Havia algo de errado com aqueles bosques, contudo.
Não sabia dizer de imediato o que era, mas não pareciam bosques alegres e saudáveis à espera de uma boa primavera. As árvores se retorciam em ângulos repulsivos e tinham uma aparência pálida, maléfica. Mais de uma vez, Random teve a preocupante sensação de que estavam tentando agarrá-la enquanto passava, mas era somente uma ilusão causada pela luz da sua lanterna, que fazia com que as sombras piscassem e se movessem.
De repente, alguma coisa caiu de uma das árvores à sua frente. Saltou para trás, assustada, deixando cair a lanterna e o pacote. Agachou-se devagar, tirando a pedra especialmente afiada do bolso.
A coisa que caíra da árvore estava se mexendo. A lanterna estava no chão, virada para a coisa, e uma sombra imensa e grotesca se movia lentamente sob a luz na direção de Random. Podia ouvir um leve ruído de algo farfalhando e chiando acima do constante som sibilante da chuva. Tateou o chão, em busca da lanterna, encontrou-a e apontou-a diretamente para a criatura.
Naquele exato momento, outra criatura despencou de uma árvore a apenas alguns metros de Random. Ela apontou a lanterna, aflita, de uma criatura para a outra. Segurava a pedra com o braço levantado, prestes a arremessá-la. As criaturas eram bem pequenas, para falar a verdade. O ângulo da luz era que as fazia parecer tão grandes. E não eram apenas pequenas: eram peludas e fofinhas. Mais uma despencou e caiu bem no meio da luz. Então Random pôde observá-la claramente.
Foi uma queda perfeita e precisa. A criatura se virou e então, assim como as outras duas, pôs-se a avançar, lentamente e com determinação, para cima de Random. Ela permaneceu parada no mesmo lugar. Continuava com a pedra a postos, pronta para ser lançada, mas a cada segundo ficava mais consciente de que estava com a pedra a postos, pronta para ser lançada em esquilos. Ou, pelo menos, pareciam ser esquilos. Criaturas delicadas, afetuosas, fofinhas e parecidas com esquilos, que avançavam em sua direção de uma forma que a deixava tensa.
Virou a luz diretamente para o primeiro do trio. Ele estava soltando grunhidos agressivos e valentes, e carregava, em um de seus pequenos punhos, um farrapo de pano cor-de-rosa úmido. Random o ameaçou, mostrando a pedra, mas ela foi ignorada pelo esquilo que avançava com o pedaço de pano molhado.
Deu um passo para trás. Não fazia a menor idéia de como lidar com uma situação daquela. Se fossem feras malvadas, rosnando, babando e exibindo presas faiscantes, teria avançado sobre elas com vontade, mas esquilos se comportando daquela maneira era algo com o qual não sabia lidar.
Deu outro passo para trás. O segundo esquilo estava começando a executar uma manobra para cercá-la pelo lado direito. Carregando um copo. De noz de carvalho. O terceiro estava logo atrás, fazendo sua própria manobra. O que estava carregando?
Um recorte de papel encharcado, pensou Random.
Deu mais um passo para trás, bateu com o calcanhar na raiz de uma árvore e caiu de costas no chão.
Na mesma hora, o primeiro esquilo correu para cima dela, subindo pela sua barriga com ódio no olhar e o pedaço de pano molhado no punho. Random tentou levantar, mas só conseguiu se erguer um centímetro. O
movimento assustado do esquilo na sua barriga fez com que ela se assustasse também. O esquilo ficou paralisado de medo, agarrando a pele de Random através da camisa molhada com suas microgarras. Então, bem devagarzinho, centímetro por centímetro, ele conseguiu subir pelo corpo todo, parou e ofereceu o pano a ela. Random estava praticamente hipnotizada com a estranheza da criatura e os seus minúsculos olhinhos expressivos. Tornou a lhe oferecer o pano. Empurrava repetidamente, guinchando sem parar, até que, por fim, nervosa e hesitante, Random o apanhou. Ele continuou a olhá-la, concentradíssimo, os olhos pregados nela. Random não sabia o que fazer. Chuva e lama escorriam pelo seu rosto e havia um esquilo sentado em sua barriga. Decidiu limpar um pouco da sujeira em seus olhos com o pano. O esquilo soltou um guincho, triunfante, apanhou o pano de volta, saltou de cima dela, fugiu precipitadamente noite adentro, subiu em disparada numa árvore, mergulhou em um buraco no tronco, se acomodou e acendeu um cigarro. Enquanto isso, Random estava tentando espantar o esquilo que trazia o copo de noz de carvalho cheio de chuva e o outro, que trazia um pedaço de papel. Recuou, ainda sentada, arrastando a bunda no chão.
—
Não! — gritou ela. — Sumam daqui!
Eles recuaram, assustados, e depois avançaram novamente para ela com os seus presentinhos. Random sacudiu a pedra.
—
Sumam! — berrou ela.
Os esquilos começaram a correr de um lado para outro, consternados. Então um deles avançou sobre ela, depositou o copo de carvalho no seu colo, virou-se e fugiu para dentro da noite. O outro ficou parado, tremendo, por alguns segundos, e depois colocou o pedaço de papel cuidadosamente diante dela e desapareceu também. Estava sozinha novamente, mas trêmula e confusa. Levantou-se desajeitadamente, apanhou sua pedra e seu pacote, depois fez uma pausa e decidiu pegar o pedaço de papel também. Estava tão encharcado e dilapidado que era difícil distinguir o que era. Parecia um fragmento de uma revista de bordo.
Enquanto Random tentava entender exatamente o que tudo aquilo significava, um homem surgiu na clareira onde ela estava parada, levantou uma arma pavorosa e atirou em sua direção.
Arthur estava se arrastando desesperadamente uns três ou quatro quilômetros atrás dela, na parte alta da colina.
Alguns minutos após a sua partida, tivera de voltar para buscar uma lanterna. Não a elétrica, pois a única disponível era a que Random levara consigo. A que sobrara era uma espécie de lampião fraquinho: uma lata de metal perfurada da ferraria de Strinder, que continha um pouco de óleo de peixe inflamável, tinha um pavio de grama seca trançada e estava envolta em um filme translúcido feito com membranas secas dos intestinos de uma Besta Perfeitamente Normal.
Já havia se apagado.
Arthur sacudiu inutilmente o lampião de tudo quanto foi jeito por alguns segundos. Obviamente, não havia a menor possibilidade de recuperar a chama perdida no meio de um temporal, mas não custava nada tentar um esforço simbólico. Relutante, ele jogou fora o lampião.
O que fazer? Era um esforço em vão. Estava absolutamente encharcado, suas roupas estavam pesadas e encharcadas de chuva e, para completar, estava perdido na escuridão.
Por um breve segundo ficou perdido em uma luz cegante; agora estava perdido no escuro novamente.
O clarão do relâmpago pelo menos mostrou que ele estava bem próximo do cume da montanha. Quando alcançasse o cume, ele iria... bom, não estava certo do que iria fazer. Ia pensar quando chegasse lá.
Continuou mancando, para a frente e avante.
Alguns minutos depois chegou ao topo, ofegante. Havia uma luz bem fraca adiante. Não fazia idéia do que poderia ser e, para falar a verdade, não queria nem imaginar. Mas era a única direção que tinha para seguir, então continuou o seu caminho, cambaleante, perdido e assustado, na direção da luz.
O brilho de luz letal passou direto por Random e, uns dois segundos depois, o homem que disparara contra ela fez o mesmo. Sequer pareceu notá-la. Tinha atirado em alguém que estava atrás dela e, quando Random se virou para ver o que era, ele estava ajoelhado sobre o corpo, vasculhando os bolsos de sua vítima. A cena congelou e desapareceu. Foi substituída, um segundo depois, pela imagem de duas fileiras de dentes gigantes, emoldurados por imensos lábios vermelhos, perfeitamente brilhosos. Uma enorme escova de dentes azul apareceu do nada e começou a escovar, fazendo bastante espuma, os dentes que continuavam brilhando na cintilante cortina da chuva.