—
Veja bem, eu vou anotar isso aqui — explicou ela — porque não quero que nada dê errado.
Escreveu o seu nome em letras garrafais em um pedaço de papel. Depois acrescentou o número do seu quarto e a mensagem "ESTOU NO BAR" e entregou o papel ao recepcionista, que o examinou.
—
Caso haja alguma mensagem para mim. Está bem?
O recepcionista continuou examinando o pedaço de papel.
—
A senhora quer que eu verifique se ela está no quarto? — perguntou ele. Dois minutos depois, Tricia acomodou—se no bar ao lado de Gail Andrews, que estava sentada diante de uma taça de vinho branco.
—
Você me pareceu o tipo de pessoa que prefere sentar—se no bar a ficar quietinha numa mesa — disse ela.
Aquilo era verdade e deixou Tricia um pouco surpresa.
—
Vodca? — perguntou Gail.
—
Sim — respondeu Tricia, desconfiada. Estava quase perguntando "como é que você sabe?" quando Gail respondeu:
—
Perguntei ao barman — explicou ela, com um sorriso simpático. O
barman preparou a vodca e deslizou elegantemente o copo sobre a mesa lustrada de mogno.
—
Obrigada — agradeceu Tricia, mexendo sua bebida com gestos curtos. Não sabia o que aquela gentileza repentina significava e estava determinada a não se deixar enganar por ela. As pessoas em Nova York não eram gentis umas com as outras à toa.
—
Olha — disse ela, firme —, sinto muito se a senhora está triste. Sei que deve estar achando que eu fui muito dura hoje pela manhã, mas a astrologia, no final das contas, não passa de uma diversão popular e, até aí, tudo bem. Faz parte do showbiz e é uma coisa que a senhora faz muito bem, lhe desejo boa sorte. É divertido. Contudo, não é uma ciência e não devemos confundir as coisas. Acho que isso é algo que nós duas conseguimos demonstrar muito bem hoje cedo e ainda proporcionamos diversão popular aos outros, que é exatamente o nosso trabalho. Lamento muito se isso a desagrada.
—
Estou bem feliz — disse Gail Andrews.
—
Ué — disse Tricia, sem saber o que pensar. — Seu recado dizia que estava triste.
—
Não — respondeu Gail Andrews. — Eu deixei um recado dizendo que achava que você estava triste e fiquei curiosa para saber o porquê. Tricia se sentiu como se tivesse levado um chute na nuca. Piscou os olhos.
—
O quê? — perguntou ela, baixinho.
—
O astros. Você me pareceu muito irritada e triste em relação aos astros e aos planetas quando estávamos discutindo hoje cedo e isso está me incomodando. Por isso eu vim até aqui, para ver se você estava bem.
Tricia olhou fixamente para ela.
—
Senhora Andrews — começou ela, e então percebeu que tinha soado exatamente irritada e triste, o que iria tirar o valor de seu protesto.
—
Por favor, pode me chamar de Gail, se preferir.
Tricia parecia desnorteada.
—
Eu sei que astrologia não é uma ciência — disse Gail. — Claro que não é. Não passa de um conjunto de regras arbitrárias como xadrez ou tênis, ou... qual é
mesmo o nome daquela coisa esquisita de que vocês ingleses brincam?
—
Humm... críquete? Autodepreciação?
—
Democracia parlamentar. As regras meio que surgiram do na da. Não fazem o menor sentido, a não ser quando pensadas no próprio contexto. Mas, quando a gente começa a colocar essas regras em prática, vários processos acabam acontecendo e você começa a descobrir mil coisas sobre as pessoas. Na astrologia, as regras são sobre astros e planetas, mas poderiam ser sobre patos e gansos que daria no mesmo. É apenas uma maneira de pensar sobre um problema que permite que o sentido desse problema comece a emergir. Quanto mais regras, quanto menores, mais arbitrárias, melhor fica. É
como assoprar um punhado de poeira de grafite em um pedaço de papel para visualizar os entalhes escondidos. Permite que você veja as palavras que haviam sido escritas sobre o papel que estava por cima e que foi removido. O grafite não é importante. É
apenas uma maneira de revelar os entalhes. Então, veja, a astrologia de fato nada tem a ver com a astronomia. Tem a ver com pessoas pensando sobre pessoas. Ela continuou:
—
Então, quando você ficou tão, sei lá, tão emocionalmente concentrada nos astros e nos planetas hoje de manhã, eu comecei a pensar: ela não está irritada com a astrologia, está irritada e triste com os astros e os planetas. As pessoas normalmente só
ficam assim, tristes e irritadas, quando perdem alguma coisa. Isso foi tudo o que eu consegui imaginar e não passei desse ponto. Então vim ver se você estava bem. Tricia estava embasbacada.
Uma parte do seu cérebro já havia começado a funcionar a pleno vapor. Estava ocupada construindo várias réplicas malcriadas sobre como os horóscopos de jornal eram ridículos e como usavam truques estatísticos para pegar as pessoas. Mas, aos poucos, aquilo tudo foi desaparecendo, porque percebeu que o resto do seu cérebro não estava ouvindo. Ela estava completamente embasbacada.
Uma total desconhecida acabara de lhe dizer algo que ela mantivera em segredo por dezessete anos.
Virou-se para Gail.
—
Eu...
Parou.
Uma minúscula câmera de segurança acima do bar girou para acompanhar o seu movimento. Aquilo a deixou completamente baratinada. A maioria das pessoas não teria sequer notado. Não era feita para ser notada. Não havia sido projetada para sugerir que atualmente até mesmo um hotel caro e elegante em Nova York não tinha certeza de que sua clientela não iria puxar uma arma subitamente ou deixar de usar uma gravata. Mas, apesar de cuidadosamente escondida atrás de uma garrafa de vodca, não podia enganar o instinto apurado de uma âncora de tevê que deveria saber exatamente quando uma câmera estava girando em sua direção.
—
Aconteceu alguma coisa? — perguntou Gail.
—
Não, é que eu... eu tenho que admitir que você me deixou espantada —
disse Tricia. Decidiu ignorar a câmera de segurança. Devia ser apenas a sua imaginação pregando—lhe uma peça por estar tão obcecada com televisão naquele dia. Não era a primeira vez que aquilo acontecia. Estava convencida de que uma câmera de monitoramento de trânsito tinha se virado para acompanhar o seu andar e que uma outra, de segurança, na Bloomingdale's, tinha feito questão de vigiá-la enquanto experimentava uns chapéus. Estava ficando doida, é claro. Chegara até mesmo a imaginar que um passarinho no Central Park havia encarado—a de propósito. Decidiu tirar aquilo da cabeça e tomou um gole da vodca. Um sujeito estava andando pelo bar perguntando quem era o Sr. MacManus.
—
O.k. — disse Tricia, decidindo colocar tudo para fora. — Não sei como foi que você descobriu isso, mas...
—
Eu não descobri nada, ao contrário do que você diz. Apenas escutei o que você estava dizendo.
—
O que eu perdi, acho eu, foi uma outra vida inteira.
—
Acontece com todos nós. A cada momento de cada dia. Cada decisão que tomamos, cada vez que respiramos, abre algumas portas e fecha várias outras. Não percebemos a maioria, mas notamos algumas. Acho que você percebeu uma delas.
—
Ah, sim, e como — respondeu Tricia. — Vamos lá, eu vou contar. É
muito simples. Há vários anos eu conheci um cara em uma festa. Ele disse que era de outro planeta e perguntou se eu queria ir embora com ele. Eu disse tá, tudo bem. Era uma senhora festa. Pedi pra ele esperar um pouquinho enquanto eu ia buscar minha bolsa, depois iria com ele numa boa para outro planeta. Ele disse que eu não ia precisar da bolsa. Respondi que ele com certeza devia vir de um lugar muito atrasado ou então saberia que uma mulher sempre precisa carregar sua bolsa. Ele ficou meio impaciente, mas eu não ia me fazer de fácil só porque ele tinha dito que era de outro planeta.