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Para cima — berrou Ford novamente. — Para cima! Colin, sobe!
Colin estava fazendo um esforço descomunal e gemendo. Estavam agora mais ou menos parados no ar. Ford tinha a sensação de que os seus dedos estavam se quebrando.
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Pa ra cima!
Continuavam parados no mesmo lugar.
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Sobe, sobe, sobe! — Uma lesma estava se preparando para lançar um foguete contra ele. Ford mal podia acreditar. Estava pendurado no ar por uma toalha, com uma lesma se preparando para lançar foguetes sobre ele. Suas possíveis alternativas estavam se esgotando e começou a ficar seriamente assustado. Em situações como essa é que mais precisava do Guia para lhe dar algum conselho, por mais enervante ou superficial que fosse, mas não era a hora de vasculhar os bolsos. E o Guia não parecia mais ser um amigo e aliado, e sim uma fonte de perigo. Afinal de contas, estava despencando do prédio do próprio Guia, tendo a sua vida ameaçada pelas pessoas que pareciam ter o controle da empresa agora. Que fim levaram todos os sonhos que ele vagamente se lembrava de ter tido no Atol Bwenelli? Deviam ter deixado tudo como estava. Deviam ter ficado por lá. Ficado na praia. Amado mulheres bacanas. Vivido dos peixes. Ele devia ter percebido que estava tudo errado quando começaram a pendurar pianos de cauda sobre a piscina do monstro marinho no hall. Começou a se sentir completamente infeliz e aflito. Os seus dedos queimavam de dor. E o seu tornozelo continuava doendo.
Ah, muito obrigado, tornozelo, pensou ele, amargo. Obrigado por mencionar seus problemas justo agora. Imagino que você esteja a fim de uma boa bacia de água quente para levantar o seu astral, não é mesmo? Ou, no mínimo, você gostaria que eu... Teve uma idéia.
A lesma armada posicionou o lançador de foguetes no ombro. O foguete, presumivelmente, era projetado para atingir qualquer coisa que se movesse no seu caminho.
Ford tentou não suar, porque sentia que a toalha escorregava de suas mãos. Com o dedão do pé que não estava machucado, cutucou e forçou o calcanhar do sapato no pé que doía.
— Para cima, droga! — resmungou Ford inutilmente para Colin, que estava alegremente se matando de tanto esforço, mas não conseguia subir. Ford continuou insistindo no calcanhar do sapato.
Estava tentando calcular o melhor momento, mas não fazia sentido. Tinha que mandar ver e pronto. Uma única chance, era tudo o que tinha. O sapato estava agora solto na parte do calcanhar. O seu tornozelo machucado sentiu-se um pouco melhor. Bom, aquilo era gostoso, não era?
Chutou o sapato, que deslizou pelo seu pé e mergulhou no ar. Meio segundo depois, um foguete surgiu da boca do lançador, encontrou o sapato caindo em sua trajetória, partiu para cima dele com tudo, atingiu—o e explodiu com um enorme senso de satisfação e conquista.
Isso tudo aconteceu a uns 5 metros do chão.
A força principal da explosão foi direcionada para baixo. Onde, um segundo antes, havia um esquadrão de executivos da Corporação Infinidim com lançadores de foguetes na elegante praça, pavimentada com enormes lousas de pedra polida oriunda das antigas pedreiras de alabastro de Zentalquabula, existia agora apenas um pequeno poço com pedaços pútridos dentro.
Uma lufada de ar quente subiu da explosão, lançando Ford e Colin violentamente para cima. Ford tentou desesperada e cegamente agarrar-se a alguma coisa, mas não conseguiu. Foi arremessado para o alto, atingiu o ápice de uma parábola, fez uma breve pausa e começou a cair novamente. Foi caindo, caindo, caindo e, de repente, enroscou-se em Colin, que ainda estava subindo.
Agarrou-se desesperadamente ao pequeno robô esférico. Colin girava sem controle pelo ar em direção à torre dos escritórios do Guia, tentando alegremente se controlar e diminuir o ritmo.
O mundo girou de forma nauseante em torno da cabeça de Ford enquanto eles giravam um em volta do outro e então, de maneira igualmente nauseante, tudo parou. Ford viu-se jogado, ainda tonto, no parapeito de uma janela. A sua toalha passou voando e ele a alcançou, segurando firme. Colin oscilava no ar, bem próximo.
Ford olhou à sua volta — atordoado, machucado, sangrando e sem fôlego. O
parapeito não tinha mais que trinta centímetros e ele estava precariamente empoleirado nele, a treze andares do chão.
Treze.
Sabia que estavam no décimo terceiro andar porque as janelas eram escuras. Estava amargamente chateado. Pagara um preço absurdo por aqueles sapatos em uma loja no Lower East Side de Nova York. Havia, por causa disso, escrito um artigo inteiro sobre as alegrias proporcionadas por calçados de qualidade, e tudo isso tinha sido jogado fora no fiasco do "Praticamente inofensiva". Que merda. E agora perdera um dos sapatos. Jogou a cabeça para trás e contemplou o céu. Não seria uma tragédia tão amarga se o planeta em questão não tivesse sido demolido, o que significava que ele sequer poderia comprar outro par. Sim, devido à infinita extensão lateral da probabilidade, havia, certamente, uma multiplicidade quase infinita de planetas Terra, mas, quando era realmente necessário, um par de sapatos de qualidade não era algo que pudesse ser substituído apenas zanzando pelo espaço-tempo multidimensional.
Suspirou.
Paciência, era melhor tentar ver o lado bom da coisa. Pelo menos o sapato salvara a sua vida. Por enquanto.
Estava empoleirado em um parapeito de menos de trinta centímetros no décimo terceiro andar de um prédio e não tinha certeza se tudo aquilo valia um bom sapato. Aturdido, espreitou através dos vidros escuros.
Estava escuro e silencioso, como um túmulo.
Não. Aquilo era um pensamento ridículo. Já estivera em altas festas em túmulos.
Será que conseguiria detectar algum movimento? Não tinha certeza. Tinha a impressão de estar distinguindo uma estranha sombra de asas batendo. Talvez fosse apenas o sangue pingando sobre os seus cílios. Enxugou os olhos. Cara, adoraria ter uma fazenda em algum lugar, criar ovelhas. Espiou novamente pela janela, tentando distinguir a silhueta, mas tinha a sensação, tão comum no universo naqueles dias, de que estava diante de alguma ilusão de ótica e que os seus olhos estavam lhe pregando peças. Havia algum pássaro lá dentro? Era isso o que eles escondiam lá em cima, em um andar secreto, protegido por vidros escuros à prova de foguetes? O aviário de alguém? Havia, com certeza, alguma coisa batendo asas lá dentro, mas não parecia ser um pássaro, estava mais para um buraco no espaço no formato de um pássaro. Fechou os olhos, coisa que já estava querendo fazer há algum tempo, por sinal. Perguntava-se o que deveria fazer em seguida. Pular? Escalar? Não tinha como quebrar aquele vidro. Tudo bem, o vidro supostamente à prova de foguetes não conseguira suportar um foguete na prática, mas aquele tinha sido um foguete disparado a curtíssima distância vindo de dentro, o que provavelmente não era o que os engenheiros tinham em mente ao projetá-lo. Isso, contudo, não significava que ele fosse conseguir quebrar o vidro enrolando a toalha no punho e socando a janela. Que diabos, tentou assim mesmo e acabou machucando a mão. Ainda bem que não conseguira um bom impulso de onde estava, senão teria se machucado feio. O prédio tinha sido reforçado maciçamente quando foi reconstruído do zero após o ataque de Frogstar e era, possivelmente, a editora com a blindagem mais pesada naquele ramo, mas havia sempre algum ponto fraco em qualquer sistema projetado por um comitê corporativo. Já havia descoberto um deles. Os engenheiros que projetaram as janelas não esperavam que fosse atingida por um foguete a curta distância vindo de dentro, então a janela havia quebrado. Então o que os engenheiros teriam esperado que uma pessoa sentada no parapeito do lado de fora da janela pudesse fazer?