A coisa que eu mandei para você! O novo Guia. O tal pássaro! você tinha que ter guardado direito, seu idiota, mas a mulher estava com ele sobre o ombro. Eu parti para cima e ela me deu uma pedrada na cabeça.
—
Entendi — disse Arthur. — E o que você fez?
—
Ué, caí no chão, é claro. Me machuquei feio. Ela e o pássaro começaram a se dirigir para a minha nave. E quando eu digo minha nave estou me referindo a uma RW6.
—
Uma o quê?
—
Uma RW6, pelo amor de Zarquon. O meu cartão de crédito e o computador central do Guia estão se relacionando muito bem ultimamente. Você não ia acreditar nessa nave, Arthur, ela é...
—
Então a RW6 é uma nave?
—
É! É uma... ah, deixa pra lá. Olha, pega leve, Arthur! Ou, pelo menos, pega um catálogo. Nesse momento, eu fiquei bastante preocupado. E, acho eu, com uma semiconcussão. Estava de joelhos, sangrando em profusão e, então, fiz a única coisa que me veio à cabeça, que era implorar. Eu disse, por favor, não leve a minha nave. E não me abandone encalhado no meio de uma floresta primitiva, sem ajuda médica e com um ferimento na cabeça. Eu poderia estar correndo um sério perigo e ela também.
—
E o que ela disse?
—
Ela me deu outra pedrada na cabeça.
—
Acho que posso confirmar que essa era mesmo a minha filha.
—
Um amor de menina.
—
Você precisa conhecê-la melhor — disse Arthur.
—
Por que, ela fica mais mansa?
—
Não — respondeu Arthur —, mas você aprende a hora de desviar. Ford suspendeu a cabeça e tentou enxergar direito.
O céu estava começando a clarear a oeste, que era onde nascia o sol. Arthur não estava particularmente interessado em vê-lo. A última coisa que queria após uma noite infernal como aquela era um glorioso dia nascendo e se intrometendo na história.
—
O que você está fazendo em um lugar desses, Arthur? — perguntou Ford.
—
Bom — disse Arthur —, basicamente, estou fazendo sanduíches.
—
Hein?
—
Eu sou, ou provavelmente era, o Fazedor de Sanduíches de uma pequena tribo. Era um pouco constrangedor, para falar a verdade. Quando eu cheguei, isto é, no dia em que eles me resgataram dos escombros da tal nave espacial de última geração que caiu neste planeta, eles foram muito legais comigo e eu achei que devia fazer alguma coisa para ajudar. Você sabe, recebi uma boa educação, venho de uma cultura de tecnologia avançada, poderia ensinar algumas coisas para eles. Mas, é claro, não consegui. Na hora do vamos ver, descobri que não faço a menor idéia de como as coisas funcionam. E não estou falando de videocassetes, pois ninguém sabe mexer neles mesmo. Estou falando de coisas como uma caneta, um poço artesiano, algo assim. Não tenho a menor idéia. Não podia ajudar em nada. Um dia, estava muito desanimado e resolvi fazer um sanduíche para mim. E isso os deixou incrivelmente animados. Nunca haviam visto um antes. Era uma idéia que jamais lhes tinha ocorrido e eu, por acaso, gosto de fazer sanduíches, então a coisa meio que começou assim.
—
E você gostava disso?
—
Ah, sim, acho que eu gostava, sim. Possuir um bom conjunto de facas, essas coisas.
—
Você não achava, por exemplo, devastadoramente, explosivamente, incrivelmente, dolorosamente chato?
—
Bem, ah, não. Nem tanto. Não era doloroso.
—
Que estranho. Eu acharia.
—
Bom, acho que temos pontos de vista diferentes.
—
Po is é.
—
Como os pássaros pikka.
Ford não fazia a menor idéia do que ele estava falando e não estava com saco para perguntar. Em vez disso, disse:
—
Então, como é que a gente faz para dar o fora desse lugar?
—
Bom, acho que a maneira mais simples seria seguir o vale até as planícies, o que provavelmente levaria uma hora, e depois continuar seguindo. Acho que não consigo encarar a idéia de ter que voltar por onde eu vim.
—
Continuar seguindo para onde?
— Ué, de volta para o vilarejo, não? — Arthur suspirou, um pouco melancólico.
—
Não quero ir para nenhuma droga de vilarejo! — interrompeu
Ford. — Temos que dar o fora daqui!
—
Onde? Como?
—
Sei lá, me diz você. Você mora aqui! Deve haver alguma maneira de sair desse planeta idiota.
—
Eu não sei. O que você costuma fazer? Fica sentado esperando uma nave espacial passar, não é?
—
Ah, sim... E quantas naves espaciais visitaram esse antro de pulgas esquecido por Zarquon, recentemente?
—
É... há alguns anos, a minha nave caiu aqui por engano. Depois teve a da Trillian, depois a entrega do pacote, agora a sua e...
—
Sim, mas além dos suspeitos de sempre?
—
Bom, ah, acho que basicamente nenhuma, até onde sei. É bem
pacato por aqui.
Como se para desmenti-lo de propósito, um trovão soou bem alto ao longe. Ford pulou, sobressaltado, e começou a caminhar para a frente e para trás na luz fraca e dolorosa daquele início de madrugada, que rasgava o céu como se alguém tivesse arrastado um pedaço de fígado sobre ele.
—
Você não entende como isso é importante — disse ele.
—
O quê? O fato de a minha filha estar sozinha, solta pela Galáxia? Você
acha que eu não...
—
Podemos ter pena da Galáxia depois? — zombou Ford. — Isso é muito, muito sério mesmo. Assumiram o controle do Guia. Ele foi comprado. Arthur reagiu.
—
Ah, muito sério — gritou ele. — Por favor, me inteire o mais rápido possível sobre questões de política corporativa das editoras! Você nem faz idéia de como tenho pensado nisso!
—
Você não entende! Existe um Guia completamente novo!
—
Ah! — gritou Arthur. — Ah! Ah! Ah! É emoção demais para mim! Mal posso esperar que ele seja lançado para descobrir quais os portos espaciais mais empolgantes para se ficar entediado zanzando por um aglomerado globular do qual nunca ouvi falar. Por favor, vamos correndo à loja mais próxima para comprá-lo imediatamente?
Ford apertou os olhos.
—
É isso que vocês chamam de sarcasmo, não é?
—
Sabe que eu acho que é, sim? — berrou Arthur. — Eu realmente acho que isso pode ser o negócio maluco chamado sarcasmo, infiltrando-se pelas beiradas de minha fala educada! Ford, eu tive uma noite infernal! Será que dá para levar isso em consideração enquanto você fica aí bolando com quais basbaquices triviais estapafúrdias e inconseqüentes irá me bombardear em seguida?
—
Tenta descansar — disse Ford. — Eu preciso pensar.
—
Por que você precisa pensar? Não podemos ficar aqui sentados, fazendo budumbudumbudumbudum com a boca um pouquinho? Não dá para babarmos um pouquinho e nos balançarmos para a esquerda um pouquinho? Eu não agüento mais, Ford! Não agüento mais ter que pensar e resolver coisas. Você pode até pensar que eu estou aqui tendo um chilique...
—
Não tinha pensado nessa hipótese.
—
...mas é sério! De que adianta? Nós achamos que toda vez que fazemos alguma coisa sabemos quais serão as conseqüências, isto é, sabemos mais ou menos o que esperamos que sejam. E isso, algumas vezes, não é apenas incorreto. É
desvairadamente, loucamente, estupidamente, cegamente errado!
—
É exatamente disso que eu estou falando.
—
Obrigado — disse Arthur, sentando—se novamente. — O quê?
—
Engenharia reversa temporal.
Arthur colocou as mãos na cabeça e balançou—a lentamente de um lado para o outro.