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"deixar alguém partir com uma certa relutância" não passava de um eufemismo educado para demiti-lo.

Começou a circular o boato de que talvez, apenas talvez, estivessem procurando um sotaque britânico. O cabelo, a cor da pele e a prótese dentária seriam de acordo com os padrões das emissoras americanas, mas havia muitos sotaques britânicos nos Estados Unidos agradecendo às suas mães na cerimônia do Oscar, sotaques britânicos cantando na Broadway e um público considerável acompanhando sotaques britânicos com perucas no Masterpiece Theatre. Sotaques britânicos contavam piadas no programa do David Letterman e no Jay Leno. Ninguém entendia as piadas, mas estavam gostando do sotaque, então talvez, apenas talvez, fosse a hora certa de inserir um sotaque britânico no Bom Dia Estados Unidos. E daí?

Era por isso que Tricia estava lá. Era por isso que adorar Nova York era uma boa estratégia para sua carreira.

Esse não era, é claro, o motivo oficial. A sua emissora de tevê no Reino Unido jamais teria bancado a passagem de avião e a conta do hotel para ela sair caçando emprego em Manhattam. Como ela estava procurando algo que pagasse umas dez vezes o seu salário atual, poderiam ter pensado que ela teria condições de se manter por conta própria. Então, ela arrumou uma história, arrumou um pretexto, ficou bem quieta quanto às suas pretensões e eles bancaram a viagem. Bilhete executivo, é claro, mas seu rosto já

era conhecido e ela conseguiu um upgrade com alguns sorrisos. Com jeitinho, ela conseguiu um bom quarto no Hotel Brentwood e lá estava ela, esquematizando o seu próximo passo.

Conhecer gente era uma coisa; fazer contatos era outra completamente diferente. Tinha alguns nomes, alguns telefones, mas tudo o que conseguira até o momento era ficar aguardando na linha por um tempo indeterminado algumas vezes. Estava de volta à estaca zero. Sondou aqui e ali, deixou alguns recados, mas, até o momento, ninguém havia retornado as suas ligações. O trabalho que ela disse que fora fazer tinha terminado em uma manhã; o trabalho dos seus sonhos brilhava hipnoticamente em um horizonte inalcançável.

Merda.

Pegou um táxi do cinema de volta para o Brentwood. O táxi não pôde deixá-la mais perto da calçada porque uma limusine gigantesca estava ocupando todo o espaço livre, de modo que ela teve de se espremer para ultrapassá-la. Saiu do ar fétido, com cheiro de cabra frita, e adentrou no abençoado frescor do lobby. O delicado algodão de sua blusa estava grudado como fuligem no seu corpo. O seu cabelo parecia algodão—

doce comprado em uma feirinha. Perguntou na recepção se tinha algum recado, desanimada. Havia um.

Humm...

Bom.

Tinha funcionado. Ela foi ao cinema especificamente para fazer com que o telefone tocasse. Não agüentava ficar sentada em um quarto de hotel esperando. Hesitou. Será que devia abrir o recado ali mesmo? Suas roupas estavam grudentas e ela queria se livrar delas e ficar deitada na cama. Deixara o ar—

condicionado ligado na temperatura mais baixa possível e com a maior ventilação possível. O que mais desejava no mundo naquele momento era ficar arrepiada de frio. Depois, um banho bem quente, seguido de um banho bem frio e depois ficar deitada só

de toalha na cama, deixando o corpo secar no ar—condicionado. Então leria o recado. Talvez mais arrepios. Talvez todo tipo de coisa.

Não. O que mais desejava no mundo era um emprego em uma rede de tevê

americana que pagasse dez vezes o seu salário atual. Mais do que qualquer outra coisa no mundo. No mundo inteiro. O que ela desejava mais do que qualquer outra coisa não existia mais.

Sentou—se em uma poltrona no lobby, sob uma palmeira kentia e abriu o pequeno envelope com uma abertura em papel celofane.

"Favor entrar em contato" — estava escrito. "Triste" — e um número de telefone. O nome da pessoa era Gail Andrews.

Gail Andrews.

Não era um nome pelo qual estivesse esperando. Foi pega de surpresa. Conseguia reconhecê-lo, mas não sabia o porquê. Seria a secretária de Andy Martin? A assistente de Hilary Bass? Martin e Bass eram os contatos mais importantes que fizera, ou tentara fazer, na NBS. E o que significava aquele "Triste"?

"Triste?"

Estava completamente passada. Seria Woody Alien tentando contatá-la usando um pseudônimo? O código de área era 212. Alguém de Nova York. Que estava triste. Bom, aquilo reduzia um pouco as possibilidades, não? Voltou até a recepção.

A mensagem que o senhor me entregou está um pouco estranha — disse ela. — Alguém que não conheço tentou me ligar e disse que estava triste. O recepcionista olhou para o recado e franziu a testa.

A senhora conhece essa pessoa? — perguntou ele.

Não — respondeu Tricia.

Hum — disse o recepcionista. — Parece que ela não está feliz com alguma coisa.

Pois é — concordou Tricia.

Parece que deixou o nome aqui — disse ele. — Gail Andrews. A senhora conhece alguém com esse nome?

Não — disse ela.

Você sabe por que ela não está feliz?

Não — respondeu Tricia.

Já tentou ligar para este telefone? Tem um número aqui.

Não — repetiu Tricia. — O senhor acabou de me dar esse recado. Estou tentando levantar mais informações antes de retornar a ligação. Seria possível falar com a pessoa que anotou o recado?

Humm — fez o recepcionista, analisando cuidadosamente o recado. —

Acho que não temos nenhuma Gail Andrews trabalhando aqui, não.

Sim, eu sei disso — disse Tricia. — Eu só...

Eu sou Gail Andrews.

A voz veio por trás de Tricia. Ela se virou.

Como?

Eu sou Gail Andrews. Você me entrevistou hoje cedo.

Ah. Ah, meu Deus, é verdade — disse Tricia, um pouco envergonhada.

Deixei um recado para você há algumas horas. Como não tive nenhuma resposta, resolvi vir até aqui. Não queria que nos desencontrássemos.

Ah, sim. Claro — disse Tricia, esforçando—se para entender logo o que estava acontecendo.

Estou um pouco confuso com isso — disse o recepcionista, para quem entender logo não era importante. — Você deseja que eu ligue para esse número agora?

Não, tudo bem, obrigada — disse Tricia. — Eu posso resolver isso sozinha.

Posso ligar para esse quarto aqui para você, se for ajudar — disse o recepcionista, olhando para o recado novamente.

Não, não vai ser necessário, obrigada — assegurou Tricia. — Esse número é do meu próprio quarto. O recado era para mim. Acho que já resolvemos isso, não?

Tenha um bom dia, então — disse o recepcionista.

Tricia não estava particularmente interessada em ter um bom dia. Estava ocupada demais para isso.

Também não queria conversar com Gail Andrews. Tinha limites bem definidos quanto a bater papo com os "cristãos". Seus colegas chamavam de cristãos as pessoas que ela entrevistava e costumavam se benzer quando os viam entrando inocentemente no estúdio para encarar Tricia, especialmente quando ela estava sorrindo calorosamente e mostrando os dentes.

Virou-se e deu um sorriso glacial, tentando definir o que ia fazer. Gail Andrews era uma quarentona bem cuidada. As suas roupas estavam dentro dos limites de um bom gosto caro, mas definitivamente amontoadas na parte mais extravagante dos limites. Ela era astróloga — famosa e, se os boatos eram de fato verdadeiros, influente, já tendo supostamente influenciado diversas decisões do falecido presidente Hudson, desde o sabor de cobertura que ele deveria colocar em suas sobremesas em cada dia da semana até a sua decisão de bombardear ou não Damasco. Tricia realmente havia pegado pesado com ela. Não sobre a veracidade das histórias sobre o presidente, aquilo já estava mais do que batido. Na época, Gail Andrews negara enfaticamente ter aconselhado o presidente Hudson em qualquer assunto além de questões pessoais, espirituais e dietéticas, o que, aparentemente, não tinha nada a ver com bombardear Damasco. ("NADA PESSOAL, DAMASCO!" alardearam os jornais na época.)