– Então, Papillon, vai sair esse óleo de coco? Por que você não faz aqui no quintal? Você tem um martelo para abrir os cocos e eu emprestaria um caldeirão para você pôr a polpa.
– Prefiro fazer o óleo no campo.
– Esquisito, no campo deve ser mais complicado.
Depois pensa um instante e acrescenta:
– Quer saber de uma coisa? Não acredito que você, logo você, vá fazer óleo de coco.
Fico gelado. Ela continua:
– Em primeiro lugar, por que você iria fazer isso, se eu posso lhe dar quanto óleo de oliva você quiser? Esses cocos são para outra coisa, não é?
Fico suando em bagas, desde que ela começou a falar, e só espero que pronuncie a palavra “fuga”. Fico sem fôlego; Digo a ela:
– Comandanta, é um segredo, mas vejo que a senhora está tão interessada e curiosa, que vai acabar descobrindo a surpresa que eu queria lhe fazer. Mas só vou lhe dizer que eu escolhi esses grandes cocos para esvaziar a polpa deles e depois fabricar um objeto muito bonito para lhe presentear. Eis a verdade.
Consegui despistá-la, pois ela responde:
– Papillon, não quero lhe dar trabalho, e principalmente eu proíbo você de gastar dinheiro para me fazer qualquer coisa de especial. Agradeço sinceramente, mas não o faça, eu lhe peço.
– Bem, vou ver.
Ufa! E imediatamente peço a ela para tomar um licor, iniciativa que nunca tomo. Ela não percebe minha atrapalhação, felizmente. Deus está do meu lado.
Todo dia chove, sobretudo de tarde e de noite. Fico com medo de que a água se infiltre na fina camada de terra e deixe a descoberto as esteiras de coqueiro. Matthieu continuamente repõe a terra que escorreu. Por baixo, o troço deve estar alagado. Com a ajuda de Matthieu, tiro as esteiras: a água quase escondeu o caixão, o momento é crítico. Perto há o túmulo de duas crianças mortas muito tempo atrás. Um dia, descerramos a laje, entro dentro e, com uma barra curta, ataco o cimento, o mais baixo possível, do lado do túmulo da jangada. Uma vez quebrado o cimento, assim que enfio a barra na terra, a água jorra forte. A água escorre do outro túmulo e entra no buraco. Saio para fora quando ela já me chega aos joelhos. Recolocamos a laje e a calafetamos com uma massa branca que Naric me arranjou. Esta operação reduziu a água à metade no nosso túmulo-esconderijo. À noite, Carbonieri me diz:
– Não acabam nunca os problemas que temos com essa fuga.
– Já estamos quase no fim, Matthieu.
– Quase, espero.
É verdade que estamos como que pisando sobre brasas.
De manhã, desci até o cais. Pedi a Chapar para me comprar 2 quilos de peixe, voltarei para buscá-los ao meio-dia. Combinado. Volto ao jardim de Carbonieri. Assim que chego perto, vejo três capacetes brancos. Por que há três guardas no jardim? Estão fazendo uma revista? Isso é novidade. Eu nunca tinha visto três vigias duma só vez no jardim. Espero mais de uma hora e não agüento mais. Resolvo avançar, para ver o que está acontecendo. De cara, vou diretamente pelo caminho que leva ao jardim. Os guardas me olham chegar. Estou desconfiado, estou a uns 20 metros deles, aí Matthieu põe seu lenço branco na cabeça. Respiro aliviado e consigo me refazer antes de chegar até o grupo.
– Bom dia, senhores vigilantes. Bom dia, Matthieu. Vim buscar o mamão que você me prometeu.
– Sinto muito, Papillon, mas me roubaram o seu mamão hoje de manhã, quando eu fui buscar as varetas para a minha trepadeira de ervilhas. Mas daqui a quatro ou cinco dias vai ter mais mamão maduro, já estão amarelando. E os senhores, seus guardas, não querem umas alfaces, uns tomates, rabanetes para levar para as suas senhoras?
– Você cuida bem do seu jardim, Carbonieri, parabéns – diz um deles.
Eles aceitam tomates, alfaces e rabanetes e vão embora. Eu voa embora ostensivamente um pouco antes deles, levando umas alfaces.
Passo pelo cemitério. O túmulo está meio descoberto pela chuva que lavou a terra. A dez passos já dá para eu ver as esteiras. Deus está mesmo do nosso lado, se não nos descobriram depois dessa. O vento sopra feito louco toda a noite, varrendo o planalto da ilha com rugidos raivosos, muitas vezes junto com chuva. É o tipo do tempo ideal para partir, mas não para o túmulo.
A maior de todas as tábuas, a de 2 metros, chegou sã e salva a seu domicílio. Foi juntar-se às outras peças da jangada. Eu até já montei a peça: ela se encaixou maravilhosamente, sem dificuldade nenhuma, nas chanfraduras. Bourset chegou ao campo correndo, para saber se eu recebi essa peça de importância primordial, mas um bocado grande para transportar. Fica todo contente ao saber que tudo deu certo. Até parecia que ele duvidava que ela pudesse chegar a seu destino. Procuro saber alguma coisa através dele:
– Você tem dúvidas? Acha que alguém está percebendo? Contou alguma coisa a alguém? Responda.
– Não, não e não.
– No entanto, você me dá a impressão de que alguma coisa o preocupa. Fale.
– Uma impressão desagradável que tive por causa de um olhar cheio de curiosidade interessada, de um cara chamado Bébert Celier. Tenho a impressão de que ele viu Naric tirar a peça e enfiá-la debaixo da bancada da marcenaria, dentro de um barril de cal, e depois levá-la. Os dois cunhados iam caiar um prédio. Era por isso que eu estava preocupado.
Pergunto a Grandet:
– Esse Bébert Celier é da nossa choça; então, será que é um dedo-duro?
Ele me diz:
– Esse homem é liberto das Obras Públicas. Já viu tudo: batalhão de sentenciados da África, etc. É um desses soldados cabeçudos que passaram por todas as prisões militares do Marrocos e da Argélia, briguento, bom na faca, pederasta apaixonado por mocinhos e jogador. Nunca foi civil. Conclusão: não nos interessa para nada, é um cara extremamente perigoso. Passou a vida inteira nos trabalhos forçados. Se você está com dúvidas sérias sobre ele, pegue a dianteira, assassine ele hoje à noite, assim ele não terá tempo de te denunciar, se tiver essa intenção.
– Não há nenhuma prova de que ele seja dedo-duro.
– Isso é certo – diz Galgani -, mas também não há nenhuma prova de que ele seja um bom rapaz. Você sabe muito bem que forçados desse tipo não gostam de fugas. Elas perturbam demais a vidinha tranqüila e organizada deles. Para qualquer outra coisa, eles não dedam de jeito nenhum, mas, uma fuga, quem é que vai saber?
Consulto Matthieu Carbonieri. A opinião dele é que devemos matar Celier hoje à noite. Quer fazer o serviço ele mesmo. Cometo o erro de impedi-lo. Assassinar ou deixar matar alguém a partir de meras aparências é coisa que me repugna. E se Bourset fantasiou a história que contou? O medo poderia fazê-lo ver as coisas pelo avesso. Procuro saber alguma coisa através de Naric:
– Boa-Praça, você reparou alguma coisa de suspeito por parte de Bébert Celier?
– Eu, não. Saí com o barril nas costas para que o guarda-chaves da porta não enxergasse nada dentro. O plano combinado era que eu ia me plantar justo na frente do guarda-chaves, sem arriar o barril, esperando que meu cunhado chegasse. Era para o árabe sentir que eu não estava com nenhuma pressa de sair e assim evitar qualquer desconfiança dele, para ele não revistar o barril. Mas mais tarde meu cunhado me disse que teve a impressão de que Bébert Celier estava observando a gente atentamente.
– Qual a sua opinião?
– Que, em virtude do tamanho da peça, logo se vê que é para uma jangada e meu cunhado estava nervoso e com medo. Ele está imaginando que viu mais do que viu mesmo.