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Não, aquilo era peixe pequeno perto das perguntas que Tricia preparara sobre a questão da astrologia em si. A Sra. Andrews não estava exatamente preparada para aquilo. Tricia, por outro lado, não estava exatamente preparada para um segundo round no lobby do hotel. O que fazer?

Posso esperá-la no bar, se precisar de um tempinho – sugeriu Gail Andrews. — Mas gostaria de conversar com você e estou indo embora hoje à noite. Ela parecia um pouco aflita, mais do que magoada ou irada.

O.k. — respondeu Tricia. — Me dá uns dez minutinhos.

Subiu para o quarto. Antes de mais nada, confiava tão pouco na capacidade do sujeito da recepção para lidar com uma coisa tão complicada como um recado que precisava se certificar se havia algum outro debaixo da porta. Não seria a primeira vez em que os recados da recepção e os debaixo da porta discordariam completamente um do outro.

Não havia nada.

Mas uma luz no telefone estava piscando.

Ela apertou o botão de recados e foi transferida para a operadora do hotel.

Você tem uma mensagem de Gary Andress — disse ela.

Pois não — disse Tricia. Um nome desconhecido. — Qual é?

Traste — disse ela.

Como é que é? — perguntou Tricia.

Traste. É o que está escrito aqui. O sujeito diz que é um traste. Acho que queria que você soubesse disso. Quer que eu passe o telefone?

Assim que a telefonista começou a ditar o número, Tricia percebeu subitamente que aquela era apenas uma versão deturpada do recado anterior.

Está bem, está bem — disse ela. — Mais algum recado pra mim?

Qual o número do quarto?

Tricia não conseguia compreender por que a operadora decidira perguntar o número do quarto àquela altura da conversa, mas respondeu assim mesmo.

Qual o seu nome?

McMillan, Tricia McMillan — soletrou, pacientemente.

Não é o Sr. MacManus?

Não.

Acabaram seus recados. — Click.

Tricia suspirou e discou novamente. Desta vez, disse o número do quarto e o seu nome novamente, de cara. A operadora não demonstrou o menor indício de lembrar que haviam acabado de se falar há dez segundos.

Estarei no bar — explicou Tricia. — No bar. Se aparecer alguma ligação para mim, a senhora pode pedir, por gentileza, que transfiram para o bar?

Qual o seu nome?

Repetiram tudo novamente, até Tricia ter certeza absoluta de que tudo que eventualmente poderia ser esclarecido havia sido tão esclarecido quanto possivelmente pudesse ser.

Tomou uma ducha, colocou roupas limpas e retocou a maquiagem com a rapidez de uma profissional. Suspirou ao olhar para a sua cama e saiu do quarto. Chegou a pensar em sair de fininho e se esconder.

Não. Que nada.

Olhou—se no espelho do hall enquanto esperava o elevador. Parecia tranqüila e no comando da situação; se conseguia enganar a si mesma, conseguia enganar qualquer um.

Bastava ser dura com Gail Andrews. Tudo bem, pegara pesado com ela. Sentia muito, mas era parte do jogo — essas coisas. Gail concordara em dar a entrevista porque estava prestes a lançar um livro novo, e exposição na tevê era publicidade gratuita. Mas tudo na vida tem um preço. Não, ia cortar aquela parte. O que tinha acontecido era o seguinte:

Na semana anterior, astrônomos anunciaram que haviam finalmente descoberto um décimo planeta, bem longe, além da órbita de Plutão. Há anos procuravam por ele, guiados por determinadas anomalias orbitais nos planetas mais externos e, agora que haviam encontrado, estavam incrivelmente felizes e todos estavam incrivelmente contentes por eles e etc. e tal. O planeta foi batizado de Perséfone, mas rapidamente ganhou o apelido de Rupert, por causa do papagaio de um dos astrônomos — havia uma bela história tediosamente sentimental por trás disso tudo —, e aquilo era lindo e maravilhoso.

Tricia acompanhara os acontecimentos com muito interesse, por vários motivos.

Então, quando estava procurando uma boa desculpa para viajar para Nova York às custas de sua emissora, um press-release sobre o novo livro de Gail Andrews, Você e os seus planetas, chamou sua atenção.

Gail Andrews não era muito conhecida na Inglaterra, mas bastava mencionar o presidente Hudson, cobertura para doce e a amputação de Damasco (o mundo havia evoluído desde os ataques com precisão cirúrgica — o termo oficial havia sido

"Damascotomia", significando a "remoção" de Damasco), que todo mundo sabia de quem se tratava.

Tricia percebeu que havia uma brecha e convenceu seu produtor. Com certeza a idéia de que blocos gigantescos de pedra rodopiando no espaço poderiam saber algo a respeito do seu dia que você mesmo não sabe deve ter sido impactado com a descoberta súbita de um novo bloco de pedra que ninguém conhecia. Isso deve ter invalidado alguns cálculos, certo?

E todos aqueles mapas astrais, movimentações planetárias e etc. e tal? Todos nós sabemos (a princípio) o que acontece quando Netuno está em Virgem e por aí vai, mas o que será que acontece quando Rupert está em ascendência? Será que a astrologia como um todo não teria de ser repensada? Quem sabe não fosse uma boa hora para admitir que aquilo tudo não passava de uma baboseira e se dedicar à criação de porcos, cujos princípios eram, ao menos, baseados em fundamentos racionais? Se soubéssemos da existência de Rupert há três anos, será que o presidente Hudson teria comido calda de chocolate às quintas—feiras em vez de às sextas? Será que Damasco ainda estaria de pé? Esse tipo de coisa.

Gail Andrews aceitara tudo numa boa. Estava começando a se recuperar do primeiro ataque quando cometeu o erro de tentar enrolar Tricia com uma conversa fiada sobre arcos diurnos, ascensões diretas e algumas das áreas mais obscuras da trigonometria tridimensional.

Ficou chocada ao descobrir que Tricia rebatia todas as suas frases com mais efeito do que ela podia enfrentar. Ninguém avisara a Gail que ser uma perua de televisão representava, para Tricia, uma segunda oportunidade de ser alguém na vida. Por trás da sua maquiagem Chanel, seu coupe sauvage e suas lentes de contato azuis cristalinas havia um cérebro que havia adquirido, em uma fase antiga e abandonada da sua vida, um respeitável diploma em matemática e um doutorado em astrofísica. Ao entrar no elevador, Tricia percebeu que estava levemente preocupada por ter esquecido a bolsa no quarto e pensou se devia voltar depressa e apanhá-la. Não. Provavelmente estaria mais segura lá dentro e, de qualquer forma, não havia nada na bolsa que ela estivesse precisando. Deixou a porta fechar—se atrás de si. Além do mais, repetiu para si mesma, respirando fundo, se havia uma coisa que a vida a ensinara era isso: nunca volte para buscar sua bolsa. Enquanto o elevador descia, ela olhou para o teto com uma certa obstinação. Qualquer pessoa que não conhecesse bem Tricia McMillan teria dito que era exatamente daquele jeito que as pessoas às vezes olham para cima quando querem conter as lágrimas. Ela devia estar observando a minúscula câmera de segurança montada no teto. Saiu do elevador com passos enérgicos e dirigiu—se novamente à recepção.