Por alguns segundos, todos permaneceram parados, imóveis. Apenas a música que vinha de trás do bar não sabia como parar.
—
Essa arma na mão dela — disse Ford em voz baixa, fazendo um gesto contido na direção de Random — é uma Wabanatta 3. Estava na nave que ela roubou de mim. É bastante perigosa, para falar a verdade. Não se mexa por enquanto. Vamos ficar calmos e descobrir o que está chateando a menina.
—
Onde é que eu me encaixo? — gritou Random, de repente. A mão que segurava a arma tremia loucamente. A mão livre vasculhou o bolso e apanhou o que sobrara do relógio de Arthur. Sacudiu-na frente deles.
—
Achei que me encaixasse aqui — gritou Random — no mundo em que fui feita! Mas acontece que nem a minha mãe sabe quem eu sou! — Ela jogou o relógio longe, violentamente, e ele se despedaçou contra os copos atrás do bar, as peças voando para todos os lados.
Todos ficaram quietos por mais alguns momentos.
—
Random — disse Trillian, calmamente, do alto da escada.
—
Cala a boca! — berrou Random— Você me abandonou!
—
Random, é importante que você preste atenção no que eu vou dizer e entenda — insistiu Trillian, calma. — Não temos muito tempo. Temos que partir. Temos todos que ir embora.
—
Do que você está falando? Estamos sempre partindo! — Agora estava segurando a arma com as duas mãos e ambas tremiam. Não estava apontando para ninguém específico. Estava apontando para o mundo em geral.
—
Escuta — tentou Trillian novamente. — Eu te deixei porque fui cobrir uma guerra para a emissora. Era extremamente perigoso. Pelo menos, eu pensei que fosse ser. Eu cheguei lá e a guerra havia subitamente deixado de acontecer. Houve uma anomalia temporal e... escuta! Por favor, escuta! Uma nave de guerra responsável pelo reconhecimento não apareceu, o resto da frota se dispersou em uma bagunça patética. Acontece o tempo todo agora.
—
Não me interessa! Não quero saber do seu maldito trabalho! — berrou Random. — Eu quero um lar! Quero pertencer a algum lugar!
—
Este não é o seu lar — disse Trillian, ainda mantendo a sua voz calma. —
Você não tem lar. Nenhum de nós tem. Praticamente ninguém mais tem. A nave desaparecida de que eu estava falando, as pessoas dessa nave não têm um lar. Não sabem de onde vieram. Sequer lembram quem são ou o que devem fazer. Estão completamente perdidas, confusas, assustadas. Estão aqui neste sistema solar e estão prestes a fazer algo muito... equivocado, porque estão perdidas e confusas. Temos... que... partir... agora. Não sei dizer para onde. Talvez não haja lugar nenhum. Mas não podemos ficar aqui. Por favor. Só mais uma vez. Podemos ir?
Random estava tremendo, em pânico e confusa.
—
Está tudo bem - disse Arthur, delicadamente. - Se eu estou aqui, estamos seguros. Não me peçam para explicar agora, mas eu estou seguro, então vocês também estão. Está bem?
—
Como assim? - perguntou Trillian.
—
Vamos relaxar, pessoal — disse Arthur. Estava muito tranqüilo. A sua vida era encantada e nada daquilo parecia real.
Devagarzinho, aos poucos, Random começou a relaxar e abaixou a arma, lentamente.
Duas coisas aconteceram ao mesmo tempo.
A porta do banheiro masculino no alto das escadas se abriu e o homem que abordara Arthur saiu de lá, fungando.
Assustada com aquele movimento brusco, Random levantou a arma novamente justo na hora em que um homem, parado atrás dela, tentou apanhá-la. Arthur se jogou na frente. Houve uma explosão ensurdecedora. Caiu de mau jeito quando Trillian arremessou-se sobre ele. O barulho cessou. Arthur suspendeu a cabeça a tempo de ver o homem parado no alto da escada olhando para ele absolutamente estupefato.
— Você... - disse ele. Então, lentamente, terrivelmente, ele tombou. Random largou a arma e caiu no chão de joelhos, chorando. — Sinto muito! disse ela. — Sinto muito! Sinto tanto... Tricia foi até ela. Trillian foi até ela.
Arthur estava sentado na escada, com a cabeça entre as mãos e não fazia a menor idéia do que fazer. Ford estava sentado atrás dele. Apanhou uma coisa do chão, olhou com interesse e passou para Arthur.
—
Isto aqui significa alguma coisa para você? - perguntou ele. Arthur apanhou. Era a caixinha de fósforos que o morto deixara cair. O nome do clube estava escrito nela. E o nome do proprietário também. Estava escrito assim:
STAVRO MUELLER
BETA
Contemplou a caixa de fósforos por algum tempo, enquanto as coisas começavam a se encaixar na sua cabeça. Não sabia o que deveria fazer, mas isso não tinha mais importância. À sua volta, as pessoas estavam começando a correr e a gritar, mas de repente percebeu que não havia mais nada a ser feito, nem agora nem nunca. Perante aquela novidade de sons e luzes, ele só conseguia distinguir a silhueta de Ford Prefect jogando a cabeça para trás e rindo loucamente.
Uma incrível sensação de paz o inundou. Sabia que, finalmente, pela primeira e última vez, tudo estava definitivamente acabado.
Na escuridão da ponte de comando, no coração da nave vogon, Prostetnic Vogon Jeltz estava sentado, sozinho. Luzes piscavam nas telas de monitoria externa que cobriam uma parede inteira. Acima dele, no ar, as descontinuidades em formato de salsicha azul e verde haviam sumido. Opções caíam por terra, possibilidades se dobravam umas dentro das outras e todo o resto finalmente deixou de existir. Uma escuridão incrivelmente profunda caiu sobre a nave. O capitão vogon permaneceu sentado, imerso no breu, por alguns segundos.
— Luz — disse ele.
Não teve nenhuma resposta. O pássaro também deixara de existir. O vogon acendeu a luz por conta própria. Apanhou o pedaço de papel novamente e deu um pequeno tique no quadradinho.
Bom, missão cumprida. A sua nave desapareceu furtiva no vazio negro. Apesar de ter tomado o que ele considerava uma atitude extremamente positiva, o líder grebulon acabou tendo um péssimo mês de qualquer jeito. Foi basicamente igual aos meses anteriores, exceto que agora não havia mais nada na televisão. Para substituí-a, colocou uma musiquinha suave de fundo. FIM