Os dez segundos após Trillian ter partido foram os mais longos da vida de Arthur Dent. O tempo, como sabemos, é relativo. Você pode viajar anos-luz pelas estrelas e, quando voltar, se o fizer na velocidade da luz, estará apenas alguns segundos mais velho, enquanto o seu irmão gêmeo terá envelhecido vinte, trinta, quarenta ou sei lá quantos anos, dependendo da distância da sua viagem.
Tudo isso pode ser um choque pessoal profundo, especialmente se você não sabia que tinha um irmão gêmeo. Os segundos durante os quais você esteve ausente não serão suficientes para prepará-lo para o choque de relacionamentos familiares novos e estranhamente estendidos ao voltar.
Um silêncio de dez segundos não foi suficiente para que Arthur pudesse reorganizar sua visão de si mesmo e de sua vida, de modo a incluir de repente uma filha absolutamente desconhecida de cuja mera existência ele sequer tinha tido a mais leve suspeita ao se levantar naquela manhã. Laços familiares profundos não podem ser construídos em dez segundos, não importa o quão distante ou o quão rápido você se distancie, e Arthur se sentia desesperado, aturdido e entorpecido ao contemplar a menina parada na sua porta olhando para o chão.
Imaginou que não fazia o menor sentido fingir que não estava desesperado. Foi até ela e a abraçou.
— Eu não amo você — disse ele. — Sinto muito. Nem conheço você ainda. Mas me dê alguns minutos.
"Vivemos em tempos estranhos.
Também vivemos em lugares estranhos: cada um em seu próprio universo. As pessoas com as quais populamos nossos universos são sombras de outros universos inteiros que se cruzam com o nosso. Ser capaz de vislumbrar essa complexidade desconcertante de recursividade infinita e dizer coisas como 'E aí, Ed! Belo bronzeado, hein? Como vai a Carol?' requer uma imensa habilidade seletiva que todas as entidades conscientes têm de desenvolver uma capacidade para se proteger da contemplação do caos que atravessam aos trancos e barrancos. Então não encha o saco do seu filho, tá?”(Trecho do livro Como ser pai em um universo fractalmente louco.)
— O que é isso?
Arthur estivera perto de desistir. Ou seja, ele não iria desistir. Não iria desistir de jeito nenhum. Nem agora nem depois. Mas, se fosse o tipo de pessoa que iria desistir de alguma coisa, provavelmente teria desistido naquele momento. Não satisfeita em ser mal—humorada, intratável, em estar o tempo todo querendo ir embora para brincar na era Paleozóica, em não entender por que a gravidade tinha que ficar ligada o tempo todo e em ficar gritando para que o sol não a seguisse, Random usara a faca de trinchar de Arthur para escavar pedras e as atirar nos pássaros pikka, que não paravam de olhar para ela.
Arthur nem sabia se Lamuella tinha tido uma era Paleozóica. Segundo o Velho Thrashbarg, o planeta fora descoberto completamente formado no umbigo de uma lacraia gigante às quatro e meia da tarde de uma vroon-feira, embora Arthur, sendo um experiente viajante galáctico, com boas notas em Física e Geografia, tivesse sérias dúvidas a respeito. Mas era inútil tentar discutir com o Velho Thrashbarg, e ele nem tinha motivos para isso.
Sentado, observando a faca lascada e retorcida nas mãos, suspirou. Iria amar Random mesmo que isso o matasse, ou a ela, ou a ambos. Ser pai não era nada fácil. Sabia que nunca disseram que seria, mas essa não era a questão, porque jamais quisera ser pai, para começar.
Estava fazendo o melhor que podia. Sempre que tinha um minuto de folga no preparo dos sanduíches, passava tempo com ela, conversando, caminhando, sentado em uma colina com ela ao seu lado, vendo o sol se pôr por trás do vale onde ficava a cidade, tentando descobrir algo sobre a vida dela, tentando explicar a sua. Era complicado. Tirando os genes praticamente idênticos, não tinham quase nada em comum. Ou melhor, tinham apenas uma Trillian em comum, de quem tinham impressões um tanto quanto diferentes.
— O que é isso?
Percebeu subitamente que a menina estava falando com ele e sequer percebera. Ou melhor, não reconhecera a voz dela.
Em vez do tom de voz que geralmente usava com ele, amargo e agressivo, estava apenas fazendo uma pergunta.
Ele olhou em volta, surpreso.
Estava sentada num banquinho, no canto da cabana, com a sua típica postura encurvada, os joelhos grudados, os pés virados para fora e o cabelo negro caído sobre o rosto, enquanto examinava algo que tinha nas mãos.
Arthur foi até ela, um pouco tenso.
As suas mudanças de humor eram muito imprevisíveis, mas, até agora, todas haviam sido variações entre diferentes tipos de mau humor. Surtos de recriminação rancorosos se transformavam, sem aviso prévio, em autopiedade miserável, ao que se seguiam demorados acessos de desespero taciturno, pontuados com ataques súbitos de violência sem sentido contra objetos inanimados e com pedidos para ir a clubes elétricos.
Não só não havia clubes elétricos em Lamuella como não havia nenhum outro tipo de clube. Nem mesmo tinham eletricidade. Havia uma ferraria, uma padaria, algumas carroças e um poço, mas isso era o ápice da tecnologia lamuellana, e a maioria dos acessos de raiva inextinguíveis de Random eram dirigidos contra o total e incompreensível atraso do lugar.
Ela conseguia captar a rede subeta no pequeno painel Flexotrônico que tinha implantado cirurgicamente no seu punho, mas isso não a animava nem um pouco, porque a rede estava cheia de notícias de coisas insanamente empolgantes que aconteciam em todos os lugares da Galáxia, menos ali. E a rede também lhe trazia notícias freqüentes de sua mãe, que a abandonara para cobrir uma guerra que, ao que parecia, não tinha sequer ocorrido ou, no mínimo, tinha dado muito errado pela falta de dados de inteligência. Fora isso, tinha acesso a programas de aventuras que mostravam diversas naves espaciais fantasticamente caras chocando—se umas contra as outras. Os lamuellanos ficavam totalmente hipnotizados com aquelas maravilhosas imagens mágicas que piscavam em seu punho. Só haviam visto uma nave espacial colidindo e a coisa fora tão assustadora, violenta, chocante e causara tanta devastação, incêndios e mortes que, estupidamente, jamais haviam se dado conta de que aquilo era entretenimento.
O Velho Thrashbarg ficou tão impressionado com aquilo que vira Random instantaneamente como uma emissária de Bob, mas pouco depois decidiu que ela, na verdade, havia sido mandada para testar a sua fé e talvez a sua paciência. Também ficara preocupado com a quantidade de colisões de naves espaciais que teria de começar a incluir em suas histórias sagradas se quisesse segurar a atenção dos aldeões, evitando que saíssem correndo toda hora para dar uma espiada no punho da menina. Naquele momento, ela não estava espiando o seu punho, que estava desligado. Arthur sentou—se ao lado dela em silêncio, para ver o que ela estava examinando. Era o seu relógio. Havia tirado para tomar banho na cachoeira local, Random o encontrara e estava tentando entender como funcionava.
—
É só um relógio — disse ele. — Serve para dizer a hora.
—
Eu sei disso — respondeu ela. — Mas você vive mexendo nele e mesmo assim ele não informa a hora exata. Não chega nem perto. Ela ligou o display do seu painel de punho, que automaticamente informou a hora local. Já nos primeiros minutos da chegada de Random o painel começara a medir a gravidade local e o momento orbital, e observou a posição do sol, rastreando seu percurso no céu. Usou o meio ambiente para reunir algumas pistas, depois estabeleceu as convenções de unidades locais e fez as devidas alterações. Ele costumava fazer essas coisas continuamente, o que era especialmente útil para pessoas que viajavam tanto no tempo quanto no espaço.