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Uma coisa encorajadora que o Guia tem a dizer sobre os universos paralelos é

que você não tem a menor chance de compreendê-los. Você pode, portanto, dizer coisas como "O quê?" e "Hein?" e até mesmo ficar vesgo e fazer papel de tolo sem ter medo de parecer ridículo.

A primeira coisa que devemos saber sobre os universos paralelos, explica o Guia, é que eles não são paralelos.

Também é importante saber que eles não são, estritamente falando, universos, mas fica mais fácil tentar compreender isso um pouco depois, após compreender que tudo o que você havia compreendido até então não é verdade.

O motivo pelo qual não são universos é que qualquer universo em particular não chega exatamente a ser uma coisa, mas sim uma maneira de compreender o que é

tecnicamente conhecido como MGTC, Mistureba Generalizada de Todas as Coisas. A Mistureba Generalizada de Todas as Coisas também não existe na prática — é apenas a soma total de todas as maneiras diferentes que haveria para compreendê-la, caso existisse uma.

O motivo pelo qual não são paralelos é o mesmo pelo qual o mar não é

paralelo. Não significa nada. Você pode fatiar a Mistureba Generalizada de Todas as Coisas do jeito que quiser e geralmente vai acabar com algo que alguém vai chamar de lar.

Por favor, sinta-se à vontade para enlouquecer agora.

A Terra que nos interessa aqui, devido à sua orientação particular dentro da Mistureba Generalizada de Todas as Coisas, foi atingida por um neutrino que não atingiu nenhuma das outras Terras.

Um neutrino não é algo grande com que se possa ser atingido. Para falar a verdade, é difícil imaginar algo menor pelo qual alguém poderia ser atingido. E ser atingido por neutrinos nem chega a ser uma coisa assim tão rara para algo do tamanho da Terra. Pelo contrário. Seria um nanossegundo bem fora do comum aquele em que a Terra não fosse atingida por inúmeros bilhões deles. Tudo depende do que você entende por "ser atingido", é claro, já que na verdade a matéria consiste quase que inteiramente em absolutamente nada. As chances de um neutrino atingir de fato alguma coisa enquanto viaja por esse imenso vazio são comparáveis às de jogar aleatoriamente uma bolinha de metal de um Boeing 747 em pleno vôo e acertar, digamos, um sanduíche de ovo.

Enfim, esse neutrino atingiu algo. Isso não é terrivelmente importante na escala das coisas, você diria. Mas o problema em dizer coisas desse tipo é que pode ter tanto sentido quanto uma cusparada de texugo vesgo. Quando algo acontece em algum lugar em uma coisa tão complicada como o Universo, Kevin sabe muito bem onde tudo isso vai parar — leia-se como "Kevin" qualquer entidade aleatória que não sabe nada de nada.

Esse neutrino atingiu um átomo.

O átomo fazia parte de uma molécula. A molécula era parte de um ácido nucléico. O ácido nucléico fazia parte de um gene. O gene fazia parte de uma receita genética para crescer... e por aí vai. O resultado final é que uma folha extra acabou crescendo em uma planta. Em Essex. Ou naquilo que, depois de muita tagarelice e dificuldades locais de natureza geológica, viria a ser Essex. A planta em questão era um trevo. Ela espalhou sua influência, melhor dizendo, suas sementes, de maneira extremamente eficaz, tornando—se rapidamente o tipo de trevo dominante em todo o mundo. A conexão causai exata entre esse simples acontecimento biológico fortuito e algumas variações menores que existem na mesma fatia da Mistureba Generalizada de Todas as Coisas — tais como Tricia McMillan ter perdido a oportunidade de partir com Zaphod Beeblebrox, uma queda anormal nas vendas de sorvete de nozes e o fato de a Terra na qual tudo isso se passou não ter sido demolida pelos vogons para a construção de uma via expressa hiperespacial —ocupa atualmente o número 4.763.984.132 na lista de prioridades para projetos de pesquisa do que um dia já foi o Departamento de História da Universidade de Maximegalon, e nenhuma das pessoas que estão neste exato momento reunidas em um retiro espiritual em volta de uma piscina parece experimentar qualquer sentimento de urgência em relação ao problema.

CAPÍTULO 4

Tricia começou a achar que o mundo estava conspirando contra ela. Sabia que era perfeitamente normal sentir-se assim após um vôo noturno indo para o leste, quando você subitamente nota que terá que enfrentar um novo dia misteriosamente ameaçador para o qual não está nem um pouco preparado.

Havia marcas no seu gramado.

Não que ligasse muito para as marcas. Elas podiam pintar e bordar se quisessem que Tricia não estava nem aí. Era uma manhã de sábado. Acabara de chegar de Nova York sentindo-se cansada, irritada e paranóica, e tudo o que queria era ir para a cama com o rádio ligado baixinho e dormir ao som de Ned Sherrin mostrando-se incrivelmente inteligente sobre qualquer assunto.

Mas Eric Bartlett não ia permitir que ela passasse direto sem inspecionar minuciosamente as marcas. Eric era o velho jardineiro que nas manhãs de sábado ia cutucar o jardim com uma vara. Ele não acreditava em pessoas voltando de Nova York tão cedo pela manhã. Simplesmente não engolia aquilo. Era antinatural. Acreditava em praticamente tudo, menos naquilo.

Provavelmente foram os alienígenas — disse ele, debruçando-se e futucando as bordas das pequenas marcas com a vara. — A gente ouve muitas histórias de ETs hoje em dia. Para mim, foram eles.

Você acha? — perguntou Tricia, lançando uma olhadela furtiva para o seu relógio. Dez minutos, computou. Era o máximo que conseguiria ficar em pé: dez minutos. Depois cairia de joelhos e se deitaria, fosse na sua cama ou ali mesmo no jardim. Isso se tivesse apenas que ficar de pé. Se ainda tivesse que balançar a cabeça demonstrando interesse e compreensão e dizendo "Você acha?" de vez em quando, talvez só agüentasse cinco minutos.

Ah, acho — respondeu Eric. — Eles costumam baixar por essas bandas, aterrissam no seu jardim e depois se mandam, às vezes levando um gato. A Sra. Williams, do correio, sabe aquele gato caramelo dela? Foi abduzido pelos alienígenas, coitado. Tudo bem que o trouxeram de volta no dia seguinte, mas ele estava muito esquisito. Ficava caçando a manhã inteira e depois dormia à tarde. Antes era o contrário, aqui é que está. Dormia de manhã, caçava de tarde. Foi o fuso horário, por ter viajado em uma nave espacial.

Sei — disse Tricia.

E eles também o tingiram para ficar malhado, ela me disse. Essas marcas aqui são iguaizinhas às que as cápsulas de aterrissagem deles fariam.

Não pode ter sido o cortador de grama? — perguntou Tricia.

Se as marcas fossem mais redondas, até podia. Mas são retas. Têm um jeitão de coisa de alienígena.

É porque você tinha comentado que o cortador estava dando defeito e que, se não fosse consertado, poderia acabar fazendo buracos na grama.

Eu realmente disse isso, dona Tricia, eu assumo. Não estou dizendo que não foi o cortador de grama, só estou dizendo o que acho mais provável pelo formato dos buracos. Eles descem por trás daquelas árvores, nas cápsulas de aterrissagem...

Eric... — interrompeu Tricia, paciente.

De qualquer jeito, dona Tricia — disse Eric —, vou dar uma olhada no cortador, como queria ter feito na semana passada, e deixar a senhora ir fazer as suas coisas.