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O robô que Ford aprisionara debaixo da sua toalha não era, naquele momento, um robô feliz. Era feliz quando podia se movimentar. Era feliz quando podia ver outras coisas. Era especialmente feliz quando podia ver outras coisas se movimentando, fazendo coisas que não podiam fazer, porque ele então podia, com considerável prazer, delatá-las.

Ford ia resolver aquilo em breve.

Ajoelhou—se sobre o robô, prendendo—o entre os joelhos. A toalha continuava cobrindo todos os seus mecanismos sensoriais, mas Ford conseguira expor os circuitos lógicos. O robô estava emitindo uns zumbidos pavorosos e rabugentos, mas não conseguia se mover, apenas expressar a sua inquietude. Usando a ferramenta de extração, Ford retirou um pequeno chip do seu encaixe. Assim que se soltou, o robô

ficou quieto e estacou, como em estado de coma.

O chip que Ford havia removido era justamente o que continha as instruções para que as condições de felicidade necessárias ao robô fossem satisfeitas. Ele deveria se sentir feliz quando uma leve carga elétrica de um ponto no lado esquerdo do chip alcançasse outro ponto no lado direito. O chip determinava se a carga atingira o seu objetivo ou não.

Ford puxou um pequeno pedaço de arame que estava grudado na toalha. Enfiou uma das pontas na cavidade superior esquerda do encaixe do chip e a outra na cavidade direita inferior.

Aquilo era o bastante. Agora o robô ficaria sempre feliz, independentemente das circunstâncias.

Ford levantou—se depressa e puxou a toalha. O robô elevou—se extasiado no ar, avançando sinuosamente.

Virou-se e viu Ford.

Sr. Prefect! Estou tão feliz em vê-lo!

Eu também, amiguinho — respondeu Ford.

O robô prontamente comunicou à central de controle que estava tudo bem e que aquele era o melhor dos mundos; os alarmes se calaram e a vida voltou ao normal. Pelo menos, quase ao normal.

Havia algo de estranho com aquele lugar.

O robozinho estava gorgolejando de contentamento elétrico. Ford correu pelo corredor, deixando que a criatura o seguisse, dizendo como tudo era maravilhoso e como ele estava feliz em poder dizer aquilo.

Ford, contudo, não estava feliz.

Passou por rostos desconhecidos. Não pareciam os seus colegas. Eram arrumadinhos demais. Os seus olhos estavam muito mortos. Cada vez que ele achava que tinha reconhecido alguém de longe e corria para dizer oi, descobria que era uma outra pessoa, com um penteado muito mais decente e uma aparência muito mais confiante e decidida do que... bem, do que qualquer pessoa que Ford conhecia. Uma escada havia mudado de lugar, alguns centímetros para a esquerda. O teto era ligeiramente mais baixo. O lobby fora remodelado. Todas essas coisas não eram preocupantes por si sós, eram somente um pouco desconcertantes. O realmente preocupante era a decoração. Antes era chamativa e pomposa. Sofisticada — graças às excelentes vendas do Guia em toda a Galáxia civilizada e pós-civilizada —, mas um sofisticado divertido. Máquinas de videogames alucinados estavam espalhadas pelos corredores, pianos de cauda com pinturas malucas pendiam do teto, criaturas marítimas sinistras do planeta Viv emergiam de piscinas em átrios decorados com árvores, robôs

—garçons em camisas absurdas percorriam o ambiente procurando mãos nas quais poderiam depositar drinques borbulhantes. As pessoas costumavam ter gigantescos dragões de estimação em coleiras e pterospondes em gaiolas em seus escritórios. Todos sabiam como se divertir e, caso não soubessem, havia cursos nos quais podiam se inscrever para corrigir essa deficiência.

Não havia mais nada daquilo agora.

Alguém andara por lá fazendo um lamentável trabalho de decoração de bom gosto.

Ford virou-se abruptamente para uma pequena alcova, juntou as mãos em concha e puxou o robô. Abaixou-se e olhou fixamente para o cibernauta tagarela.

O que andou acontecendo por aqui? — perguntou ele.

Oh, só coisas maravilhosas, senhor, só as coisas mais maravilhosas possíveis. Posso me sentar no seu colo, por favor?

Não — respondeu Ford, empurrando-o. O robô ficou esfuziante em ser rechaçado daquela maneira e começou a se balançar, tagarelar, enlouquecer. Ford apanhou-o novamente e segurou-o firme em pleno ar, a alguns centímetros do seu rosto. O robô tentou permanecer onde fora colocado, mas não pôde deixar de tremelicar um pouco.

Mudaram algumas coisas, não é? — sussurrou Ford.

Ah, sim — guinchou o robozinho —, da melhor e mais fantástica maneira possível. Estou muito satisfeito.

Como é que era antes, então?

Um barato.

Mas você gostou das mudanças? — perguntou Ford.

Eu gosto de tudo — gemeu o robô. — Especialmente quando você grita assim comigo. Faz de novo, vai, por favor.

Me conta logo o que aconteceu!

Ai, obrigado, obrigado.

Ford suspirou.

Está bem, está bem — ofegou o robô. — O Guia está sob nova direção. É

tudo tão incrível que eu acho que vou derreter de alegria. A gerência anterior também era fabulosa, é claro, embora não saiba ao certo se eu achava isso na época.

Isso foi antes de você estar com um pedaço de arame enfiado na cabeça.

É verdade. É a mais pura verdade. É a mais maravilhosa, estupenda, frívola e arrebatadora verdade. Que observação mais correta, mais verdadeiramente indutora de êxtase!

O que aconteceu? — insistiu Ford. — Que nova gerência é essa? Quando é que eles assumiram? Eu... ah, deixa pra lá — acrescentou, quando o robô começou a se comportar vergonhosamente com uma alegria incontrolável e a se esfregar no seu joelho. — Vou descobrir sozinho.

Ford atirou—se contra a porta do escritório do editor-chefe. Agachando—se, enrolou o corpo como uma bola enquanto a porta abria e rolou rapidamente pelo chão até onde costumava ficar o carrinho com as bebidas mais potentes e caras da Galáxia. Agarrou-se nele e, usando-o como proteção, deslizou até a maior área livre do chão do escritório, lá onde ficava a valiosíssima e extremamente grosseira estátua de Leda e o Polvo, e escondeu-se atrás dela. Enquanto isso, o pequeno robô de segurança estava suicidamente satisfeito por receber os tiros no peito no lugar de Ford. Esse, pelo menos, era o plano — e um plano necessário. O editor-chefe, Stagyar-zil-Doggo, era um homem desequilibrado e perigoso, que tinha uma visão homicida a respeito de colaboradores que irrompiam em seu escritório sem apresentar páginas novinhas em folha, já revisadas. Na moldura da porta, ele tinha instalado um conjunto de armas guiadas a laser ligadas a mecanismos especiais de rastreamento para deter qualquer pessoa que estivesse apenas trazendo bons motivos para explicar por que não havia escrito nada. Desse modo, mantinha um alto nível de produtividade. Infelizmente, o carrinho de bebidas não estava no lugar.

Ford lançou-se em um movimento desesperado e brusco para o lado, depois deu um salto mortal para cima da estátua de Leda e o Polvo, que também não estava lá. Ele rolou e arremessou-se pelo escritório em um pânico cego, tropeçou, se contorceu, bateu na janela que, felizmente, fora projetada para suportar ataques de foguetes, ricocheteou e caiu em um salto doloroso e esbaforido atrás de um sofisticado sofá de couro cinza que não estava ali antes.

Alguns segundos depois, esgueirou-se devagarzinho detrás do sofá. Assim como não havia carrinho de bebidas, nem Leda e o Polvo, notou uma surpreendente ausência de tiros. Franziu a testa. Aquilo definitivamente estava errado.