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“Em Royale, no quartel dos punidos, tem uma guilhotina, cada peça bem guardada num lugar especial. No pátio, tem cinco lajes para erguê-la, bem cimentadas e niveladas. Toda semana, o carrasco e seus assistentes, dois forçados, montam a guilhotina com a faca e o troço todo e cortam um ou dois troncos de bananeira. Assim, ficam certos de que está sempre em bom estado.

“O relojoeiro saboiano estava numa cela de condenado à morte com quatro outros, três árabes e um siciliano. Eles esperavam resposta ao pedido de indulto, feito por guardas que os defenderam.

“Numa manhã, eles montam a guilhotina e abrem bruscamente a porta do relojoeiro. Os carrascos se jogam sobre ele, lhe amarram os pés com uma corda, ligam os pulsos com a mesma corda dos pés. Com tesouras, aparam o colarinho e ele, em passos estreitos, na semi-obscuridade da alvorada, percorre uns 20 metros. Você sabe, Papillon, que, quando se chega diante da guilhotina, a gente se encontra frente a frente com uma tábua em pé na qual eles amarram o sujeito com correias presas na tábua. Amarram o cara, começam a deitar a tábua, a cabeça de fora, quando chega o atual comandante, o ‘Coco Seco’, que tem que assistir obrigatoriamente à execução. Leva na mão um enorme lampião de querosene e, na hora em que ele ilumina a cena, percebe que os putos dos guardas se enganaram: eles iam cortar a cabeça do relojoeiro, que, naquele dia, não tinha nada a ver com a cerimônia.

“- Parem, parem! – grita Barrot.

“Fica tão perturbado, que parece até que não consegue mais falar. Deixa cair o lampião, empurra todo mundo, os guardas, os carrascos, e ele mesmo desamarra o relojoeiro saboiano. Finalmente consegue dar uma ordem:

“- Leve-o de volta para a cela, enfermeiro. Trate dele, fique com ele, dê-lhe rum. E vocês, cretinos, vão buscar rápido Rencasseu, é ele que executamos hoje!

“No dia seguinte, o saboiano estava com os cabelos inteiramente brancos, tal como você o viu hoje. Seu advogado, um guarda de Calvi, fez um novo pedido de indulto ao ministro da Justiça, contando-lhe o incidente. Á pena do relojoeiro foi comutada e transformada em prisão perpétua. Desde então, ele passa o tempo todo consertando os relógios dos guardas. É a sua paixão. Ele controla os relógios durante muito tempo; é por isso que tem tantos dependurados no seu painel de observação. Agora dá para entender que o sujeito tem o direito de estar um pouco doido, sim ou não?”

– Não tem nem dúvida; depois de um choque desses, ele tem o direito de não ser muito amável. Sinceramente, tenho dó dele.

A cada dia, aprendo um pouco mais sobre esta nova vida. A choça A é realmente uma concentração de homens terríveis, tanto por causa do passado deles como pela maneira de eles reagirem na vida cotidiana. Não trabalho ainda: espero um lugar de limpador de latrinas. É um posto que, depois de 45 minutos de trabalho, me deixará livre sobre a ilha, com direito de ir pescar.

Hoje de manhã, na chamada para a tarefa de plantação de coqueiros, designam Jean Castelli. Ele sai da fileira e pergunta:

– O que é isso? Estão me mandando para o trabalho, eu?

– Sim, você – responde o guarda encarregado da tarefa. – Vai, pega essa picareta!

Friamente, Castelli olha para ele:

– Olhe um pouco pra mim, meu chapa. Você é um caipira de Auvergne. Não está vendo que é preciso ter nascido numa aldeola como a tua para saber usar um instrumento desses? Eu sou corso e marselhês. Na Córsega, a gente joga para muito longe os instrumentos de trabalho, e em Marselha a gente nem sabe que eles existem. Fique você com a picareta e me deixe em paz.

O jovem guarda, que ainda não estava a par da situação, pelo que vim a saber mais tarde, levanta a picareta contra Castelli, cabo para cima. Numa voz só, os 120 homens urram:

– Carniceiro, não toque nele ou você está morto.

– Dispersem! – grita Grandet e, sem levar em conta as posições de ataque tomadas por todos os guardas, voltamos todos para a choça.

A choça B desfila, indo para o trabalho. A choça C também. Doze guardas vêm chegando e, coisa rara, fecham a porta gradeada. Uma hora mais tarde; quarenta guardas estão de cada lado da porta, de metralhadora na mão. Comandante adjunto, vigia-chefe, guarda-chefe, guardas, todos estão aqui, com exceção do comandante, que saiu às 6 da manhã, antes do incidente, para inspecionar a Ilha do Diabo:

O comandante adjunto diz:

– Dacelli, chame os homens, um por um.

– Grandet?

– Presente.

– Saia.

Ele sai, no meio dos quarenta guardas. Dacelli diz para ele:

– Vai trabalhar.

– Não posso.

– Recusa?

– Não, não recuso, estou doente.

– Desde quando? Você não se declarou doente na primeira chamada.

– Hoje de manhã, eu não estava doente, mas agora estou.

Os sessenta primeiros chamados respondem exatamente a mesma coisa, um depois do outro. Apenas um vai até a franca recusa de obediência. Ele tinha provavelmente a intenção de ser mandado a Saint-Laurent, passar pelo conselho de guerra. Quando lhe dizem:

– Recusa?

Ele responde:

– Sim, recuso, três vezes.

– Três vezes? Por quê?

– Porque vocês me enchem o saco. Recuso categoricamente trabalhar para sujeitos tão fodidos como vocês.

A situação era muito tensa. Os guardas, principalmente os jovens, não agüentavam ser humilhados assim pelos presos. Só esperavam uma coisa: um gesto de ameaça que lhes permitiria entrar em ação com suas metralhadoras, aliás dirigidas para o chão.

– Todos aqueles que foram chamados, pelados! Em marcha para as celas!

À medida que as roupas iam caindo, ouvia-se às vezes o ruído de uma faca que batia sobre o asfalto do pátio. Aí chega o médico.

– Bom, esperem. O médico está chegando. Podia, doutor, examinar estes homens? Aqueles que não forem reconhecidos como doentes irão para as celas. Os outros ficarão na choça.

– Há sessenta doentes?

– Sim, doutor, com exceção deste, que se recusou a trabalhar.

– O primeiro – diz o médico. – Grandet, o que é que você tem?

– Uma indigestão de carcereiro, doutor. Somos todos homens condenados a longas penas, e a maioria à prisão perpétua, doutor. Nas ilhas não há esperança de fuga. Por isso, o pessoal só agüenta esta vida se houver uma certa elasticidade e compreensão no regulamento. Mas, hoje de manhã, um guarda tomou a liberdade, na frente da gente, de querer bater com um cabo de picareta num colega estimado por todos. Não era um gesto de defesa, já que este homem não tinha ameaçado ninguém. Ele disse que não queria usar uma picareta, nada mais. Essa é a razão da nossa epidemia coletiva, Agora, o senhor que julgue.

O médico abaixa a cabeça, fica pensando por mais de um minuto e diz:

– Enfermeiro, escreva: “Em virtude de uma intoxicação alimentar coletiva, o guarda-enfermeiro fulano tomará as providências necessárias para purgar com vinte gramas de sulfato de sódio todos os transportados que se declararam doentes neste dia. Quanto ao prisioneiro X, que ele seja posto sob observação no hospital, para que se verifique se a sua recusa de trabalho foi feita em posse de todas as suas faculdades mentais”.

Ele dá a volta e vai embora.

– Todos para dentro! – grita o segundo-comandante. – Peguem as suas coisas e não esqueçam as facas.

Neste dia, todos ficam na choça. Ninguém pôde sair, nem o portador de pão. Pelo meio-dia, no lugar da sopa, o guarda-enfermeiro, acompanhado por dois forçados-enfermeiros, chegou com um balde de madeira, cheio de purgativo de sulfato de sódio. Três apenas tiveram que engolir o purgante. O quarto caiu em cima do balde, fingindo uma crise de epilepsia perfeitamente imitada, jogando assim o purgante, o balde e a concha para todos os lados. Assim se encerrou o episódio, com o trabalho que teve o chefe da choça para enxugar o líquido derramado no chão.

Passei a tarde conversando com Jean Castelli. Ele veio comer com a gente. Ele vive associado a um sujeito de Toulon, Louis Gravon, condenado por roubo de peles. Quando lhe falei da fuga, seus olhos brilharam. Disse: