglês e, a seguir, ordena o “fora de forma”. Um jovem oficial me explica que o comandante acaba de dizer aos alunos quanto merecemos o respeito dos marinheiros por havermos feito, nessa pequena embarcação, uma viagem tão longa, e que íamos fazer outra ainda maior e mais perigosa. Agradecemos ao oficial por tanta honra. Ele nos presenteia com três capotes de oleado, que nos serão muito úteis mais tarde. São impermeáveis pretos, com um grosso fecho francês e o respectivo capuz.

Dois dias antes da partida, o Dr. Bowen nos procura para nos pedir, por parte do superintendente da polícia, que levemos conosco três degredados que chegaram aqui faz uma semana. Foram desembarcados na ilha e seus companheiros voltaram para a Venezuela, segundo dizem. Não estou gostando disso, mas fomos tratados com demasiada nobreza para podermos recusar receber esses três homens a bordo. Peço para falar com eles antes de dar minha resposta. Um carro da polícia vem me buscar. Sou levado para falar com o superintendente, o oficial cheio de galões que nos interrogou quando da nossa chegada. O sargento Willy serve de intérprete.