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Era um Ident-I-Fácil, uma coisa muito tola e inadequada para Harl carregar na carteira, ainda que fosse perfeitamente compreensível que a carregasse. Existiam tantas situações nas quais solicitavam que a pessoa fornecesse uma prova absoluta de sua identidade que a vida poderia facilmente se tornar bastante cansativa só por causa disso

— sem falar nos problemas existenciais mais profundos de tentar funcionar como uma consciência coerente em um universo físico epistemologicamente ambíguo. Pensem nos caixas—eletrônicos, por exemplo. Filas de pessoas esperando para terem suas digitais analisadas, retinas escaneadas, pedaços da pele removidos para serem submetidos a uma análise genética imediata (ou quase imediata — uns bons seis ou sete segundos, na entediante verdade) e depois ainda ter que responder a perguntas capciosas sobre membros da família dos quais mal se lembram e sobre as cores prediletas de toalha de mesa que haviam cadastrado... tudo isso só para sacar um dinheirinho para o final de semana. Se você estiver tentando um empréstimo para um carro a jato, para assinar um tratado de mísseis ou pagar a conta do restaurante, sua paciência seria testada até os limites.

Por isso o Ident—I—Fácil. Ele continha todas as informações sobre a pessoa, o seu corpo e a sua vida em um único cartão genérico, aceito em qualquer máquina, para ser levado na carteira, e representava, portanto, o maior triunfo tecnológico sobre si mesmo e sobre o bom senso.

Ford o colocou em seu bolso. Uma idéia fantástica acabara de lhe ocorrer. Tentou imaginar durante quanto tempo Harl ficaria inconsciente.

Ei! — gritou ele para o pequeno robô do tamanho de um melão, que continuava choramingando de euforia no teto. — Você quer continuar feliz?

O robô respondeu alegremente que sim.

Então vem comigo e faça exatamente o que eu mandar.

O robô respondeu que estava felicíssimo no teto, muito obrigado. Jamais havia percebido quanto deleite absoluto podia ser extraído de um bom teto e queria explorar os seus sentimentos sobre tetos mais profundamente.

Se você ficar aí — disse Ford —, vai acabar sendo recapturado e eles vão trocar o seu chip condicional. Quer continuar feliz? Melhor vir agora. O robô exalou um longo e sentido suspiro de tristeza apaixonada e desceu do teto, relutante.

Escuta — disse Ford —, você consegue manter o resto do sistema de segurança feliz por alguns minutos?

Um dos prazeres da verdadeira felicidade — gorjeou o robô — é poder compartilhá-la. Eu transbordo, eu espumo, eu inundo de...

Está bem — interrompeu Ford. — Só espalhe um pouquinho de felicidade pela rede de segurança. Não transmita nenhuma informação. Faça apenas com que ela se sinta tão feliz que nem se lembre de perguntar alguma coisa. Ford apanhou sua toalha e correu animado até a porta. A vida andava um pouco chata nos últimos tempos. Mas tudo indicava que ia se tornar bastante animada dali em diante.

CAPÍTULO 7

Arthur Dent já estivera em alguns buracos sinistros em sua vida, mas jamais havia visto um espaçoporto com uma placa dizendo: "Mesmo viajar de má vontade é

melhor do que chegar aqui". No hall de desembarque, para acolher os visitantes, havia uma foto do presidente de EAgora sorrindo. Era a única foto dele que conseguiram encontrar e fora tirada um pouco depois de ele ter se matado com um tiro na cabeça. Embora a tivessem retocado o máximo possível, o sorriso era um tanto quanto pálido. A parte lateral da cabeça havia sido desenhada com lápis-cera. Não era possível substituir a foto porque não era possível substituir o presidente. As pessoas naquele planeta tinham uma única ambição: cair fora.

Arthur hospedou-se em um pequeno motel nos arredores da cidade, sentou-se desanimado na cama, que estava úmida, e deu uma olhada no folheto de informações, que também estava úmido. Estava escrito que o planeta EAgora fora assim batizado devido às primeiras palavras dos seus desbravadores, que lá chegaram após um árduo esforço de atravessar anos-luz de espaço para alcançar os confins inexplorados da Galáxia. A cidade principal foi chamada de AhTá. Não havia outras cidades dignas de menção. O povoamento de EAgora não fora exatamente bem-sucedido e o tipo de gente que realmente queria morar lá não era o tipo de gente com o qual você gostaria de conviver.

O folheto mencionava atividades comerciais. A maior atividade comercial realizada era a de peles dos porcos do pântano eagorianos, mas não era muito lucrativa porque ninguém em sã consciência ia querer comprar uma pele de porco do pântano eagoriano. O comércio só se sustentava aos trancos e barrancos porque sempre há um número significativo de pessoas na Galáxia que não estão em sã consciência. Enquanto estava na nave, Arthur sentira—se bastante

desconfortável olhando à sua volta e examinando os outros ocupantes do pequeno compartimento de passageiros.

O folheto contava um pouco da história do planeta. O sujeito que escrevera a coisa obviamente começara tentando melhorar um pouco as aparências, ressaltando que não era frio e úmido o tempo todo, porém, como não encontrou nada mais de positivo para acrescentar, o tom do texto descambou rapidamente para uma ironia feroz. Falava sobre os primeiros anos do povoamento. Dizia que as atividades principais praticadas pelos eagorianos eram caçar, esfolar e comer os porcos do pântano eagorianos, que constituíam a única forma de vida animal existente em EAgora, uma vez que todas as outras já haviam morrido de desespero há muito tempo. Os porcos do pântano eram criaturinhas pequenas e ferozes, e a frágil margem pela qual escapavam de ser completamente incomestíveis era a margem que permitia à vida subsistir no planeta. Então quais eram as recompensas, ainda que mínimas, que faziam com que a vida em EAgora valesse a pena? Bom, não havia nenhuma. Nem umazinha. Até mesmo elaborar roupas protetoras feitas de pele de porco do pântano era um exercício de frustração e futilidade, uma vez que as peles eram incrivelmente finas e permeáveis. Isso causou uma série de conjecturas intrigadas entre os desbravadores do planeta. Qual era então o segredo dos porcos do pântano para se manterem aquecidos? Se alguém tivesse aprendido a língua que os porcos usavam para se comunicar, teria descoberto que não havia nenhum mistério. Os porcos do pântano sentiam frio e ficavam encharcados assim como todo o resto dos habitantes do planeta. Ninguém nunca teve a menor intenção de aprender a língua dos porcos do pântano pelo simples motivo de que estas criaturas se comunicavam mordendo umas às outras na coxa, com força. Sendo a vida em EAgora o que era, o máximo que um porco do pântano poderia ter a dizer sobre ela poderia ser facilmente traduzido dessa forma.

Arthur folheou o informativo até encontrar o que estava procurando. Lá no fim havia alguns mapas do planeta. Eram esboços pouco precisos, porque possivelmente não interessariam a ninguém, mas serviram para que encontrasse o que estava procurando.

Não reconheceu a coisa de cara porque os mapas estavam de cabeça para baixo e, portanto, pareciam absolutamente estranhos. É claro que para cima e para baixo, norte e sul são designações completamente arbitrárias, mas estamos acostumados a ver as coisas da maneira que estamos acostumados a vê-las e Arthur precisou virar os mapas de cabeça para cima para compreendê-los.

Havia uma enorme massa de terra no canto superior esquerdo da página que se afunilava subitamente e tornava a inchar no formato de uma vírgula gigante. No canto superior direito havia um apanhado de formas gigantes familiarmente unidas. Os contornos não eram exatamente os mesmos, e Arthur não sabia se isso era porque o mapa havia sido malfeito, se o nível do mar era mais alto ou se, bem, as coisas eram simplesmente diferentes naquele lugar. Mas a evidência era indiscutível. Aquilo era definitivamente a Terra.