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– O que você está pedindo Papillon, não é muita coisa e, ao mesmo tempo, é. E, em três semanas, isso vai ser muito difícil.

Oito dias antes da partida, esta nobre mulher, aborrecida por não ter conseguido uma boa bússola, teve a gentileza de tomar um barco costeiro e ir até Caiena. Quatro dias depois, ela voltava com uma magnífica bússola antimagnética.

O comandante e a comandanta Barrot saíram hoje pela manhã. Ontem, ele entregou o comando a um oficial da mesma patente dele, da Tunísia, chamado Prouillet. Boa notícia: o novo comandante manteve Dega no seu cargo de contador geral. É muito importante para todo mundo, principalmente para mim. No discurso que fez para os forçados reunidos em formação no pátio grande, o novo comandante deu a impressão de ser um homem muito enérgico, mas inteligente. Entre outras coisas, ele disse:

– A partir de hoje, assumo o comando das Ilhas da Salvação. Depois de ter verificado que os métodos do meu predecessor tiveram resultados positivos, não vejo motivos para alterar o que existe. Se, pelo seu comportamento, vocês não me obrigarem a isso, não vejo razão para modificar o seu modo de viver.

Foi com uma alegria bem justificada que vi partirem a comandanta e seu marido, embora estes cinco meses de espera forçada tenham passado com uma rapidez incrível. Esta falsa liberdade de que gozam quase todos os forçados das ilhas, os jogos, a pesca, as conversas, as novas relações, as discussões, as brigas são derivativos poderosos e a gente não tem tempo para se aborrecer.

Mas não me deixei realmente envolver por este ambiente. Toda vez que adquiria um novo amigo, eu me fazia a seguinte pergunta: “É candidato à fuga? Poderia ajudar um outro a preparar uma evasão, se ele mesmo não quiser partir?”

Vivo só para isto: fugir, fugir, sozinho ou acompanhado, mas fugir. É uma idéia fixa, da qual não falo com ninguém, conforme o conselho de Jean Castelli, que sigo à risca, E, sem fraquejar, cumprirei o meu ideaclass="underline" fugir.

7 AS ILHAS DA SALVAÇÃO (continuação)

UMA JANGADA DENTRO DE UM TÚMULO

Com cinco meses, já cheguei a conhecer mesmo os menores recantos da ilha. E agora estou convencido de que o jardim junto ao cemitério onde trabalhava meu amigo Carbonieri – agora, ele não está mais lá – é o ponto mais seguro para preparar uma jangada. Então peço a Carbonieri que volte ao trabalho do jardim, sem ajudante. Ele concorda. Graças a Dega, confiam-lhe outra vez o jardim.

Hoje de manhã, quando passo em frente à casa do novo comandante, com uma enfiada de pescados num arame, ouço um jovem forçado, moço de serviços, dizer à mulher dele, ainda moça:

– É este aqui, senhora comandanta, que trazia peixe todo dia Para a Sra. Barrot.

E ouço a bonita morena, de tipo argelino, pele bronzeada, responder:

– Então, o Papillon é ele? Ela se vira para mim e diz:

– Comi as lagostas deliciosas que você pescou, foi a Sra. Barrot que me deu. Entre aqui em casa. Aceite um copo de vinho e um pouco de queijo de cabra, que eu recebi há pouco tempo da França.

– Não, obrigado, minha senhora.

– Por quê? Quando era a Sra. Barrot, você entrava; por que, agora que sou eu, você não quer entrar?

– É que o marido dela tinha dado autorização para eu entrar.

– Papillon, meu marido é comandante no campo, na casa quem manda sou eu. Pode entrar sem medo.

Percebo que aquela morena bonita, tão decidida, pode ser ou útil ou perigosa. Entro.

Na mesa da sala de jantar, ela me serve um prato de presunto defumado com queijo. Sem fazer cerimônia, ela se senta à minha frente, me oferece vinho, depois café e um delicioso rum da Jamaica.

– Papillon – me diz ela -, apesar dos rebuliços da mudança dela e da nossa chegada, a Sra. Barrot teve tempo de me falar de você. Sei que ela era a única mulher das ilhas que ganhava peixe de você. Espero que você me faça a mesma gentileza.

– É que ela estava doente, mas a senhora está com boa saúde, pelo que vejo.

– Não sei mentir, Papillon. É verdade, tenho boa saúde, mas vim de uma cidade de porto e adoro peixe. Eu sou de Oran. Mas fico sem jeito porque sei também que você não vende seu peixe. E isso é pena.

Em suma, ficou entendido que eu traria peixe para ela.

Eu estava fumando um cigarro, depois de dar a ela 3 bons quilos de salmonetes e seis lagostins, quando chega o comandante. Ele me vê e diz:

– Já disse, Juliette, que, fora o moço de serviços, nenhum preso pode entrar aqui em casa.

Levanto, mas ela diz:

– Fique sentado. Este preso é o homem que a Sra. Barrot me recomendou quando foi embora. Portanto, você não tem nada a objetar. Ninguém mais além dele vai entrar aqui. Por outro lado, ele vai me trazer peixe quando eu precisar.

– Está bem – diz o comandante. – Como é que você se chama?

Vou me levantando para falar com ele, mas Juliette põe a mão no meu ombro e me faz sentar outra vez:

– Aqui – diz ela – é a minha casa. O comandante não é mais o comandante, é meu marido, o Sr. Prouillet.

– Obrigado, minha senhora. Meu nome é Papillon.

– Ah! Ouvi falar de você e de sua fuga há mais de três anos do hospital de Saint-Laurent-du-Maroni. Aliás, um dos vigias que você atacou naquela fuga é simplesmente sobrinho meu e da sua protetora.

Diante disso, Juliette começa a rir, um riso jovem cheio de frescor, e diz:

– Então foi você que atacou Gaston? Isso não altera nada nas nossas relações.

O comandante, que continuava em pé, me diz:

– É incrível a quantidade de morte e de assassinatos que se cometem todos os anos nas ilhas. Em muito maior número do que na Terra Grande. A que você atribui isso, Papillon?

– Aqui, senhor comandante, como os homens não podem fugir, vivem cheios de raiva. Vivem uns por cima dos outros há longos anos e é claro que se formam ódios e amizades indestrutíveis. Além disso, só menos de 5 por cento dos assassinatos é que são esclarecidos, o que deixa os assassinos quase certos da impunidade.

– Sua explicação é lógica. Há quanto tempo você pesca, e que trabalho você faz para ter esse direito?

– Sou limpador de latrinas. Às 6 da manhã, já acabei o serviço e posso pescar.

– O resto do dia inteiro? – pergunta Juliette.

– Não, ao meio-dia tenho que estar de volta ao campo e só posso sair outra vez das 3 às 6. Isso é chato, porque, conforme as horas da maré, às vezes eu perco a pesca.

– Você vai dar a ele uma autorização especial, não é, querido? – diz Juliette, virando-se para o marido. – Das 6 da manhã às 6 da tarde, assim ele poderá pescar à vontade.

– Está certo – responde ele.

Vou embora, contente comigo mesmo por ele ter concordado, pois essas três horas, do meio-dia às 3, são preciosas. É a hora da sesta e quase todos os vigilantes dormem nessas horas, a vigilância é afrouxada.

Juliette tomou conta de nós, de mim e da minha pesca. Ela chega ao ponto de mandar o moço de serviços ver onde eu estou pescando, para vir buscar os peixes. Muitas vezes, ele chega me dizendo: “A comandanta mandou buscar tudo o que você pescou, porque ela tem convidados para as refeições e quer fazer um cozido de peixes”. Enfim, ela toma conta de minha pesca e até chega a me pedir que pesque este ou aquele peixe ou que mergulhe para pegar lagostins. Isso atrapalha muito o menu da cozinha dos amigos, mas em compensação sou protegido como nenhum outro. Ela também me faz gentilezas: “Papillon, a maré é à 1 hora?” “É sim, senhora.” “Venha comer em casa, assim você não tem que ir até o campo.” E eu como na casa dela, nunca na cozinha, sempre na sala de jantar. Sentada à minha frente, ela me serve a comida e a bebida. Não é tão discreta como a Sra. Barrot. Muitas vezes, ela me faz perguntas sutis sobre o meu passado. Desvio sempre a conversa do assunto que a interessa mais, que é a minha vida em Montmartre, e conto minha juventude e minha infância. Nessa hora, o comandante dorme em seu quarto.