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– Talvez.

– Ladrões ou assassinos?

– Homicidas.

– Matadores. Então vocês são matadores. Onde estão os três outros?

– Ficaram em Curaçau.

– Você está mentindo mais uma vez. Desembarcaram a 60 quilômetros daqui, num lugar chamado Castillette. Já foram presos, felizmente, e estarão aqui dentro de poucas horas. Vocês roubaram aquele barco?

– Não, foi dado de presente pelo bispo de Curaçau.

– Bem. Vocês vão ficar presos aqui até que o governo decida o que fazer com vocês. Pelo delito de ter feito desembarcar três dos seus cúmplices em território colombiano, procurando em seguida voltar ao mar, condeno você, o capitão do navio, a três meses de prisão, e a um mês os dois outros. Comportem-se bem, se não quiserem ser castigados fisicamente pelos guardas, que são homens muito duros. Têm algo a dizer?

– Não. Apenas quero recolher as roupas e os víveres que ficaram a bordo da embarcação.

– Tudo isso foi confiscado pela alfândega, menos uma calça, uma camisa, um paletó e um par de sapatos para cada um de vocês. O resto é confiscado e não adianta insistir: não há nada a fazer, é a lei.

Voltamos para o pátio. O juiz é cercado pelos desgraçados prisioneiros do país: “Doutor, doutor!” Ele passa no meio deles, cheio de importância, sem responder e sem parar. Sai da prisão com a comitiva e desaparece.

À 1 hora chegam os três outros nossos companheiros, num caminhão com sete ou oito homens armados. Descem cabisbaixos, com as suas maletas. Entramos com eles na sala.

– Que bruta besteira fizemos, prejudicando também vocês. Não merecemos perdão, Papi – diz o bretão. – Se você quiser nos matar, pode agir, eu nem me defendo. Nós não somos homens, somos uns putos. Fizemos isso porque tínhamos medo do mar; pois bem, pelo que vi da Colômbia e dos colombianos, o perigo do mar é café pequeno, comparado com o perigo de estar nas mãos desses caras. Foi por causa da falta de vento que vocês se estreparam?

– Sim, bretão. Não tenho que matar ninguém, todos nós erramos. Eu não devia ter deixado vocês descerem, e nada teria acontecido.

– Você é muito bom, Papi.

– Não, sou apenas justo – digo, e conto para eles o interrogatório. – Enfim, talvez o governador nos ponha em liberdade.

– Pois sim… Como diz o provérbio: esperemos, a esperança faz viver.

A meu ver, as autoridades deste fim de mundo semibárbaro não podem tomar nenhuma decisão a nosso respeito. Somente as altas autoridades poderão resolver se podemos ficar na Colômbia, se vamos voltar à França, ou vamos ser recolocados em nosso barco, para prosseguir a viagem. Seria o diabo se essa gente, à qual não causamos nenhum prejuízo, adotasse a decisão pior, pois, afinal de contas, não cometemos nenhum delito na terra deles.

Faz uma semana que estamos aqui. Não houve qualquer mudança, a não ser que estão falando agora de nos transferir com uma boa escolta para uma cidade mais importante, Santa Marta, a 200 quilômetros daqui. Esses policiais com cara de bucaneiros ou de corsários não melhoraram de atitude. Ontem, quase levei um tiro de fuzil de um deles, porque lhe reclamei a restituição do meu sabão no tanque. Continuamos nesta sala podre, cheia de mosquitos, agora um pouco mais limpa graças a Maturette e ao bretão, que a lavam todos os dias. Começo a ficar desesperado, perco a confiança. Essa raça de colombianos, mistura de índios e de pretos, esses mestiços de índios e de espanhóis que foram no passado os donos do país não me inspiram confiança. Um preso colombiano nos emprestou um velho jornal de Santa Marta. Na primeira página estão os nossos seis retratos e, embaixo, a cara do comandante da polícia, com seu enorme chapéu de feltro, de charuto na boca, acompanhado de uns dez policiais, empunhando seus paus-furados. Percebo que a captura foi romanceada e valorizado o papel desempenhado por eles. Parece que toda a Colômbia foi salva de um terrível perigo, graças à nossa detenção. Contudo, o retrato dos bandidos é muito mais simpático que o dos policiais. Os bandidos têm até cara de gente honesta, enquanto os policiais, Deus que me perdoe!, começando pelo comandante, é só dar uma olhada e estamos conversados! Que fazer? Já sei algumas palavras de espanhoclass="underline" dar o fora, fugarse; prisioneiro, preso; matar, matar; corrente, cadena; algemas, esposas; homem, hombre; mulher, mujer.

FUGA DE RIO HACHA

Há um cara no pátio que está constantemente algemado e com o qual fiz amizade. Fumamos o mesmo charuto comprido e fino, muito forte, mas enfim fumamos. Compreendi que é contrabandista e operava entre a Venezuela e a ilha de Aruba. Está sendo acusado de ter morto uns guardas de fronteira e aguarda o processo. Certos dias, mostra-se extraordinariamente calmo; nos outros, nervoso e excitado. Percebo que ele fica calmo depois que recebe visitas e mastiga folhas que lhe trazem. Um dia, ele me dá a metade de uma e logo compreendo. Minha língua, o céu da boca e os lábios, tudo ficou insensível. São folhas de coca. Esse homem de 35 anos, de braços peludos e com o peito recoberto de pêlos encaracolados muito negros, deve ser dotado de força descomunal. Seus pés descalços têm, na sola, um casco tão espesso, que muitas vezes ele tira um pedaço de vidro ou um prego que ali penetraram, mas sem atingir a carne.

“Fuga, você e eu”, digo uma noite ao contrabandista. Numa visita do haitiano eu lhe havia pedido um dicionário francês-espanhol. O cara compreende e me deixa entender que gostaria de fugir, mas, e as algemas? São algemas americanas. Têm uma fenda para a chave, que com certeza deve ser chata. Com um fio de arame achatado na ponta, o bretão me fabrica um gancho. Depois de várias tentativas, consigo abrir as algemas do meu novo amigo, à vontade. À noite, ele fica sozinho num calabouço, cujas grades são bastante grossas. Em nosso quarto, as grades são finas e podem certamente ser torcidas, portanto, só teremos que serrar uma grade, a de Antonio (é o nome do colombiano). “Como é que se pode conseguir uma serra?” – “Plata (dinheiro).” “Quanto?” – “Cem pesos”. – “Dólares?” – “Dez”. Finalmente, com 10 dólares que eu lhe dou, ele consegue duas serras para metais. Explico para ele, desenhando sobre a terra do pátio, que, a cada vez que ele serrar um pouco, deve misturar a serragem de ferro com um pouco de massa dos bolinhos de arroz que nos dão, e tapar bem as fendas. No último momento, antes de entrarmos nos alojamentos para passar a noite, abro a sua algema, deixando-a pendurada num dos punhos. No caso de uma inspeção, é só colocar no outro pulso e apertar, para que ela se feche automaticamente. Leva três noites para serrar a barra. Ele me explica que em menos de um minuto terminará de cortar e que está certo de poder dar uma torcida final com as mãos. Então, virá me procurar.

Chove muito por aqui; então, ele me diz que na “primem noche de lluvia” ele virá me chamar. Esta noite, começa a chover torrencialmente. Meus companheiros estão a par dos meus projetos, ninguém quer me acompanhar, acreditam que o lugar para onde quero fugir fica muito longe. Quero ir para a ponta da península colombiana, na fronteira da Venezuela. O mapa que possuímos diz que esse território se chama Guajira e que é uma região contestada, nem colombiana nem venezuelana. O colombiano diz que “eso es la tierra de los índios” e que não há qualquer polícia, nem colombiana, nem venezuelana. Alguns contrabandistas costumam passar por ali. É perigoso, porque os índios guajiros não permitem que um civilizado penetre em seu território. Mas Antonio se comprometeu a me levar até muito perto de Guajira: dali por diante, terei que continuar sozinho. Tudo isso, é inútil que o diga, foi muito difícil de combinar entre nós, porque ele emprega palavras que não estão no dicionário. Esta noite chove a cântaros. Estou perto da janela. Uma tábua foi despregada há muito tempo do batente. Com ela faremos uma alavanca para afastar as barras. Há duas noites, fizemos um ensaio e vimos que elas cedem fácil.