Ou melhor, definitivamente não era.
Apenas parecia bastante com a Terra e ocupava as mesmas coordenadas no espaço-tempo. Quais coordenadas ocupava em probabilidade, ninguém saberia dizer. Ele suspirou.
Aquilo, percebeu ele, era o mais próximo de casa que ele jamais conseguiria chegar. O que significava que estava mais distante de casa do que poderia sonhar. Desanimado, fechou o folheto e se perguntou, aterrado, o que faria a seguir. Permitiu-se uma risada contida diante do que acabara de pensar. Olhou para o seu antigo relógio e o balançou um pouco para fazê-lo funcionar. Levara, segundo a sua própria medida de tempo, um penoso ano de viagem para chegar onde estava. Um ano desde o acidente no hiperespaço no qual Fenchurch sumira completamente. Uma hora ela estava lá, sentada ao lado dele no Slumpjet; na outra, a nave fez um salto hiperespacial totalmente normal e, quando ele olhou para o lado, ela não estava mais lá. O assento sequer estava quente. O nome dela nem constava na lista de passageiros. A companhia espacial havia ficado desconfiada dele quando foi reclamar. Milhares de coisas estranhas aconteciam em viagens espaciais e várias rendiam um bom dinheiro para os advogados. Mas, quando perguntaram a ele de qual Setor Galáctico ele e Fenchurch vinham e ele respondeu ZZ9 Plural Z Alpha, eles relaxaram completamente de uma maneira que Arthur não sabia se gostava. Chegaram até a rir um pouco — de forma solidária, é claro. Apontaram uma cláusula no contrato da passagem que informava que entidades cujas vidas úteis eram oriundas de qualquer uma das Zonas Plurais eram aconselhadas a não viajar no hiperespaço e que, caso o fizessem, seria por sua conta e risco. Todo mundo, afirmaram eles, sabia disso. Sufocaram o riso e balançaram a cabeça.
Ao sair do escritório da companhia, percebeu que estava tremendo um pouco. Não só havia perdido Fenchurch do modo mais completo e absoluto possível como tinha a sensação de que, quanto mais tempo passava na Galáxia, maior era o número de coisas que não tinha condições de compreender.
Enquanto estava perdido nessas memórias adormecidas, alguém bateu na porta do seu quarto e ela se abriu imediatamente. Um sujeito gordo e desgrenhado entrou carregando uma única e pequena mala.
Ele só conseguiu dizer "Onde devo colocar..." antes de uma pancada violenta fazer com que ele caísse abruptamente contra a porta, tentando se esquivar de uma criatura sarnenta que surgira no meio da escuridão, saltara rosnando sobre ele e fincara os seus dentes na sua coxa, ignorando as grossas camadas de couro que cobriam suas pernas. Houve uma rápida e pavorosa confusão, entremeada de palavras confusas e safanões. O homem gritava freneticamente, apontando para alguma coisa. Arthur apanhou um bastão pesado que ficava ao lado da porta, expressamente para aquele propósito, e atacou o porco do pântano com ele.
O porco do pântano soltou o homem rapidamente e recuou, mancando, confuso e desesperado. Voltou—se aflito para o canto do quarto, com o rabo enfiado entre as pernas, e lá ficou, apavorado, encarando Arthur nervosamente e entortando a cabeça de maneira estranha e repetida para um lado. A sua mandíbula parecia estar deslocada. Ele choramingou um pouco e arrastou o rabo molhado pelo chão. Parado na porta, o gordo, com a mala de Arthur na mão, estava sentado, xingando e tentando estancar o sangue da sua coxa. As suas roupas já estavam encharcadas por causa da chuva. Arthur olhou para o porco do pântano sem saber o que fazer. O porco retribuiu com um olhar igualmente questionador. Tentou aproximar-se, pesaroso. Movimentou a mandíbula dolorosamente. Saltou de repente tentando pegar a coxa de Arthur, mas a sua mandíbula deslocada estava fraca demais para abocanhá-la e ele caiu, gemendo tristemente, no chão. O sujeito gordo ficou de pé, apanhou o bastão e bateu na cabeça do porco até seus miolos virarem uma massa grudenta sobre o carpete fininho. Depois, ficou parado, com a respiração arquejante, como se desafiasse o animal a mexer-se uma última vez.
Um dos olhos do bicho estava inteiro, olhando de forma condenatória para Arthur no meio das ruínas esmagadas do seu cérebro.
—
O que acha que ele estava tentando dizer? — perguntou Arthur, em voz baixa.
—
Ah, nada demais — respondeu o homem. — Estava só tentando ser simpático. E essa é a nossa maneira de retribuir a simpatia deles — acrescentou ele, agarrando o bastão.
—
Qual o horário do próximo vôo? — perguntou Arthur.
—
Pensei que você tivesse acabado de chegar — disse o homem.
—
Pois é — respondeu Arthur. — Era só uma visitinha rápida. Só queria ver se era esse o lugar que eu estava procurando ou não. Lamento.
—
Quer dizer que está no planeta errado? — perguntou o homem, lúgubre.
— É impressionante a quantidade de pessoas que diz a mesma coisa. Especialmente as que moram aqui. — Olhou para os restos do porco do pântano com um arrependimento profundo, ancestral.
—
Não, não é isso — corrigiu Arthur —, estou no planeta certo, sim.
—
Ele apanhou o folheto encharcado que estava sobre a cama e enfiou no bolso. — Está tudo certo, obrigado. Eu fico com isso aqui —disse ele, apanhando a sua mala das mãos do sujeito. Dirigiu-se até a porta e contemplou a noite, gelada e úmida. _ O planeta está certo — disse ele novamente. — Planeta certo, universo errado.
Um pássaro bailou solitário no céu enquanto Arthur caminhava de volta para o espaçoporto.
CAPÍTULO 8
Ford tinha o seu próprio código de ética. Não era lá grande coisa, mas era dele e ele o respeitava, ou quase isso. Uma das regras que criara era jamais pagar pelos seus drinques. Não tinha certeza se isso contava como ética, mas é preciso seguir com o que se tem. Também era firme e absolutamente contra toda e qualquer forma de crueldade contra qualquer animal, exceto os gansos. Além disso, jamais roubava seus empregadores.
Bom, não roubar de verdade.
Se o supervisor de contabilidade não tivesse um ataque nem acionasse o alerta de segurança do tipo tranquem-todas-as-saídas quando Ford apresentasse os seus gastos, era porque ele não estava fazendo o seu trabalho direito. Mas roubar para valer era outra coisa. Era morder a mão que te alimenta. Sugá-la com força, ou até mesmo mordiscá-la de maneira afetuosa, tudo bem, mas, mordê-la, jamais. Muito menos quando a mão em questão era o Guia. O Guia era algo sagrado, especial.
Mas aquilo, pensou Ford enquanto se agachava e percorria um caminho sinuoso pelo prédio, estava prestes a mudar. E a culpa era exclusivamente deles. Bastava olhar para aquilo tudo. Fileiras de cubículos de escritórios cinzentos e estações de trabalho para executivos. O lugar inteiro ressoava o zumbido monótono de memorandos e minutas de reuniões atravessando suas redes eletrônicas. Lá fora na rua as pessoas estavam brincando de Caça ao Wocket, por Zarquon, mas ali, em pleno coração dos escritórios do Guia, ninguém estava sequer batendo uma bola irresponsavelmente pelos corredores ou usando trajes de praia inadequadamente coloridos.
"Corporação InfiniDim", resmungou Ford entre dentes para si mesmo enquanto percorria rapidamente um corredor após o outro. Portas se abriam magicamente para ele, sem perguntas. Elevadores o levavam alegremente a lugares que não deviam. Ford estava tentando seguir o caminho mais emaranhado e complicado possível, dirigindo—
se para os andares inferiores do prédio. O seu robô feliz resolvia tudo, espalhando ondas de contentamento aquiescente por todos os circuitos de segurança que encontrava. Ford concluiu que aquele robô precisava de um nome e decidiu chamá-lo de Emily Saunders, em homenagem a uma garota de quem guardava boas lembranças. Depois percebeu que Emily Saunders era um nome absurdo para um robô de segurança e decidiu chamá-lo de Colin, em homenagem ao cachorro de Emily. Estava penetrando cada vez mais fundo nas entranhas do prédio, invadindo áreas em que jamais entrara, áreas de segurança máxima. Estava começando a atrair olhares intrigados dos agentes pelos quais passava. Naquele nível de segurança, os agentes não eram mais considerados pessoas. Provavelmente estavam executando tarefas que somente agentes executavam. Quando voltavam para suas famílias, no final do dia, transformavam-se em pessoas novamente e, quando seus filhos pequenos os contemplavam com os olhinhos doces e brilhantes e diziam "Papai, o que você fez no trabalho hoje?", limitavam-se a responder "Executei minhas tarefas de agente", e a coisa ficava por isso mesmo.