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– Parem de atirar! – grito eu.

E, sem pensar duas vezes, me atiro na água. Com a ajuda da correnteza, me dirijo rapidamente para o lado da menina, que continua flutuando por causa de seu vestido, batendo os pés com toda a força, para espantar os tubarões.

Só me faltam uns 30 ou 40 metros para alcançá-la, quando chega uma canoa que veio de Royale e que viu a cena de longe. Alcança a menina antes de mim, agarra-a e a põe a salvo. Choro de ódio, sem nem pensar nos tubarões. Por minha vez, também sou pescado para bordo. Arrisquei a vida por nada.

Era isso pelo menos o que eu pensava, porque um mês depois, como uma espécie de recompensa, o Doutor Germain Guibert obtém uma suspensão da minha pena de reclusão, por motivo médico.

8 A VOLTA A ROYALE

OS BÚFALOS

É assim, por um verdadeiro milagre, que estou de volta a Royale, para cumprir uma pena normal. Deixei a ilha com uma pena de oito anos de reclusão disciplinar e, por causa de uma tentativa de salvamento, estou de volta dezenove meses depois.

Reencontro os amigos: Dega sempre contador, Galgani carteiro, Carbonieri, que foi absolvido no caso de minha fuga, Grandet, Bourset, o carpinteiro, e os homens do carrinho: Naric e Quenier. Também Chatal na enfermaria e meu cúmplice na primeira fuga, Maturette, que continua em Royale, como enfermeiro-ajudante.

Os bandidos corsos continuam todos aqui: Essari, Vicioli, Cesari, Razori, Fosco, Maucuer e Chapar, por causa de quem La Griffe foi para a guilhotina, no caso da Bolsa de Marselha. Todas as vedetes da crônica policial dos anos 27 a 35 estão aqui.

Marsino, o assassino de Dufrêne, morreu na semana passada de miséria fisiológica. Nesse dia, os tubarões tiveram uma refeição privilegiada. Deram a eles um dos peritos em pedras preciosas mais bem conceituados de Paris.

Também está aqui Barrat, apelidado “a Comediante”, milionário campeão de tênis em Limoges, que assassinou um motorista e seu amiguinho íntimo, íntimo demais; Está tuberculoso. Barrat era chefe do laboratório e farmacêutico no hospital de Royale. A gente vira tuberculoso, nas ilhas, por contágio através das coxas, segundo um médico brincalhão.

Enfim, a minha chegada em Royale é um verdadeiro terremoto. Quando entro de novo no bloco dos violentos, é um sábado de manhã. Quase todo mundo está lá, e todos, sem exceção, me recebem de braços abertos e manifestam a sua amizade. Até o sujeito dos relógios, que não fala nunca desde aquela famosa manhã em que quase o guilhotinaram por engano, se manifesta e vem me cumprimentar.

– Então, meus velhos, todo mundo vai bem?

– Sim, Papi, seja bem-vindo.

– Você continua com o seu lugar aqui – diz Grandet. – Ficou vago desde o dia em que você foi embora.

– Obrigado para todos. O que há de novo?

– Uma boa notícia.

– O quê?

– Esta noite, em frente, na sala dos “bem comportados”, acharam morto o servente que denunciou você, dando a sua pista de cima do coqueiro. Foi provavelmente coisa de algum amigo, que não quis que você o encontrasse vivo e lhe poupou o trabalho.

– Sem dúvida, bem que eu gostaria de saber quem é para agradecer.

– Um dia, talvez, ele venha a lhe dizer. Acharam o homem hoje de manhã, na chamada, com uma faca fincada no coração. Ninguém viu nem ouviu nada.

– É melhor assim. E o jogo?

– Tudo bem. O seu lugar está aí.

– Bom. Então recomeçamos a viver nos trabalhos forçados a pena de prisão perpétua. Um dia vamos saber como e quando vai acabar esta história.

– Papi, ficamos realmente todos chateados quando soubemos que você tinha oito “cajus” para mastigar na solitária. Agora que você voltou, acho que não há nas ilhas um único homem capaz de lhe negar ajuda para qualquer coisa que seja, mesmo correndo grandes riscos.

– O comandante está chamando você – diz um servente.

Saio com ele. No posto de guarda, vários guardas me cumprimentam gentilmente. Sigo o servente e me encontro com o Comandante Prouillet.

– Tudo bem, Papillon?

– Tudo bem, comandante.

– Estou feliz por você ter sido indultado e lhe dou os parabéns pelo seu ato de coragem com a filhinha do meu colega.

– Obrigado.

– Vou botá-lo como vaqueiro, aguardando que você possa voltar à limpeza de latrinas, com o direito de pescar.

– Se isso não o comprometer demais, ótimo.

– Isso é da minha conta. O guarda da oficina não está mais aqui e eu, daqui a três semanas, vou para a França. Bom, então você volta ao seu lugar amanhã.

– Não sei como agradecer ao senhor, comandante.

– Esperando um mês antes de tentar uma nova fuga – sugere Prouillet, rindo.

Na sala vejo os mesmos homens, o mesmo modo de viver que antes de partir. Os jogadores, categoria à parte, só pensam e vivem em função do jogo. Os homens que têm garotos vivem, comem e dormem com eles. Verdadeiros casais em que a paixão e o amor entre homens tomam conta de todos os pensamentos, noite e dia. Cenas de ciúme, paixões desenfreadas em que a “mulher” e o “homem” se vigiam mutuamente e que provocam crimes inevitáveis se um deles se cansa do outro e bate asas para outros ninhos.

Pela bela Charlie (Barrat), um preto chamado Simplon matou na semana passada um sujeito que se chamava Sidero. É o terceiro que Simplon mata por causa de Charlie.

Faz apenas duas horas que estou no campo e já dois sujeitos vêm falar comigo.

– Diga, Papillon, queria saber se Maturette é o seu garoto.

– Por quê?

– Problema meu.

– Escute bem. Maturette fez uma fuga comigo de 2 500 quilômetros e ele procedeu como homem, é tudo o que lhe posso dizer.

– Quero saber se ele está com você.

– Não, não conheço Maturette pelo sexo. Gosto dele como um amigo, o resto não é da minha conta, salvo se alguém o prejudicar.

– Mas, se um dia ele fosse a minha mulher?

– Então, se ele está de acordo, não vou me intrometer. Mas, se você o ameaçar para que ele se torne o seu garoto, vai ter que acertar contas comigo.

Que os pederastas sejam passivos ou ativos, dá na mesma, tanto uns como os outros afundam na sua paixão sem pensar em outra coisa.

Achei o italiano daquela história do comboio. Veio me cumprimentar. Digo a ele:

– Você ainda aqui?

– Fiz tudo. Minha mãe me mandou 12 000 francos, o guarda tomou 6 000 de comissão, gastei 4 000 para me fazer desinternar, consegui que me mandassem tirar chapa em Caiena e não pude fazer nada. Depois, fiz com que me acusassem por ter ferido um amigo, você o conhece, Razori, o bandido corso.

– Conheço, e então?

– Combinamos que ele faria uma ferida na barriga e fui para o conselho de guerra com ele, ele como acusador e eu como culpado. Nem conseguimos ficar lá. Em quinze dias estava tudo acabado. Fui condenado a seis meses, que curti na reclusão no ano passado. Você nem soube que eu estava lá. Papi, não agüento mais, tenho vontade de me suicidar.

– É melhor que você morra no mar, numa fuga, pelo menos você morrerá livre.

– Estou pronto para qualquer coisa, você tem razão. Se planejar alguma coisa, me avise.

– De acordo.

A vida em Royale recomeça. Agora estou de vaqueiro. Tenho um búfalo chamado Brutus. Pesa 2 000 quilos, é um assassino de búfalos. Já matou dois outros machos.

– É a última oportunidade dele – me diz o guarda Angosti, que cuida desse serviço. – Se matar mais um, vamos abatê-lo.

Hoje de manhã, travo conhecimento com Brutus. O preto da Martinica que o guia deve ficar comigo uma semana para me ensinar. Tornei-me imediatamente amigo de Brutus, mijando no focinho dele: sua grande língua adora recolher o mijo salgado. Em seguida, dei a ele algumas mangas verdes que apanhei no jardim do hospital. Desço com Brutus preso no timão de uma carroça digna do tempo dos reis gauleses, de tão rústica que ela é, e na qual se acha um barril para 3 000 litros de água. Meu trabalho e o do meu chapa Brutus consiste em ir até o mar encher o barril de água e subir esta terrível encosta até o planalto. Aí, abro a torneira do barril e a água escoa pelas valetas, levando tudo o que sobrou da limpeza das latrinas feita na parte da manhã. Começo às 6 horas e lá pelas 9 já acabei.