—
Sr. Prefect, imagino — disse uma voz.
A voz veio de um sujeito com cara de bebê sentado atrás de uma mesa revestida com cerâmica e teca. Stagyar-zil-Doggo podia até ser uma grande pessoa, mas ninguém, por várias razões, diria que ele tinha cara de bebê. Aquele não era Stagyar-zilDoggo.
—
Suponho, a julgar pela maneira como entrou, que você não tem nenhum material novo para, ahn, o Guia, no momento — disse o sujeito com cara de bebê. Estava sentado, apoiando os cotovelos sobre a mesa e tocando as pontas dos dedos de um modo que, inexplicavelmente, não era considerado passível de pena de morte.
—
Estive ocupado — justificou Ford, sem muita convicção. Ficou de pé, meio atordoado, limpando a roupa. Então pensou: Por que, diabos, estava dizendo coisas sem muita convicção? Tinha que assumir o comando da situação. Tinha que descobrir quem era aquele sujeito e, de repente, pensou numa forma de fazer isso.
—
Quem é você? — perguntou ele.
—
Sou seu novo editor-chefe. Isto é, se decidirmos manter os seus serviços. O meu nome é Vann Harl. — Ele não estendeu a mão. Apenas completou: — O que você fez com esse robô da segurança?
O robozinho estava girando muito, muito devagar pelo teto e gemendo baixinho.
—
Fiz com que ele ficasse muito feliz — retrucou Ford. — É uma espécie de missão que eu tenho. Onde está Stagyar? Ou, mais importante ainda, onde está o carrinho de bebidas dele?
—
O Sr. Zil-Doggo não trabalha mais nesta organização. O carrinho de bebidas dele, imagino eu, deve estar ajudando-o a se consolar por isso.
—
Organização? — berrou Ford. — Organização? Mas que palavra idiota para um negócio como esse!
—
É exatamente essa a nossa impressão. Subestruturado, superorçado, subadministrado, superinebriado. E isso — disse Harl — era só o editor.
—
Ei, eu faço as piadas aqui — rosnou Ford.
—
Não — respondeu Harl. — Você faz a coluna dos restaurantes. Ele jogou um pedaço de plástico sobre a mesa. Ford não se mexeu.
—
Você o quê? — perguntou ele.
—
Não. Mim Harl. Você Prefect. Você faz coluna restaurantes. Eu editor. Eu sentar e mandar você fazer coluna dos restaurantes. Você entender?
—
Coluna dos restaurantes? — perguntou Ford, embasbacado demais para estar realmente raivoso.
—
Sente aí, Prefect — disse Harl. Ele rodopiou na sua cadeira de rodinhas, levantou-se e ficou parado, contemplando pela janela do vigésimo terceiro andar os pequenos pontinhos que aproveitavam o carnaval lá embaixo.
—
Está na hora de alavancar esta empresa, Prefect — disse ele. — Nós, da Corporação InfiniDim, estamos...
—
Vocês da quê?
—
Da Corporação InfiniDim. Nós compramos o Guia.
—
InfiniDim?
—
Gastamos milhões nesse nome, Prefect. Ou você começa a gostar ou pode ir arrumando as malas.
Ford deu de ombros. Não tinha nada para arrumar.
—
A Galáxia está mudando — disse Harl. — Precisamos acompanhar essa mudança. Seguir o mercado. O mercado está crescendo. Novas aspirações. Nova tecnologia. O futuro é...
—
Não venha me falar sobre o futuro — interrompeu Ford. — Conheço o futuro de trás pra frente. Passei metade da minha vida lá. É igual a qualquer outro lugar. Qualquer outra época. Enfim. A mesma droga de sempre, só que com carros mais velozes e um ar mais fedorento.
—
Esse é um futuro — retrucou Harl. — O seu futuro, se quiser aceitá-lo. Você precisa aprender a pensar multidimensionalmente. Existem futuros ilimitados estendendo-se em todas as direções a partir de agora — e de agora e de agora. Bilhões deles, bifurcando-se a cada instante! Cada posição possível de cada elétron possível expande-se em bilhões de probabilidades! Bilhões e bilhões de futuros brilhantes, incandescentes! Você sabe o que isso significa??
—
Você está babando no queixo.
—
Bilhões e bilhões de mercados!
—
Entendi — disse Ford. — Para que você possa vender bilhões e bilhões de Guias.
—
Não — respondeu Harl, procurando seu lenço, inutilmente.
—
Desculpe — disse ele —, mas isso me deixa muito empolgado. — Ford ofereceu a sua toalha para ele.
—
O motivo pelo qual não vendemos bilhões e bilhões de Guias —
continuou Harl, após limpar a boca — é o custo. O que fazemos é vender um único Guia bilhões e bilhões de vezes. Exploramos a natureza multidimensional do Universo para cortar os nossos custos industriais. E não vendemos para mochileiros duros. Que idéia mais idiota era essa! Encontrar um setor do mercado que, mais ou menos por definição, não tem um centavo no bolso e tentar vender justo para ele. Não. A InfiniDim vende para os viajantes de negócios endinheirados e para as suas esposas durante as férias em um bilhão de bilhões de futuros diferentes. Esse é o empreendimento comercial mais radical, dinâmico e ousado já visto em toda a infinitude multidimensional do espaço-tempo-probabilidade.
—
E você quer que eu seja crítico de restaurantes — concluiu Ford.
—
A sua contribuição seria valiosa.
—
Atacar! — gritou Ford. Gritou para a sua toalha. A toalha pulou das mãos de Harl.
Não porque a toalha tivesse algum tipo de vontade própria, e sim porque Harl estava morrendo de medo de que ela tivesse. A outra coisa que o deixou apavorado foi ver Ford Prefect partindo para cima dele por sobre a mesa com as mãos fechadas em punho. Na verdade, Ford estava apenas tentando apanhar o cartão de crédito, mas ninguém ocupa um cargo como o que Harl ocupava no tipo de organização da qual Harl fazia parte sem desenvolver uma saudável visão paranóica da vida. O editor-chefe adotou a sensata precaução de jogar-se para trás, batendo a cabeça com força contra o vidro à prova de foguetes e depois caiu em um estado de inconsciência recheado de sonhos preocupantes e altamente pessoais.
Ford ficou parado na mesa, surpreso em ver como tirara aquilo de letra. Olhou de relance para o pedaço de plástico que estava segurando — era um cartão de crédito Jant-O-Card com o seu nome já gravado nele, válido durante os próximos dois anos e provavelmente a coisa mais empolgante que ele já vira em sua vida. Depois, subiu na mesa para dar uma olhada em Harl.
Estava respirando com razoável facilidade. Ford percebeu que ele poderia respirar com ainda mais facilidade sem o peso da carteira sobre o peito, então removeua do bolso do paletó de Harl e deu uma conferida no conteúdo. Uma boa quantia de dinheiro. Alguns vales. Cartão de sócio do clube de ultragolfe. Cartões de sócio de outros clubes. Fotos da família de alguém — presumivelmente a de Harl, mas era difícil ter certeza naqueles dias. Executivos ocupados raramente tinham tempo para esposa e família em tempo integral e preferiam alugá-los só para os finais de semana. Ahá!
Mal podia acreditar no que tinha acabado de encontrar.
Tirou devagarzinho da carteira um simples e insanamente empolgante pedacinho de plástico que estava escondido no meio de um bando de recibos. Não era insanamente empolgante de se ver. Para falar a verdade, era até meio sem graça. Era menor e um pouco mais grosso do que um cartão de crédito e semitransparente. Se você o colocasse contra a luz, podia ver várias informações e imagens holograficamente criptografadas enterradas alguns pseudomilímetros de profundidade sob a superfície.