—
Como foi que você... onde foi que arrumou... essas coisas? — perguntou ela, gesticulando em volta, nervosamente.
—
A decoração? — perguntou o Líder. — Você gostou? É muito sofisticado. Somos um povo sofisticado, nós, os grebulons. Compramos bens de consumo sofisticados e duráveis... pelo correio.
Tricia concordara com a cabeça, tremendamente devagar.
—
Pelo correio... — dissera ela.
O Líder deu uma risadinha. Era uma daquelas risadinhas sedosas e tranqüilizadoras de chocolate amargo.
—
Acho que você está pensando que eles fazem as entregas aqui. Não! Há
há! Arranjamos uma caixa postal em New Hampshire. Fazemos visitas regulares para apanhar as encomendas. Há há! — Recostou-se, relaxado, em seu pufe, apanhou uma batata frita requentada e mordiscou a pontinha, com um sorriso divertido nos lábios. Tricia podia sentir o seu cérebro começando a fritar aos poucos. Manteve a câmera rodando.
—
Como é que vocês, bem, ah, como é que pagam por essas... coisas maravilhosas?
O Líder deu outra risadinha.
—
American Express — disse ele, sacudindo os ombros de maneira indiferente.
Tricia concordou novamente com a cabeça, devagar. Sabia que mandavam cartões de crédito exclusivamente para quase todo mundo.
—
E esses? — perguntou ela, segurando o hambúrguer que haviam lhe dado de presente.
—
Isso é fácil — disse o Líder. — Ficamos na fila.
Novamente, com uma sensação gélida e formigante na espinha, Tricia percebeu que aquilo explicava muita coisa.
Apertou o botão de FF novamente. Não havia nada ali que pudesse ser usado. Era tudo uma loucura, um pesadelo. Poderia ter forjado algo que parecesse mais convincente.
Outra sensação ruim começou a invadi—la enquanto assistia àquela fita inútil e horrorosa, e ela começou a perceber, com um pavor gradual, que aquela devia ser a resposta.
Ela devia estar...
Sacudiu a cabeça e tentou manter a calma.
Um vôo noturno para o Leste... Os remédios para dormir que tomou para agüentar a viagem. A vodca que bebeu para fazer os remédios funcionarem. O que mais? Bem. Dezessete anos obcecada por um sujeito glamouroso que tinha duas cabeças — sendo que uma estava disfarçada de um papagaio preso em uma gaiola — e lhe passara uma cantada em uma festa mas se mandara, impaciente, para um outro planeta em um disco voador. De repente essa idéia parecia ter uma série de aspectos inconvenientes que jamais lhe ocorreram. Jamais. Em dezessete anos. Enfiou o punho dentro da boca.
Precisava de ajuda.
Depois, Eric Bartlett perturbando-a com aquele papo de espaçonaves alienígenas pousando no seu jardim. E antes disso... Nova York fora... muito quente e estressante. As grandes esperanças e a amarga frustração. A história toda da astrologia. Deve ter tido um colapso nervoso.
Era isso. Estava exausta, tivera um colapso nervoso e começara a ter alucinações um pouco depois de chegar em casa. Sonhara aquela história toda. Uma raça alienígena de pessoas desprovidas das suas próprias vidas e histórias, encalhadas em uma base remota do nosso sistema solar, preenchendo o seu vácuo intelectual com o nosso lixo cultural. Ahá! Era a maneira da natureza lhe dizer que precisava se internar em uma clínica muito cara o mais rápido possível.
Estava muito, mas muito doente. Olhou quantas doses duplas de café já havia bebido e percebeu como sua respiração estava ofegante e acelerada. Perceber a doença, disse ela para si mesma, era meio caminho andado para a cura. Começou a controlar a respiração. Havia entendido tudo a tempo. Percebeu onde estava. Estava conseguindo voltar do precipício psicológico de onde quase despencou. Começou a se acalmar, se acalmar, se acalmar. Recostou na cadeira e fechou os olhos. Após alguns minutos, agora que estava respirando normalmente de novo, abriu os olhos.
Mas então, de onde saíra aquela fita?
Ainda estava rodando.
Tudo bem. Era falsificada.
Ela própria a falsificara, era isso.
Devia ter sido ela mesma quem a falsificara, pois sua voz podia ser ouvida em off o tempo todo, fazendo perguntas. De vez em quando, a câmera apontava para baixo no final de uma tomada e ela via os seus próprios pés, calçados nos seus próprios sapatos. Falsificara a fita e não conseguia se lembrar de tê-la falsificado nem sabia o porquê daquilo.
A sua respiração estava ficando agitada novamente, enquanto observava as imagens tremidas, cheias de chuvisco.
Vai ver que ainda estava tendo alucinações.
Sacudiu a cabeça, tentando espantar aquelas idéias. Não se lembrava de ter falsificado nenhuma parte daquela fita tão obviamente falsa. Por outro lado, conseguia se lembrar de coisas que se pareciam bastante com as falsas. Continuou assistindo, em transe, perplexa.
A pessoa que ela tinha imaginado se chamar o Líder estava lhe fazendo algumas perguntas sobre astrologia e ela estava respondendo tranqüilamente. Somente ela própria era capaz de detectar o pânico crescente e bem disfarçado em sua voz. O Líder apertou um botão e uma parede de veludo marrom deslizou para cima, revelando uma enorme bancada de monitores de tevê com tela plana. Cada um dos monitores estava exibindo um caleidoscópio de imagens diferentes: alguns segundos de um programa de auditório, alguns segundos de um seriado policial, alguns segundos do sistema de segurança do depósito de um supermercado, alguns segundos do filme caseiro das férias de alguém, alguns segundos de sexo, alguns segundos do noticiário, alguns segundos de comédia. Estava claro que o Líder tinha bastante orgulho de tudo aquilo e ficava movimentando as mãos como um maestro, enquanto continuava a tagarelar enormes besteiras.
Mais um movimento com as mãos e todas as telas ficaram brancas, formando uma única tela de computador gigante, mostrando em forma diagramática todos os planetas do sistema solar, mapeados sobre um pano de fundo das estrelas em suas constelações. A tela estava completamente estática.
— Temos grandes habilidades — estava dizendo o Líder. — Grandes habilidades em computação, em trigonometria cosmológica, em cálculo navegacional tridimensional. Grandes habilidades. Grandes, grandes habilidades. Só que nos esquecemos de tudo. É horrível. Gostávamos de ter habilidades, mas elas se foram. Estão por aí, em algum lugar do espaço, sem rumo. Assim como os nossos nomes e os detalhes sobre os nossos lares e entes queridos. Por favor — pediu ele, fazendo um gesto para que ela se sentasse diante do computador —, seja habilidosa para nós. O que aconteceu em seguida, obviamente, foi que Tricia colocou a sua câmera no tripé para capturar toda a cena. Depois apareceu na filmagem e sentou—se calmamente diante da tela de computador gigante, passou alguns minutos se familiarizando com a interface e então começou, tranqüila e competentemente, a fingir que tinha alguma idéia do que estava fazendo.
Na verdade, nem fora tão difícil assim.
Ela era, afinal, matemática e astrofísica por formação e apresentadora de tevê
por experiência, e podia blefar sem problemas sobre toda a ciência que esquecera ao longo dos anos.
O computador onde estava trabalhando era uma prova concreta de que os grebulons vinham de uma cultura muito mais avançada e sofisticada do que sugeria o seu atual estado de vácuo e, com a sua habilidade, ela conseguiu, em mais ou menos meia hora, improvisar um modelo grosseiro do sistema solar.
Não era incrivelmente preciso nem nada, mas ficara bonito. Os planetas estavam se movendo em simulações razoavelmente boas de suas órbitas e dava para observar o movimento de toda a engrenagem cosmológica virtual de qualquer ponto do sistema — embora muito grosseiramente. Dava para observar do ponto de vista da Terra, do ponto de vista de Marte, etc. Dava para observar da superfície do planeta Rupert. Tricia ficara bastante impressionada consigo mesma, mas igualmente impressionada com o sistema de computador no qual trabalhara. A tarefa talvez tivesse demorado um ano ou mais de programação usando computadores terrestres. Quando terminou, o Líder surgiu atrás dela e contemplou seu trabalho. Estava muito satisfeito e encantado com o resultado.