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– Dessa vez deve ser a terra: – diz o primeiro.

– Sim, com certeza.

Logo, todos nós percebemos que há realmente uma linha escura, que deve ser a terra. Durante o resto da noite fico com a minha proa dirigida para essa sombra, que aos poucos vai adquirindo contornos mais precisos. Estamos chegando. Empurrados por um forte vento sem névoa e por uma onda alta mas longa e calma, chegamos à terra com boa velocidade. A massa negra não é muito alta e nada indica se a costa é constituída de falésias, rochedos ou praias. A Lua, que está se deitando do outro lado dessa terra, projeta uma sombra que não me deixa ver nada, a não ser, na superfície da água, uma fileira luminosa, primeiro unida e depois fragmentada. Vou chegando para perto e, a cerca de 1 quilômetro, lanço a âncora. O vento é forte, o barco vira sobre si mesmo e enfrenta as ondas, que o pegam bem de frente a cada vez que passam. O balanço do barco é grande e, portanto, muito incômodo. Naturalmente, as velas estão abaixadas e dobradas. Poderíamos ter esperado até o nascer do dia nessa posição desagradável porém segura; mas por desgraça a âncora se afrouxa de repente. Preparamos a bujarrona s o traquete. É estranho, a âncora não dá sinal de si. Meus camaradas puxam o cabo, ele volta sem a âncora, ela está perdida. Apesar de todos os meus esforços, as ondas nos aproximam tão perigosamente dos rochedos que resolvo armar as velas e dirigir-me para a terra, voluntariamente, a toda força. A manobra é tão bem sucedida, que de repente nos encontramos encravados entre dois rochedos, o barco inteiramente desconjuntado. Ninguém grita “salve-se quem puder”, mas, quando chega a onda seguinte, lançamo-nos todos à água para chegar à terra, rolando, batendo, mas vivos. Somente Clousiot, com a perna engessada, sofreu mais que os outros. Está com o braço, o rosto e as mãos ensangüentados, cheio de arranhões. Os outros apenas sofreram algumas pancadas nos joelhos, nas mãos e nos tornozelos. Estou sangrando de uma orelha, que bateu fortemente contra uma rocha.

De qualquer maneira, estamos todos vivos, a salvo das ondas, na terra seca. Quando o dia nasce, recuperamos um oleado e volto para o barco, que começa a se desmanchar. Consigo arrancar a bússola, pregada no banco traseiro. Não há viva alma em toda a região. Olhamos para o lugar em que se encontravam aquelas luzes: é uma fileira de lâmpadas que, segundo soubemos mais tarde, serve para indicar aos pescadores que o lugar é perigoso. Caminhamos a pé para o interior da terra. Só se vêem cactos, enormes cactos e uma porção de burricos. Chegamos a um poço, muito cansados, pois, nos revezando, dois de cada vez, somos obrigados a fazer “cadeirinha” para carregar Clousiot. Em volta do poço, carcaças ressequidas de burros e de cabras. O poço está seco, as pás do moinho que o faziam funcionar giram à toa, sem puxar água. Não se avista uma pessoa viva, apenas burros e cabras.

Caminhamos até uma pequena casa, cujas portas abertas nos convidam a entrar. Gritamos: “Ó de casa!” Ninguém aparece. Sobre o fogão está uma bolsa de pano, fechada por um barbante. Passo a mão nela e abro o nó. Nisso, o barbante se rompe; a bolsa está cheia de florins, moeda holandesa. Estamos, portanto, em território holandês: Bonaire, Curaçau ou Aruba. Tornamos a colocar a bolsa no lugar sem tirar nada, encontramos uma talha de água e bebemos com uma concha. Ninguém na casa, ninguém nas vizinhanças. Recomeçamos a caminhar, muito lentamente por causa de Clousiot, quando um velho Ford surge em nosso caminho.

– Vocês são franceses?

– Sim, senhor.

– Podem subir no meu carro.

Instalamos Clousiot sobre os joelhos dos três, que se sentam atrás. Fico junto do motorista, Maturette ao meu lado.

– Vocês naufragaram?

– Sim.

– Alguém se afogou?

– Não.

– De onde vocês vêm?

– De Trinidad.

– E antes disso?

– Da Guiana Francesa.

– Sentenciados?

– Sentenciados.

– Eu sou o Dr. Naal, proprietário desta faixa de terra, uma península pegada a Curaçau. Esta península é chamada Ilha dos Burros. Os burros e as cabras vivem aqui comendo cactos espinhosos. Esses espinhos são chamados pelo povo “as senhoritas de Curaçau”. Para mim, isso não é muito gentil para as verdadeiras senhoritas de Curaçau.

O doutor, grande e gordo, ri ruidosamente. O Ford, sem fôlego, chiando como um asmático, pára por si mesmo. Mostrando então alguns burros, digo:

– Se o carro não quer andar, pode facilmente ser rebocado.

– Tenho uma espécie de arreio no porta-mala, mas o problema é pegar dois burros e arreá-los. Não é nada fácil!

O gordo motorista levanta a capota e logo verifica que um solavanco mais forte desligou um fio que vai para as velas. Antes de tornar a subir no carro, olha para todos os lados, com ar inquieto. Partimos novamente e, após haver passado por caminhos desbarrancados, chegamos a uma barreira branca, que interrompe a passagem. Ao lado se ergue uma casinha branca. Nosso condutor conversa em holandês com um mulato bem vestido, que diz, a todo instante: “Ya master, ya master”. Em seguida, ele nos diz:

– Dei ordem a esse homem para que lhes faça companhia e lhes dê água para beber, se estiverem com sede, até que eu volte. Podem descer do carro.

Descemos e nos sentamos ao lado do carro, sobre o capim e na sombra. O Ford asmático vai embora. Está a 50 metros, quando o mulato nos diz, em papiamento - dialeto holandês das Antilhas, mistura de palavras inglesas, holandesas, francesas, espanholas e portuguesas -, que seu patrão, o Dr. Naal, foi buscar a polícia, porque está com muito medo de nós é que lhe disse para tomar cuidado, porque somos ladrões foragidos. E o coitado do mulato não sabe o que fazer para nos agradar. Prepara um café muito ralo, mas que nos faz bem, com esse calor. Esperamos mais de uma hora, até que chega uma camioneta, espécie de carro de presos, com seis policiais vestidos à moda alemã, mais um carro conversível com motorista de uniforme policial e três senhores sentados no banco de trás, sendo um deles o Dr. Naal.

Descem todos e um deles, o menor, com uma cara de padre, muito escanhoada, nos diz:

– Sou o chefe de segurança da ilha de Curaçau. Pela minha própria obrigação, vejo-me constrangido a prendê-los. Vocês cometeram algum delito depois da sua chegada à ilha? Qual delito? E qual de vocês?

– Meu senhor, nós somos sentenciados evadidos. Viemos de Trinidad e faz poucas horas que o nosso barco se arrebentou contra os rochedos da ilha. Sou o chefe deste pequeno grupo e posso afirmar que nenhum de nós cometeu o menor delito.

O comissário vira-se para o Dr. Naal e lhe fala em holandês.

Enquanto discutem, chega um sujeito de bicicleta. Fala alto e depressa, dirigindo-se tanto ao Dr. Naal quanto ao comissário.

– Sr. Naal, por que disse a esse senhor que nós éramos ladrões?

– Por que este homem que chegou agora me avisou, antes que eu me encontrasse com vocês, que, escondido atrás de um cacto, ele os vira entrar e sair da sua casa. Este homem é um empregado meu que trata de uma parte dos burros.

– Então, só porque entramos na casa, somos ladrões? O senhor está dizendo uma bobagem, nós só bebemos água. Acha que isso é roubo?

– E a bolsa de florins?

– A bolsa eu abri, é verdade, e até quebrei o cordão. Mas não fiz nada senão espiar que espécie de dinheiro era, para saber em que país tínhamos chegado. Tornei a colocar escrupulosamente o dinheiro e a bolsa onde eles estavam, sobre a beirada do fogão.