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Random não era a pessoa mais indicada para se avançar em cima em uma noite escura, ainda por cima estressada do jeito que ela estava. Inconscientemente, estava cutucando a pedra em seu bolso desde o momento em que viu a nave aterrissar. Ainda correndo, se arrastando, tropeçando e chocando-se contra árvores, Arthur acabou percebendo que já era tarde demais. A nave pousara há uns três minutos, mas já estava levantando vôo novamente, silenciosa, graciosa, passando acima do bosque e manobrando suavemente através da chuva fina em que se transformara o temporal — subindo, subindo, empinando a proa e, sem fazer nenhum esforço, sumindo em meio às nuvens.

Tinha partido. Random estava lá dentro. Arthur obviamente não tinha como ter certeza, mas ainda assim tinha certeza. Ela havia partido. Tivera uma chance de ser pai e não podia acreditar em quão mal se saíra. Tentou continuar a correr, mas os seus pés estavam se arrastando, o seu joelho doía furiosamente e ele sabia que era tarde demais. Tinha certeza de que não podia se sentir mais infeliz e desgraçado do que aquilo, mas estava enganado.

Foi capengando até a caverna onde Random se abrigara e abrira a caixa. O

chão ainda exibia as marcas da nave que aterrissara alguns minutos antes no local, mas não havia nenhum traço de Random. Perambulou desconsolado pela caverna, encontrou a caixa vazia e pilhas de bolinhas feitas com matéria perdida espalhadas pelo chão. Ficou um pouco irritado com aquilo. Tinha tentado ensinar a ela que devia arrumar as coisas após usá-las. Sentir-se um pouco irritado com ela por causa de algo assim ajudou-o a ficar menos desolado com a sua partida. Sabia que não tinha como encontrála. O seus pés colidiram com algo inesperado. Inclinou-se para ver o que era e ficou absolutamente surpreso. Era o seu velho Guia do Mochileiro das Galáxias. Como tinha ido parar na caverna? Arthur jamais voltara até o local da queda para recuperá-lo. Não queria ter de revisitar o local do acidente e não queria mais o Guia. Tinha a intenção de permanecer em Lamuella, fazendo sanduíches, para sempre. Como é que ele fora parar lá? Estava ligado. Na capa, as palavras NÃO ENTRE EM PÂNICO piscavam para ele.

Saiu da caverna novamente, sob a luz fraca e encharcada da lua. Sentou-se em uma pedra para dar uma olhada no velho Guia e foi então que descobriu que não era uma pedra, mas uma pessoa.

CAPÍTULO 18

Arthur deu um pulo, assustado. Era difícil dizer o que o assustava mais: a possibilidade de ter machucado a pessoa na qual inadvertidamente se sentara ou a possibilidade de que a pessoa na qual inadvertidamente se sentara fosse machucá-lo. A princípio, após uma breve inspeção, concluiu que não havia nenhuma causa imediata para alarme no que dizia respeito à segunda hipótese. A pessoa na qual sentara, fosse quem fosse, estava inconsciente. Aquilo provavelmente ajudava a explicar o que ela estava fazendo deitada ali. Parecia estar respirando bem. Arthur sentiu o pulso do sujeito. Também estava bem.

Estava deitado de lado, um pouco encolhido. A última vez que Arthur prestara primeiros socorros estava tão longe no tempo e no espaço que ele realmente não conseguia lembrar o que devia fazer numa situação daquelas. A primeira coisa que devia fazer, recordou ele, era ter um kit de primeiros socorros à mão. Droga. Será que deveria deitar o sujeito de barriga para cima ou não? E se ele tivesse alguma fratura? E se tivesse engolido a língua? E se decidisse processá-lo? Quem, antes de tudo, era aquela pessoa?

Foi então que o sujeito inconsciente gemeu alto e se virou de barriga para cima. Arthur não sabia se ele deveria...

Olhou para o sujeito.

Olhou novamente.

Olhou para o sujeito mais uma vez, só para ter certeza absoluta. Apesar de estar certo de que não era possível se sentir pior do que já estava, sentiu um enorme desânimo.

O sujeito gemeu de novo e abriu os olhos lentamente. Demorou um pouco para enxergar alguma coisa direito, depois piscou e enrijeceu o corpo.

Você! — exclamou Ford Prefect.

Você! — exclamou Arthur Dent.

Ford voltou a gemer.

O que você precisa que eu explique desta vez? — perguntou ele, fechando os olhos, em desespero.

Cinco minutos depois, Ford estava sentado, esfregando o lado da cabeça onde havia um galo bem grande.

Quem diabos era aquela mulher? — perguntou ele. — Por que estamos cercados por esquilos e o que eles querem?

Esses esquilos encheram a minha paciência a noite toda — respondeu Arthur. — Ficam tentando me dar revistas e coisas assim.

Ford franziu a testa.

— Sério?

E pedaços de pano. Ford raciocinou.

Ahn — disse ele. — Estamos perto do local onde sua nave caiu?

Estamos — respondeu Arthur, um pouco ríspido.

Deve ser isso, então. Acontece. Os robôs de cabine da nave são destruídos. As mentes cibernéticas que os controlam sobrevivem e começam a infectar a vida selvagem local. Podem transformar um ecossistema inteiro em uma indústria de prestadores de serviço inútil, oferecendo toalhinhas quentes e drinques para todo mundo que passar por perto. Devia existir uma lei contra isso. Provavelmente existe. Provavelmente existe também uma lei contra ter uma lei contra isso, assim fica tudo resolvido. Certo. O que você disse?

Eu disse: e a mulher é minha filha.

Ford parou de esfregar a cabeça.

Repete.

Eu disse — repetiu Arthur, irritado — que a mulher é minha filha.

Eu não sabia que você tinha uma filha.

Bom, provavelmente há muitas coisas a meu respeito que você não sabe

— disse Arthur. — Para falar a verdade, provavelmente também há muitas coisas a meu respeito que eu não sei.

Ora, ora, ora. Quando foi que isso aconteceu?

Não sei direito.

Isso sim é bem a sua cara — disse Ford. — Existe uma mãe na parada?

Trillian.

Trillian? Eu não achei que...

Não. Olha, é um pouco constrangedor...

Eu me lembro que uma vez ela me disse por alto que tinha uma filha. Falo com ela de tempos em tempos. Mas nunca a vi com a menina. Arthur não disse nada.

Ford recomeçou a esfregar a mão na cabeça, um pouco confuso.

Tem certeza de que aquela era sua filha? — perguntou ele.

Me conte o que aconteceu.

Ih... é uma longa história. Eu estava vindo buscar o pacote que mandei para mim, aos seus cuidados...

Bom, e o que era aquilo, afinal?

Eu acho que pode ser algo inimaginavelmente perigoso.

E você mandou pra mim? — reclamou Arthur.

Foi o lugar mais seguro em que consegui pensar. Achei que pudesse confiar na sua capacidade de ser absolutamente chato e não abrir o pacote. Enfim, como cheguei à noite, não estava conseguindo encontrar o tal vilarejo. Estava me virando com informações bem básicas. Não encontrei nenhuma sinalização. Acho que vocês não têm sinalização nenhuma por aqui.

É por isso que eu gosto daqui.

Aí, captei um sinal bem fraco do seu velho Guia, então segui nessa direção, pensando que ia me levar até você. Percebi que tinha aterrissado em uma espécie de bosque. Não conseguia entender direito o que estava acontecendo. Saí da nave e me deparei com essa mulher, parada ali. Fui até ela para dizer oi e de repente vi que ela estava com o negócio na mão!

Que negócio?