—
Meu lar... — disse Arthur, com a voz levemente embargada, olhando ao redor com os olhos rasos d'água.
—
Ah, não começa com sentimentalismo pro meu lado, não — cortou logo Ford. — Temos que encontrar a sua filha e aquela criatura-pássaro.
—
Como? — perguntou Arthur. — Existem seis bilhões de pessoas neste planeta e...
—
Tudo bem, — interrompeu Ford. — Mas apenas uma delas acabou de chegar do espaço sideral em uma nave prateada gigantesca, acompanhada de um pássaro mecânico. Acho que temos que procurar uma televisão e alguma coisa para ficar bebendo enquanto a gente assiste ao noticiário. Precisamos de um serviço de quarto decente.
Hospedaram-se em uma suíte dupla no Langham. Misteriosamente, o Jant-OCard de Ford, expedido em um planeta que ficava a mais de quinhentos anos-luz de distância, foi aceito pelo computador do hotel sem problemas. Ford correu para o telefone, enquanto Arthur tentava localizar a tevê.
—
Vamos lá — disse Ford. — Eu vou querer umas margaritas, por favor. Dois jarros. Duas saladas do chef. E o máximo de fois gras que vocês tiverem aí. Ah, e o zoológico de Londres.
—
Ela está no noticiário! — berrou Arthur do outro quarto.
—
Isso mesmo — disse Ford ao telefone. — O zoológico de Londres. Pode colocar na minha conta.
—
Ela está... Meu Deus! — gritou Arthur. — Sabe quem está entrevistando ela?
—
O senhor está tendo dificuldade de compreender a sua própria língua? —
continuou Ford. — É o zoológico que fica logo ali na esquina. Não me interessa se estão fechados hoje. Não quero um ingresso, só quero comprar o zoológico. Não me interessa se você está ocupado. Aí é o serviço de quarto, eu estou em um quarto e quero um serviço. Está com um papel aí? Ótimo. Anota o que eu quero que você faça. Todos os animais que possam ser devolvidos em segurança para a vida selvagem devem ser devolvidos. Arrume algumas equipes legais para monitorar o progresso deles na natureza, para ver se estão indo bem.
—
É a Trillian! — gritou Arthur. — Ou é... ahn... Cara, eu não agüento mais essa história de universo paralelo. É tão confuso, droga. Parece que é uma Trillian diferente. É a Tricia McMillan, que era como Trillian costumava se chamar antes de... ahn... Por que você não vem assistir, ver se consegue descobrir alguma coisa?
—
Só um segundo — gritou Ford, voltando às suas negociações com o serviço de quarto. — Então vamos precisar de algumas reservas naturais para os animais que não conseguirem se adaptar à vida selvagem novamente — disse ele. —
Arrume uma equipe para descobrir os melhores lugares para isso. Talvez tenhamos que comprar algum lugar como o Zaire ou talvez algumas ilhas. Madagascar. Baffin. Sumatra. Lugares assim. Precisamos de uma boa variedade de habitats. Olha, não estou entendendo por que você está criando problemas com isso. Aprenda a delegar. Contrate quem quiser. Vá em frente, você vai ver que eu tenho crédito na praça. Ah, e queijo Roquefort para as saladas, tá? Obrigado.
Desligou o telefone e foi até Arthur, que estava sentado na beira da cama, vendo televisão.
—
Pedi foie gras para a gente — disse Ford.
—
O quê? — perguntou Arthur, que estava concentrado na tevê.
—
Pedi foie gras para a gente.
—
Ah, tá — respondeu Arthur, vagamente. — Humm, nunca me senti muito bem em relação ao foie gras. É meio cruel com os gansos, não é?
—
Que se danem os gansos — respondeu Ford, jogando—se na cama. —
Não dá para se preocupar com todos os bichos.
—
Bom, isso é fácil para você dizer, mas...
—
Ai, chega! — interrompeu Ford. — Se você não quer, eu como o seu. O
que está havendo, hein?
—
Caos! — disse Arthur. — Caos total! Random está na tevê gritando para Trillian, Tricia, seja lá quem for, que ela a abandonou, e exigindo ir para uma boate decente. Tricia está aos prantos, dizendo que sequer chegou a conhecer Random, muito menos a pariu. Então ela começou a berrar sobre alguém chamado Rupert e disse que ele perdeu a mente, algo assim. Não entendi direito essa parte, pra ser sincero. Então Random começou a jogar coisas e eles cortaram para o comercial, enquanto tentavam dar um jeito na situação. Ah! Voltaram para o estúdio! Cala a boca e assiste. Um apresentador levemente perturbado apareceu na tela e pediu desculpas aos telespectadores pelo corte da matéria. Disse que não tinha nenhuma notícia concreta para apresentar, apenas que a garota misteriosa, que se apresentou como Random Frequent Flyer Dent, abandonara o estúdio para, ah, descansar. Tricia McMillan voltaria, esperava ele, no dia seguinte. Enquanto isso, novas notícias sobre a atividade dos óvnis estavam chegando...
Ford levantou da cama em um salto, apanhou o telefone mais próximo e digitou um número às pressas.
—
Recepção? Você quer ser dono do hotel? Ele será seu se você conseguir descobrir em cinco minutos a quais clubes Tricia McMillan pertence. Coloque tudo aí
na minha conta.
CAPÍTULO 24
Longe dali, nas profundezas negras do espaço, movimentos invisíveis eram feitos. Eram invisíveis para qualquer um dos habitantes da estranha e temperamental Zona Plural no centro da qual se localizavam as infinitamente numerosas possibilidades do planeta chamado Terra, mas não eram nenhum pouco irrelevantes. Nos confins do sistema solar, aninhado sobre um sofá verde de couro artificial, contemplando impaciente uma gama de televisores e telas de computador, estava sentado um líder grebulon extremamente preocupado. Estava mexendo em várias coisas. Mexendo em seu livro de astrologia. Mexendo no terminal do computador. Mexendo nos monitores que levavam até ele, constantemente, as imagens de todos os equipamentos de monitoração dos grebulons, todos focados no planeta Terra. Estava angustiado. A missão deles era monitorar. Mas monitorar em segredo. Estava um pouco de saco cheio da sua missão, para falar a verdade. Tinha quase certeza de que a sua missão era mais do que ficar sentado vendo televisão para o resto da vida. Eles tinham muitos outros equipamentos que deviam servir para alguma coisa se não tivessem acidentalmente perdido qualquer noção sobre para que serviam. Precisava encontrar um sentido para a vida, por isso voltara—se para a astrologia, na esperança de preencher o abismo escancarado que existia entre a sua mente e a sua alma. Aquilo haveria de lhe dizer alguma coisa, com certeza.
Bom, estava lhe dizendo alguma coisa.
Estava lhe dizendo, até onde conseguia interpretar, que ele ia ter um péssimo mês, que as coisas iriam de mal a pior se ele não tomasse as rédeas da situação e começasse a tomar atitudes positivas e chegasse às conclusões por conta própria. Era verdade. Estava bem claro em seu mapa astral, que ele havia preparado usando um livro de astrologia e o programa de computador que a simpática Tricia McMillan desenvolveu para que ele retriangulasse todos os dados astronômicos adequados. A astrologia da Terra tinha de ser inteiramente recalculada para produzir resultados significativos para os grebulons no décimo planeta, nos confins enregelados do sistema solar.
Os novos cálculos mostravam de maneira absolutamente inegável que ele estava prestes a ter um mês definitivamente ruim, começando naquele dia. Porque naquele dia a Terra começava a ascender em Capricórnio, algo que, para o líder grebulon, que mostrava todos os sinais de ser um típico taurino, era realmente ruim. De acordo com seu horóscopo, aquela era a hora de tomar ações concretas, de fazer escolhas difíceis, de ver o que precisava ser feito e seguir em frente. Aquilo tudo era muito angustiante para ele, mas ninguém nunca disse que tomar decisões difíceis não era difícil. O computador já estava rastreando e prevendo a posição da Terra a cada segundo. Ele ordenou que as grandes torres de tiro cinzentas se posicionassem. Como todos os equipamentos de vigilância estavam focados no planeta Terra, deixaram de notar que havia agora uma segunda fonte de dados no sistema solar. Suas chances de detectar por acaso essa nova fonte de dados —uma gigantesca nave de construção amarela — eram praticamente nulas. Estava tão distante do sol quanto Rupert, mas estava diametralmente oposta, quase escondida pelo sol. Quase.