Arthur contemplou o mar de animais enfurecidos, esforçando-se para tentar ver para onde estavam indo, mas não havia nada além de uma bruma de calor.
—
Tá conseguindo enxergar alguma coisa? — perguntou a Ford.
—
Não. — Ford virou para olhar para trás, tentando ver se conseguia alguma pista de onde haviam vindo. Nada.
Arthur gritou para Thrashbarg lá atrás.
—
Você sabe de onde eles vêm? — gritou ele. — Ou para onde estão indo?
—
O domínio do Rei! — gritou Thrashbarg de volta.
—
Rei? — gritou Arthur, surpreso. — Que Rei? — A Besta Perfeitamente Normal balançava e sacudia sem parar debaixo dele.
—
Como assim, que Rei? — perguntou o Velho Thrashbarg. — O Rei.
—
Ê que você nunca mencionou um Rei — gritou Arthur, um tanto quanto espantado.
—
O quê? — perguntou o Velho Thrashbarg. As batidas de milhares de cascos tornavam difícil ouvir qualquer coisa, e ele estava concentrado no que estava fazendo.
Ainda segurando o pássaro no alto, Thrashbarg conduziu a Besta lentamente até que ela se virasse e ficasse novamente emparelhada com a movimentação do seu bando gigantesco. Avançou um pouco mais. A Besta o seguiu. Avançou novamente. A Besta o seguiu novamente. Por fim, já estava se movendo por conta própria.
—
Eu disse que você nunca mencionou um Rei! — repetiu Arthur.
—
Eu não disse um Rei — gritou o Velho Thrashbarg —, eu disse o Rei. Recolheu o braço e depois estendeu—o com toda a força, lançando o pássaro pikka no ar, acima da horda. Isso pareceu pegar o pássaro pikka completamente de surpresa, já que ele, obviamente, não estava prestando atenção nenhuma ao que estava acontecendo. Levou alguns segundos para entender o que estava se passando; então abriu as asas e voou.
—
Vá! — gritou Thrashbarg. — Vá encontrar o seu destino, Fazedor de Sanduíches!
Arthur não estava tão certo de que queria encontrar o seu destino daquela forma. Queria apenas chegar aonde quer que fosse para poder descer daquela criatura. Não se sentia nem um pouco seguro lá em cima. A Besta estava ganhando velocidade, enquanto seguia o rastro do pássaro pikka. Alcançou a margem da grande maré de animais e um pouco depois, de cabeça baixa, tendo esquecido o pássaro, correu novamente com o resto da horda, aproximando—se rapidamente do ponto onde desapareciam subitamente. Arthur e Ford agarravam—se na fera gigante, lutando pela vida, cercados por todos os lados de montanhas ondulantes de corpos.
—
Isso! Cavalguem a Besta! — gritou Thrashbarg. A sua voz distante reverberava diminuta em seus ouvidos. — Cavalguem a Besta Perfeitamente Normal!
Cavalguem, cavalguem!
Ford gritou no ouvido de Arthur:
—
Para onde ele disse que estamos indo?
—
Disse alguma coisa sobre um Rei — berrou Arthur de volta, segurandose desesperadamente.
—
Que Rei?
—
Foi o que eu perguntei. Ele só disse o Rei.
—
Eu não sabia que existia um o Rei — berrou Ford.
—
Nem eu — gritou Arthur.
—
A não ser, é claro, o Rei — disse Ford. — Mas acho que ele não es tá falando desse Rei.
—
Que Rei? — berrou Arthur.
Estavam quase no final da reta. Bem à sua frente, Bestas Perfeitamente Normais galopavam para o nada e desapareciam.
—
Como assim, que Rei? — berrou Ford. — Eu não sei que Rei. Só estou dizendo que ele não deve estar se referindo ao Rei, então, não sei de quem está falando.
—
Ford, não faço idéia do que você está falando.
—
Novidade — disse Ford. Então, com uma aceleração súbita, as estrelas surgiram, giraram sobre as suas cabeças e depois, de maneira igualmente repentina, desapareceram novamente.
CAPÍTULO 21
Edifícios cinzentos enevoados surgiam e desapareciam. Balançavam para cima e para baixo de maneira altamente constrangedora.
Que edifícios eram aqueles?
Qual a sua finalidade? O que eles a lembravam?
É muito difícil entender as coisas quando somos inesperadamente transportados para um mundo diferente, com uma cultura diferente, com um conjunto diferente de pressupostos básicos sobre a vida e, além de tudo isso, com uma arquitetura incrivelmente sem graça e sem sentido.
O céu sobre os prédios era de um negrume frio e hostil. As estrelas, que àquela distância do sol deveriam ser pontos de luz insuportavelmente brilhantes, ficavam embaçadas e foscas por causa da grossura da enorme bolha de proteção. Feita de perspex ou qualquer coisa assim. Algo fosco e grosso.
Tricia rebobinou a fita até o início.
Sabia que havia alguma coisa estranha ali.
Bem, na verdade, havia um milhão de coisas estranhas ali, mas uma em particular a incomodava e ela não sabia dizer qual era.
Suspirou e abriu a boca em um bocejo.
Enquanto esperava a fita rebobinar, jogou na lixeira alguns dos copinhos plásticos sujos de café que se acumularam sobre a mesa.
Estava sentada numa pequena ilha de edição numa produtora de vídeo no Soho. Tinha colocado vários cartazes de NÃO PERTURBE na porta e bloqueado todas as ligações para o seu ramal. Originalmente, tudo isso era para proteger o seu incrível furo de reportagem, mas agora era para protegê-la do constrangimento. Resolveu assistir à fita toda novamente desde o começo. Se conseguisse agüentar. Talvez desse uma adiantada aqui e ali.
Eram cerca de quatro da tarde de segunda-feira e ela estava com uma sensação ruim. Estava tentando descobrir qual o motivo da sensação ruim, e a lista de suspeitos não era nada pequena.
Tudo começou com aquele vôo noturno vindo de Nova York. O corujão. De matar qualquer um.
Depois foi abordada em seu jardim e partiu para o planeta Rupert. Não tinha experiência suficiente naquele tipo de coisa para poder dizer com certeza que também era de matar qualquer um, mas podia apostar que as pessoas que passavam por aquilo regularmente deviam ter lá as suas reclamações. As revistas viviam publicando tabelas de estresse. Cinqüenta pontos de estresse se você perdeu o seu emprego. Setenta e cinco para um divórcio ou um visual novo nos cabelos, e por aí vai. Nenhuma dessas tabelas jamais mencionou ser abordada em seu jardim por alienígenas e levada para o planeta Rupert, mas ela estava certa de que devia valer algumas dezenas de pontos. Não que a viagem em si tivesse sido particularmente estressante. Na verdade, fora extremamente chata. Com certeza não ultrapassava o estresse da travessia sobre o Atlântico que tinha acabado de fazer e durou mais ou menos o mesmo tempo: quase sete horas.
Aquilo era impressionante, não? Viajar para os limites extremos do sistema solar no mesmo tempo de um vôo entre Londres e Nova York significava que eles deviam ter uma forma de propulsão fantástica e desconhecida na nave. Interrogou os seus anfitrões a respeito e eles concordaram que era mesmo incrível.
—
Mas como é que funciona? — perguntara ela, animada. Ainda estava bem animada no inicio da viagem.
Localizou aquele trecho da fita e decidiu rever. Os grebulons, que era como eles se chamavam, estavam educadamente mostrando a ela quais botões apertavam para controlar a nave.
—
Sim, mas qual é o princípio de funcionamento? — ouviu a sua voz perguntar, por trás da câmera.
—
Ah, você quer saber se é um motor de dobra ou algo assim? —
perguntaram eles.
—
Sim — insistiu Tricia. — O que é?