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Ficou imóvel, tentando se situar. Controlou a respiração, fechou os olhos e olhou novamente.

Então era ali que os contadores passavam o seu tempo. Eles certamente escondiam bem o jogo. Olhou em volta cuidadosamente, tentando evitar que aquilo o engolfasse e o deixasse estupefato.

Não sabia como se virar naquele universo. Sequer conhecia as leis físicas que determinavam suas extensões dimensionais e comportamentais, mas o seu instinto lhe dizia para procurar a coisa mais incrível que pudesse detectar e ir atrás dela. Lá longe, a uma distância indistinguível — seria um quilômetro, um milhão ou um cisco em seu olho? —, estava um cume estonteante que formava um arco no céu, subia, subia e se desdobrava em aigrettes florescentes, aglomerados e arquimandritas. Rolou saltejante em direção à montanha e finalmente a alcançou num inexplicavelmente longo incoisésimo de tempo.

Agarrou-se nela, esticando os braços e segurando com firmeza a superfície retorcida e corroída. Quando teve certeza de que estava seguro, cometeu o terrível erro de olhar para baixo.

Enquanto esteve rolando e saltejando, a vastidão abaixo dele não tinha sido uma grande preocupação, mas, agora que se via agarrado na montanha, sentiu o seu coração se encolher e o seu cérebro dar um nó. Seus dedos estavam esbranquiçados de dor e tensão. Seus dentes rangiam e batiam de maneira incontrolável. Seus olhos voltaram-se para dentro carregados pelas ondas revoltas da náusea. Com uma tremenda força de vontade e fé, ele simplesmente abriu a mão e empurrou.

Sentiu-se flutuando. À deriva. E então, contra-intuitivamente, indo para cima. Cada vez mais para cima.

Relaxou os ombros, deixou cair os braços, olhou para o alto e se deixou levar, sem resistência, cada vez mais alto.

Pouco depois, na medida em que tais termos possuíssem qualquer significado naquele universo virtual, surgiu um parapeito à sua frente no qual poderia se segurar e subir.

Ergueu-se, segurou, escalou.

Ofegava um pouco. Aquilo tudo era bastante estressante.

Agarrou-se firmemente ao parapeito enquanto se sentava. Não sabia ao certo se aquilo era para impedir que ele caísse ou subisse mais ainda, porém, de qualquer forma, precisava se agarrar em algum lugar enquanto inspecionava o mundo para o qual fora transportado.

A altura vertiginosa o deixava tonto e fazia com que seu cérebro revirasse dentro de si mesmo, até que se viu de olhos fechados, choramingando e abraçando a terrível parede de rocha íngreme.

Aos poucos foi conseguindo controlar a respiração. Repetiu para si mesmo diversas vezes que aquilo tudo não passava de uma representação gráfica de um mundo. Um universo virtual. Uma realidade simulada. Podia sair dela a hora que quisesse, num estalar de dedos.

Saiu dela num estalar de dedos.

Estava sentado em uma cadeira de escritório giratória, de couro artificial azul estofado com espuma, diante de um terminal de computador.

Relaxou.

Estava agarrado em um cume impossivelmente alto, empoleirado em um parapeito estreito, arriscando-se a uma queda de uma altura estonteante. E não era só o fato de a paisagem estar tão abaixo dos seus pés —ele ficaria agradecido se ela parasse de ondular e oscilar.

Precisava tomar pé de alguma coisa. Não no muro de pedra, que era uma ilusão. Precisava tomar pé daquela situação, ser capaz de visualizar o mundo físico em que estava e, ao mesmo tempo, escapar dele emocionalmente.

Ele se crispou por dentro e então, assim como abandonara a rocha em si, abandonou a idéia da rocha e se permitiu ficar sentado lá, lúcido e livre. Olhou para o mundo. Estava respirando normalmente. Estava calmo. Estava novamente no controle. Estava dentro de um modelo topológico quadridimensional dos sistemas financeiros do Guia, e alguém, ou algo, iria querer saber o motivo em breve. Já estavam vindo.

Avançando furiosamente pelo espaço virtual na direção de Ford surgiu um bando de criaturas mal—encaradas, com um olhar feroz, cabeças pontudas e bigodinhos bem aparados, com perguntas veementes sobre quem ele era, o que estava fazendo ali, qual a sua autorização, qual a autorização do agente que o autorizara, qual a medida interna da sua coxa e por aí vai. Feixes de laser varriam seu corpo como se ele fosse um pacote de biscoitos passando no caixa em um supermercado. As armas a laser de grosso calibre estavam, por enquanto, recolhidas. O fato de tudo aquilo estar acontecendo em um espaço virtual não fazia a menor diferença. Ser virtualmente morto por um laser virtual no espaço virtual dava no mesmo, porque você está tão morto quanto pensa que está.

Os feixes de leitura a laser estavam ficando bastante agitados enquanto piscavam sobre as impressões digitais, a retina e o padrão folicular do ponto onde o cabelo de Ford começava a escassear. Não estavam gostando nada do que descobriam. Disparavam perguntas altamente pessoais e insolentes com as vozes cada vez mais esganiçadas. Um pequeno raspador cirúrgico de aço estava se aproximando da base de sua nuca quando Ford, prendendo a respiração e rezando ligeiramente, sacou o Ident—I

—Fácil de Vann Harl do bolso e mostrou—o para as criaturas.

Na mesma hora, todos os lasers direcionaram-se para o pequeno cartão e começaram a fazer uma análise completa, de frente para trás, de trás para a frente, examinando e estudando cada molécula.

Então, do mesmo modo abrupto em que começaram, terminaram.

O bando de pequenos inspetores virtuais ficou subitamente atencioso.

Prazer em vê-lo, Sr. Harl — disseram em um uníssono adulador.

— Podemos fazer alguma coisa pelo senhor?

Ford abriu um sorriso lento e malicioso.

Pensando bem — disse ele —, acho que podem, sim.

Cinco minutos depois estava fora daquele lugar.

Trinta segundos para fazer o serviço e três minutos e meio para apagar seus rastros. Podia ter feito praticamente qualquer coisa que quisesse na estrutura virtual. Podia ter transferido a posse da organização inteira para o seu nome, mas duvidava muito de que algo assim passasse despercebido. De qualquer forma, não estava interessado. Significaria assumir responsabilidades, virar noites trabalhando no escritório, sem contar as inúmeras e cansativas investigações de fraude e um bom período na cadeia. Queria algo que ninguém além do computador pudesse notar: foi isso que lhe tomou os trinta segundos.

A coisa que lhe tomou três minutos e meio foi programar o computador para não notar que havia notado alguma coisa.

O computador precisava querer não saber o que Ford estava tramando; a partir daí, poderia deixar tranqüilamente que ele racionalizasse as suas próprias defesas contra as informações que surgiriam. Era uma técnica de programação que havia sido projetada às avessas a partir dos bloqueios mentais psicóticos invariavelmente desenvolvidos por pessoas perfeitamente normais quando eram eleitas para altos cargos políticos. O minuto restante foi usado descobrindo que o sistema do computador já

possuía um bloqueio mental. E dos grandes.

Jamais teria descoberto aquilo se não estivesse ocupado criando um bloqueio mental por conta própria. Encontrara uma porção de procedimentos de negação refinados e plausíveis, além de sub-rotinas de efeito dispersivo, justamente onde planejara instalar as suas. O computador se negou a tomar conhecimento delas, é claro, e depois se recusou terminantemente a aceitar que pudesse até mesmo haver algo a ser negado e, em geral, estava sendo tão convincente que até mesmo Ford se flagrou pensando que havia cometido um erro.

Estava impressionado.