Para começar, as Bestas Perfeitamente Normais continuavam trovejando e esmagando o chão. Elas emergiam aos milhares no horizonte mais longínquo, desapareciam completamente por mais ou menos um quilômetro e depois reapareciam, trovejando e esmagando o chão até o horizonte longínquo oposto. Depois havia as naves espaciais estacionadas na entrada do Bar & Restaurante. Ah, Bar & Restaurante Domínio do Rei. Um certo anticlímax, pensou Arthur com os seus botões.
Na verdade, apenas uma nave espacial estava estacionada na porta do Bar & Restaurante Domínio do Rei. As outras três estavam em um estacionamento ao lado. Mas era a que estava parada na porta que chamava a atenção. Um verdadeiro espetáculo. Estabilizadores maneiríssimos por todo lado e muito, mas muito cromo mesmo sobre os estabilizadores. A maior parte da fuselagem fora pintada de rosa—
choque. Estava agachada, a postos, como um imenso inseto chocando ovos, e dava a impressão de que, a qualquer momento, iria pular em alguma coisa a dois quilômetros de distância.
O Bar & Restaurante Domínio do Rei ficava exatamente no meio do lugar para onde as Bestas Perfeitamente Normais estariam avançando se não fizessem um pequeno desvio transdimensional no caminho. Sozinho, impassível. Um bar & restaurante como outro qualquer. Uma parada de caminhoneiros. Em algum lugar no meio de lugar algum. Silencioso. O Domínio do Rei.
—
Vou comprar aquela nave — disse Ford, baixinho.
—
Comprar? — perguntou Arthur. — Isso não é do seu feitio. Pensei que você normalmente furtasse.
—
Às vezes precisamos ter um mínimo de respeito — disse Ford.
—
E, provavelmente, um mínimo de dinheiro também — rebateu Arthur. —
Quanto será que custa um troço desses?
Com um movimento discreto, Ford sacou o seu cartão de crédito Jant-O-Card do bolso. Arthur notou que a mão dele tremia um pouco.
—
Vou ensinar a eles no que dá me tornar crítico de restaurantes... — disse Ford, entre dentes.
—
O que você quer dizer com isso? — perguntou Arthur.
—
Vou te mostrar — respondeu Ford com um brilho maldoso nos olhos. —
Vamos lá fazer algumas despesas, está bem?
—
Duas cervejas — pediu Ford — e, deixa eu ver, dois enroladinhos de bacon, o que mais você tiver aí e, ah, a parada cor-de-rosa ali fora. Colocou o cartão no balcão do bar e olhou em volta, casualmente. Houve uma espécie de silêncio.
Para falar a verdade, não havia muito barulho antes, mas naquele momento havia definitivamente uma espécie de silêncio. Até mesmo o trovejar distante das Bestas Perfeitamente Normais evitando cuidadosamente o Domínio do Rei soava um tanto quanto abafado.
—
Acabei de cavalgar na cidade — disse Ford, como se não houvesse nada de esquisito nisso ou no resto. Estava inclinado sobre o balcão, em uma postura extravagantemente relaxada.
Havia mais uns três clientes no lugar, sentados às mesas, observando seus drinques. Uns três. Algumas pessoas diriam que eram exatamente três, mas não era um desses lugares em que você possa ser bem preciso. Havia um sujeito grandalhão arrumando alguma coisa sobre o pequeno palco. Uma velha bateria. Algumas guitarras. Coisas típicas de música country.
O barman não estava com muita pressa de atender o pedido de Ford. Para falar a verdade, ele não moveu um músculo.
—
Acho que a parada rosa não está à venda — disse ele, finalmente, com um daqueles sotaques que não saem dos ouvidos por um bom tempo.
—
Óbvio que está — disse Ford. — Quando você quer por ela?
—
Bem...
—
Pense em um valor. E depois duplique.
—
Não é minha, não posso vender — respondeu o barman.
—
Então, de quem é?
O barman fez um gesto com a cabeça, apontando para o grandalhão que estava no palco. Um sujeito grande e gordo, movimentando—se devagar, ligeiramente careca. Ford concordou com a cabeça e sorriu.
—
Está bem — disse ele. — Traga as cervejas e os rolinhos. Mantenha a conta em aberto.
Arthur sentou—se no bar e descansou. Estava acostumado a não saber o que estava acontecendo. Sentia-se confortável com aquilo. A cerveja era ótima e o deixou com um pouco de sono, o que não tinha o menor problema. Os rolinhos de bacon não eram rolinhos de bacon. Eram rolinhos de Besta Perfeitamente Normal. Trocou alguns comentários profissionais de fazedor de rolinhos com o barman e deixou que Ford fizesse o que queria fazer.
—
Está bem — disse Ford, voltando para o seu banquinho. — Tudo certo. Conseguimos a parada rosa.
O barman pareceu bastante surpreso.
—
Ele vai vender para você?
—
Ele vai nos dar, de graça — respondeu Ford, dando uma mordida no seu rolinho. — Ei, não, não fecha a conta ainda não. Vamos acrescentar algumas coisas. Gostei do rolinho.
Tomou um longo gole de cerveja.
—
E gostei da cerveja — acrescentou. — Gostei da nave, também — disse ele, olhando a parada grande, rosa, cromada e insetiforme, que podia ser parcialmente vista pelas janelas do bar. — Gostei de tudo, de tudo mesmo. Sabe — disse ele, reclinando—se para trás, pensativo —, é em momentos como este que a gente se pergunta se vale mesmo a pena se preocupar com a tessitura do espaço-tempo e a integridade causai da matriz de probabilidade multidimensional e o potencial colapso de todas formas de onda na Mistureba Generalizada de Todas as Coisas e essas outras histórias que vêm me perturbando. Talvez eu sinta que o grandalhão tem razão. A gente tem mais é que deixar fluir. Se estressar pra quê? Deixa fluir.
—
Que grandalhão? — perguntou Arthur.
Ford fez um sinal em direção ao placo. O grandalhão estava repetindo "Um, dois" no microfone. Apareceram uns outros sujeitos no palco. Bateria. Guitarra. O barman, que estava calado nos últimos segundos, disse:
—
Quer dizer que ele vai te dar a nave dele?
—
Isso — respondeu Ford. — "Deixa rolar", foi o que ele me disse. "Leve a nave. Com as minhas bênçãos. Cuide dela direitinho." Eu vou cuidar dela direitinho. Tomou mais um gole da cerveja.
—
Como eu ia dizendo — continuou ele. — É em momentos como este que você meio que pensa, ah, deixa rolar geral. Mas aí você pensa em sujeitos como os da InfiniDim e depois pensa: eles não vão sair impunes dessa. Eles merecem sofrer. É o meu dever sagrado fazer com que eles sofram. Aqui, deixa eu acrescentar uma coisa na conta para o cantor. Fiz um pedido especial e chegamos a um acordo. Deve ser incluído na minha conta, o.k.?
—
O.k. — respondeu o barman, desconfiado. Depois, deu de ombros. —
Está bem, como o senhor quiser. Quanto?
Ford disse o valor. O barman caiu duro para trás, derrubando garrafas e copos. Ford se debruçou prontamente sobre o balcão para checar se ele estava bem e para ajudá-lo a se levantar. Havia cortado o dedo e o cotovelo e estava se sentindo um pouco grogue mas, tirando isso, estava bem. O grandalhão começou a cantar. O barman saiu cambaleando e foi passar o cartão de Ford.
—
Está acontecendo alguma coisa aqui que eu não estou sabendo? —
perguntou Arthur para Ford.
—
Não é sempre assim? — rebateu Ford.
—
Não precisa falar assim — disse Arthur. Começou a acordar. — Não é
melhor irmos embora logo? — perguntou ele, de repente. — Essa nave pode nos levar à
Terra?
—
Claro que sim — disse Ford.
—
E para lá que Random está indo! — disse Arthur, sobressaltado. —