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Fui até o segundo andar. Demorei um tempo para encontrar a bolsa e depois o banheiro estava ocupado. Quando desci, ele tinha ido embora. Tricia fez uma pausa.

E...? — perguntou Gail.

A porta do jardim estava aberta. Fui lá fora. Havia umas luzes, uma coisa brilhante. Cheguei a tempo de vê—la levantar vôo, partir silenciosa pelas nuvens e desaparecer. E foi isso. Fim da história. Fim de uma vida, início de outra. Mas não passo um minuto desta vida sem imaginar como teria sido a outra Tricia. A que não teria voltado para apanhar a bolsa. Fico achando que ela está lá fora, em algum lugar, e que sou apenas a sua sombra.

Um membro da equipe do hotel estava rondando o bar perguntando se alguém era o Sr. Miller. Ninguém era.

—Você realmente acredita que essa... pessoa era de um outro planeta? —

perguntou Gail.

Com certeza. Eu vi a nave. E, ah, ele tinha duas cabeças.

Duas? E ninguém mais percebeu?

Era uma festa à fantasia. —Ah, tá...

E ele havia coberto a outra cabeça com uma gaiola. Com um pano por cima. Fingia ter um papagaio. Ficava batendo na gaiola, falando aquelas bobagens de

"Dá o pé, louro" e grunhindo. Mas teve uma hora em que ele jogou o pano para trás e deu uma gargalhada. Havia outra cabeça lá dentro, gargalhando também. Foi um momento bem estranho, devo dizer.

Eu acho que você fez a coisa certa, minha querida. Não acha? —disse Gail.

Não — respondeu Tricia. — Não, não fiz. E também não consegui continuar a fazer o que estava fazendo na época. Eu era astrofísica, sabe. Não dá para continuar sendo uma astrofísica decente após ter conhecido um sujeito de outro planeta com uma segunda cabeça disfarçada de papagaio. É impossível. Eu, pelo menos, não consegui.

Deve ser difícil, de fato. E provavelmente é por isso que você tende a ser um pouco dura com pessoas que falam coisas que parecem absurdas.

Pois é — concordou Tricia. — Acho que você tem razão. Desculpe.

Tudo bem.

Você é a primeira pessoa para quem conto isso, por sinal.

Imagino. Você é casada?

Ah, não. Difícil saber se alguém é casado nos nossos dias, não? Mas sua pergunta faz sentido, porque provavelmente foi essa a causa. Cheguei bem perto algumas vezes, sobretudo porque queria ter um filho. Mas todos os caras sempre acabavam perguntando por que eu ficava olhando constantemente por sobre os ombros deles. O que eu ia dizer? Cheguei a pensar em ir até um banco de esperma e tentar a sorte. Ter o filho de alguém, aleatoriamente.

Você não faria isso de fato, faria?

Tricia riu.

— Provavelmente, não. Nunca cheguei a ir para ver como seria. Nunca consegui. Minha vida é sempre assim. Nunca cheguei a fazer algo de verdade. Suponho que seja por isso que estou trabalhando na televisão, sabe? Nada é real.

Com licença, senhora, o seu nome é Tricia McMillan?

Tricia virou-se, surpresa. Havia um homem parado diante dela usando um chapéu de chofer.

É — disse ela, aprumando-se instantaneamente.

Senhora, estou há uma hora procurando-a. O hotel disse que não tinha ninguém com esse nome, mas eu confirmei com o escritório do Sr. Martin e eles afirmaram que a senhora realmente estava hospedada aqui. Então perguntei novamente e eles continuaram dizendo que nunca tinham ouvido falar na senhora. Depois consegui que fossem procurá-la, mas não conseguiram encontrá-la. Acabei pedindo para o escritório enviar um fax com uma foto sua para o carro e saí procurando-a pessoalmente.

Ele deu uma olhadela no relógio.

Talvez seja tarde demais agora, mas a senhora quer ir assim mesmo?

Tricia estava em estado de choque.

Sr. Martin? Você diz, Andy Martin, da NBS?

Isso mesmo, senhora. Teste de vídeo para o programa Bom Dia Estados Unidos.

Tricia levantou-se de supetão. Não podia nem pensar em todos aqueles recados que havia escutado para o Sr. MacManus e o Sr. Miller.

Mas temos que correr — disse o chofer. — Pelo que ouvi, o Sr. Martin acha que vale a pena testar um sotaque britânico. O chefe dele na emissora, o Sr. Zwingler, é completamente contra a idéia. Eu sei que ele vai viajar hoje no final do dia, porque sou eu quem deve buscá-lo e levá-lo ao aeroporto.

O.k. — disse Tricia. — Estou pronta. Vamos lá.

Está bem, senhora. É a limusine grandona estacionada aqui na porta. Tricia virou-se para Gail.

Sinto muito — disse ela.

Vai, vai! — disse Gail. — E boa sorte, hein? Gostei de conversar com você.

Tricia fez menção de apanhar a bolsa para pegar um dinheiro.

Droga — disse ela. Deixara a bolsa lá em cima.

Os drinques são por minha conta — insistiu Gail. — Sério. Foi muito interessante.

Tricia deixou escapar um suspiro.

Olha, sinto muito por hoje de manhã e...

Não diga mais nada. Estou bem. É só astrologia. É inofensivo. Não é o fim do mundo.

Obrigada. —Tricia abraçou—a, impulsivamente.

Está pronta, senhora? — perguntou o chofer. — Não quer ir buscar a bolsa ou algo assim?

Olha, se tem uma coisa que a vida me ensinou — disse Tricia — é jamais voltar para buscar a bolsa.

Mais ou menos uma hora depois, Tricia estava sentada em uma das camas do seu quarto de hotel. Por alguns minutos, não se moveu. Apenas ficou encarando a sua bolsa, que repousava inocentemente em cima da outra cama.

Estava segurando um bilhete de Gail Andrews, que dizia: "Não fique muito decepcionada. Ligue, se quiser falar a respeito. Se eu fosse você, ficaria em casa amanhã à noite. Descanse um pouco. Mas não me dê ouvidos e não se preocupe. É só

astrologia. Não é o fim do mundo. Gail."

O chofer estava coberto de razão. Para falar a verdade, o chofer parecia saber mais sobre os bastidores da NBS do que qualquer outra pessoa da empresa que ela conhecera. Martin estava a fim, mas Zwingler, não. Tivera uma única oportunidade de provar que Martin tinha razão e estragara tudo.

Tudo bem. Tudo bem, tudo bem, tudo bem.

Hora de voltar para casa. Hora de ligar para a companhia aérea e ver se ainda dava tempo de pegar o vôo noturno para Heathrow naquela noite. Pegou o enorme catálogo.

Ah. Precisava fazer uma coisa antes.

Largou o catálogo, apanhou a bolsa e a levou ao toalete. Apoiando-a, catou o pequeno estojo de plástico onde guardava suas lentes de contato, sem as quais não havia conseguido ler nem o texto nem o teleprompter.

Enquanto encaixava as lentes nos olhos, refletiu sobre uma coisa: se havia algo que a vida lhe ensinara, era que existem momentos em que você não deve voltar para apanhar a bolsa e outros momentos em que deve. Agora só faltava a vida lhe ensinar a distinguir entre os dois.

CAPÍTULO 3

O Guia do Mochileiro das Galáxias teve, no que nós chamamos ridiculamente de passado, muito que dizer sobre universos paralelos. No entanto, a maior parte desse conteúdo é incompreensível para qualquer um abaixo do nível Deus Avançado e, como já havia sido determinado que todos os deuses conhecidos tinham surgido uns bons três milionésimos de segundo após o início do universo e não, como costumam dizer por aí, uma semana antes, eles já têm muita coisa para explicar só por causa disso e não estão disponíveis para tecer comentários sobre temas profundos de física.