A primeira coisa a fazer era tentar tapar o buraco. Perceberam que seria impossível, porque os sensores da nave não conseguiam ver que havia um buraco e os supervisores que deveriam alertar que os sensores não estavam funcionando direito também não estavam funcionando direito e insistiam que os sensores estavam bem. A nave só conseguia deduzir a existência do rombo porque os robôs haviam inegavelmente caído nele, levando junto o seu cérebro sobressalente _ o mesmo que teria permitido que ela notasse o rombo.
A nave se esforçou para pensar de maneira coerente sobre o assunto, falhou e depois apagou completamente por instantes. Não chegou a perceber que tinha apagado, é claro, porque estava apagada. Ficou apenas surpresa ao ver as estrelas pularem. Depois da terceira vez em que as estrelas pularam, a nave finalmente percebeu que devia estar apagando e que era hora de tomar decisões importantes. Relaxou.
Percebeu então que ainda não havia tomado as decisões importantes e entrou em pânico. Apagou novamente. Quando voltou a si, vedou todos os compartimentos que ficavam em volta de onde o buraco impossível de visualizar deveria estar. Obviamente ainda não havia alcançado o seu destino, pensou ela, inquieta, mas, como já não tinha a menor idéia de qual era o seu destino ou de como chegaria lá, não fazia mais sentido continuar. Consultou cada mínimo fragmento de instrução que havia conseguido recuperar a partir do módulo central de missão avariado.
— Sua !!!!! !!!!! !!!!! missão de !!!!! anos é !!!!! !!!!!, !!!!!, !!!!! !!!!! !!!!! !!!!!, aterrissar !!!!! !!!!! !!!!! distância segura !!!!! !!!!! monitorá-lo.!!!!! !!!!! !!!!.'... O resto era lixo puro.
Antes de apagar de vez, a nave deveria transmitir aquelas instruções, do jeito que estavam, para os seus sistemas auxiliares mais primitivos. Precisava também reanimar toda a tripulação.
Havia um outro problema. Enquanto a tripulação estava hibernando, as mentes de todos os seus membros, suas memórias, suas identidades e sua noção do que estavam fazendo ali haviam sido transferidas para o módulo central de missão da nave para mantê-los em segurança. Dessa forma, porém, os membros da tripulação não fariam mais a menor idéia de quem eram ou do que estavam fazendo ali. Paciência. Antes de apagar de vez, a nave percebeu que os seus motores também estavam começando a pifar.
A nave e a sua reanimada e confusa tripulação foram se arrastando sob o controle de seus sistemas auxiliares automáticos, que se preocuparam simplesmente em aterrissar no primeiro lugar que fosse possível e monitorar qualquer coisa que encontrassem para monitorar.
No que diz respeito ao local para aterrissar, não se saíram lá muito bem. O
planeta encontrado era desoladoramente gelado e deserto, tão dolorosamente distante do sol que deveria aquecê-lo que precisaram de toda a maquinaria de Formatrônica Ambiental e dos Sistemas Suportrônicos de Vida que traziam consigo para torná-lo —
ou parte dele, ao menos — habitável. Havia planetas melhores ali por perto, mas o Estrategiotron da nave estava obviamente no módulo Furtivo e escolheu o planeta mais distante e discreto. A única pessoa que poderia contestar sua escolha era o Comandante
—Chefe de Estratégia. Como todo mundo na nave havia perdido a memória, ninguém sabia quem era o Comandante-Chefe de Estratégia e, mesmo que pudessem identificálo, como é que ele iria discutir com o Estrategiotron da nave?
No que diz respeito a algo para monitorar, contudo, acertaram em cheio. CAPÍTULO 2
Uma das coisas mais extraordinárias da vida é o tipo de lugares nos quais ela está preparada para sobreviver. Seja nos mares inebriantes de Santragino V, com peixes que parecem não dar a mínima para onde estejam nadando, nas tempestades de fogo em Frastra, onde, segundo dizem, a vida começa aos 40.000 graus, ou simplesmente entocada no intestino grosso de um rato pela mais pura diversão, a vida encontra uma maneira de ir levando as coisas em qualquer lugar.
Ela suporta viver até mesmo em Nova York, embora seja difícil entender o porquê. No inverno a temperatura cai para muito abaixo do limite legal, ou pelo menos cairia, se alguém tivesse o bom senso de estipular um limite legal. A última vez em que fizeram uma pesquisa sobre as cem características mais marcantes dos nova-iorquinos, o bom senso foi parar em septuagésimo nono lugar.
No verão é quente pra burro. Uma coisa é ser uma dessas formas de vida que florescem no calor e achar, como os frastranos, que uma temperatura entre 40.000 e 40.004 graus é muito agradável. Outra coisa completamente diferente é ser um animal que precisa se enrolar nas peles de diversos outros animais quando seu planeta está em um ponto da órbita para descobrir, meia órbita mais à frente, que sua própria pele está
fervendo.
Há um enorme exagero quanto à primavera. Muitos habitantes de Nova York se vangloriam orgulhosamente dos prazeres da primavera, mas, se entendessem o mínimo que fosse dos tais prazeres da primavera, saberiam que existem 5.983 lugares melhores do que Nova York para desfrutá-la — e isso sem sair da mesma latitude. Mas o pior mesmo é o outono. Poucas coisas são piores do que o outono em Nova York. Alguns dos seres que vivem no intestino grosso dos ratos talvez discordem, mas a maioria das coisas que vivem nos intestinos grossos de ratos são bastante desagradáveis — então podemos e iremos ignorar sua opinião. Durante o outono, Nova York cheira como se alguém tivesse fritado cabras por lá e, se você estiver realmente precisando respirar, a melhor solução é abrir uma janela e enfiar a cara em um prédio. Tricia McMillan adorava Nova York. Vivia repetindo isso para si mesma. O
Upper West Side. Midtown. Boas lojas. O SoHo. O East Village. Roupas. Livros. Sushi. Comida italiana. Delicatessens. Isso aí.
Filmes. Isso aí, também. Tricia acabara de ver um filme de Woody Alien sobre a angústia de ser neurótico em Nova York. Como ele já tinha feito um ou dois filmes explorando o mesmo tema,
Tricia se perguntou se ele já tinha pensado em se mudar dali, mas ficou sabendo que ele abominava essa idéia. Então: mais filmes, adivinhou ela. Tricia adorava Nova York porque adorar Nova York era uma boa estratégia para a sua carreira. Boa em termos de lojas, de restaurantes, não tão boa em termos de táxis e qualidade das calçadas, mas definitivamente uma das maiores e melhores estratégias para a sua carreira. Tricia era âncora de tevê e a maior parte das tevês do mundo estão ancoradas em Nova York. Até então Tricia só havia sido âncora na Inglaterra: reportagem local, depois jornal da manhã e daí jornal da tarde. Se o idioma permitisse, poderia se dizer que era uma âncora em rápida ascensão, mas... bolas, aquilo era tevê, então qual o problema? Ela era uma âncora em rápida ascensão. Tinha tudo o que precisava ter: um cabelo sensacional, uma compreensão profunda de uso estratégico de brilhos labiais, inteligência suficiente para entender o mundo e uma pequena e secreta apatia interior que fazia com que ela se lixasse. Todo mundo tem uma grande oportunidade na vida. Se você por acaso perde a única que realmente interessa, todo o resto se torna assustadoramente fácil.
Tricia perdera apenas uma oportunidade na vida. Naqueles tempos já nem estremecia mais quando se lembrava dela. Achava que tinha a ver com a parte que tinha ficado apática.
A NBS precisava de uma nova âncora. Mo Minetti estava deixando o programa matinal Bom Dia Estados Unidos para ter um bebê. Haviam lhe oferecido uma quantia absurda para que o parto fosse transmitido ao vivo, mas ela surpreendentemente recusou a proposta, alegando zelar pela sua privacidade e bom gosto. Equipes de advogados da NBS vasculharam minuciosamente o seu contrato para verificar se aquelas eram alegações legítimas, mas, no fim das contas, tiveram que deixá-la ir embora, não sem uma certa relutância. Aquilo era particularmente odioso para eles, porque em geral