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No final da semana nunca havia dinheiro para Kelly, por isso arranjou um trabalho como babysitter, invejando as felizes famílias que nunca teria.

Aos dezassete anos, Kelly transformou-se na beleza que a mãe fora. Os rapazes na escola começaram a convidá-la para sair. Sentia-se repugnada. Recusou-os a todos.

Aos sábados, quando não havia escola e as tarefas de Kelly já estavam todas feitas, corria para a biblioteca pública e passava a tarde a ler.

A senhora Lisa Marie Houston, a bibliotecária, era uma mulher inteligente e compreensiva, com um feitio amistoso e roupas tão despretensiosas quanto a sua personalidade. Ao ver Kelly tantas vezes na biblioteca, ficou curiosa.

Um dia comentou:

- E muito agradável ver uma jovem a gostar tanto de ler. Passas muito tempo aqui.

Foi o início de uma grande amizade. À medida que as semanas passavam, Kelly foi confiando os seus receios e as suas aspirações à bibliotecária.

 - Kelly, o que gostarias de fazer com a tua vida?

- Gostava de ser professora.

- Acho que serias uma excelente professora. É a profissão mais gratificante do mundo.

Kelly começou a falar, mas parou. Lembrou-se de uma conversa que tivera com a mãe e o padrasto ao pequeno almoço, uma semana antes. Kelly dissera:

- Preciso de ir para uma universidade. Quero ser professora.

- Professora ? - rira Berke. - Mas que idéia mais parva. Os professores ganham uma miséria. Estás-me a ouvir? Uma miséria. Ganhas mais a lavar chãos. De qualquer das maneiras, a tua velhota e eu não temos dinheiro para te mandar para a universidade.

- Mas ofereceram-me uma bolsa e...

- E então? Vais passar anos a perder o teu tempo. Esquece. Com o teu aspecto, o melhor é venderes o corpinho.

Kelly saíra da mesa.

Agora dizia à senhora Houston:

- Só há um problema. Eles não me deixam ir para a universidade - a voz embargou-se-lhe. - Vou passar o resto da minha vida a fazer o que faço!

- É claro que não. - A voz da senhora Houston era firme. - Quantos anos tens?

- Daqui a três meses faço dezoito anos.

- Não tarda nada terás idade suficiente para tomares as tuas próprias decisões. És uma jovem muito bonita, Kelly. Sabias?

- Não. Não sabia. - Como lhe posso eu explicar que me sinto como se fosse uma anormal? Não me sinto de modo nenhum bonita. - Senhora Houston, eu odeio a minha vida. Não quero ser como a... Quero sair desta terra. Quero fazer algo de diferente e nunca vou poder... - Esforçava-se por controlar as emoções. - Eu nunca vou ter a possibilidade de fazer seja o que for, de vir a ser alguém.

- Kelly...

- Nunca devia ter lido todos estes livros. - A voz dela era amarga.

- Porquê?

- Porque me encheram a cabeça de mentiras. Todas aquelas maravilhosas pessoas, e aqueles sítios espetaculares, e a magia... - Kelly abanou a cabeça. - Não há magia.

A senhora Houston observou-a por momentos. Era óbvio que a auto-estima de Kelly fora extremamente danificada.

- Kelly, existe magia, mas tu é que tens que ser o mágico, que tens que fazer com que a magia apareça.

- Sim? - O tom da voz de Kelly era cínico. - E como é que eu faço isso?

- Primeiro que tudo, tens que saber de facto quais são os teus sonhos. Sonhas em ter uma vida excitante, cheia de pessoas interessantes e de lugares maravilhosos. Da próxima vez que cá voltares, eu vou te mostrar como podes tornar reais os teus sonhos.

Mentirosa.

Na semana depois de Kelly ter terminado o liceu, regressou à biblioteca. A senhora Houston disse-lhe:

- Kelly, lembras-te do que eu te disse sobre criares a tua própria magia?

- Sim - respondeu, céptica, Kelly.

A senhora Houston procurou atrás da secretária e tirou para fora um punhado de revistas, a COSMO girl, a Seventeen, a Glamour, Mademoiselle, a Essence, a Allure... e deu-as a Kelly.

Kelly ficou a olhar para elas.

- E o que é que eu faço com isto?

- Alguma vez pensaste em vir a ser modelo?

- Não.

- Vê estas revistas. Depois diz-me se te deram algumas idéia sobre como trazeres a magia para a tua vida.

Ela tem boas intenções, pensou Kelly , mas não compreende.

- Muito obrigada, senhora Houston. Assim farei.

Para a semana vou começar à procura de um emprego. Kelly levou as revistas para a pensão e enfiou-as num canto e esqueceu-as. Passou a tarde a cumprir as suas tarefas.

Quando, nessa noite, se preparava para se meter na cama, exausta, lembrou-se das revistas que a senhora Houston lhe dera. Pegou numas por pura curiosidade e começou a folheá-las. Era todo um outro mundo. Os modelos maravilhosamente vestidos, com homens elegantes a seu lado, em Londres e Paris e em locais exóticos por i todo o mundo. De repente, Kelly sentiu uma enorme vontade a crescer! dentro de si. Rapidamente vestiu um robe e atravessou o átrio na direcção da casa de banho.

 Estudou-se no espelho. Bom, talvez fosse atraente. Era o que todos lhe diziam. Mas, mesmo que seja verdade, pensou Kelly, eu não tenho qualquer experiência. Pensou na sua vida futura em Filadélfia e olhou-se mais uma vez no espelho. Todos têm que começar por algum lado. Tu tens de ser o mágico, faz a tua própria magia.

Na manhã seguinte bem cedo, Kelly apareceu na biblioteca para falar com a senhora Houston.

Esta ficou espantada ao vê-la ali tão cedo.

- Bom dia, Kelly. Tiveste oportunidade de dar uma olhadela às revistas?

- Tive. - Kelly respirou fundo. - Gostava de tentar ser modelo.

O problema é que não faço a mínima idéia por onde começar.

A senhora Houston sorriu.

- Mas eu faço. Andei a consultar a lista telefônica de Nova Iorque.

Não disseste que gostarias de sair desta cidade? - A senhora Houston pegou numa folha de papel datilografada que tirou de dentro da bolsa e deu-a a Kelly. - Aqui tens uma lista das dozes principais agências de modelos em Manhattan, com as moradas e os números de telefone. - E apertou a mão de Kelly. - Começa pela do topo.

Kelly estava atordoada.

- Eu... Eu não sei como lhe agradecer...

- Eu digo-te como. Faz com que eu veja a tua fotografia nestas revistas.

Nessa noite ao jantar, Kelly disse:

- Decidi que quero ser modelo.

O padrasto grunhiu:

- Mas que idéia mais estúpida é essa? Que diabo se passa contigo?

Todas as modelos são putas.

A mãe suspirou:

- Kelly, não cometas os mesmos erros que eu. Também eu tive sonhos que a nada levaram. Eles vão dar cabo de ti. Tu és negra e pobre. Nunca irás a lado nenhum.

Foi nesse instante que Kelly tomou a sua decisão.

Às cinco da manhã do dia seguinte, Kelly fez a mala e dirigiu-se à estação dos autocarros. Na bolsa tinha duzentos dólares que ganhara como babysitter.

A viagem de autocarro demorou duas horas e Kelly passou o tempo a imaginar o seu futuro. Ia tornar-se modelo profissional. Kelly Hackworth não lhe parecia nome profissional. Já sei o que vou fazer. Vou usar apenas o meu primeiro nome. E repetiu-o na cabeça uma vez e outra. E agora a nossa top model, Kelly.

Instalou-se num hotel barato e, às nove horas, Kelly estava a entrar pela porta principal da agência de modelos que se encontrava em primeiro lugar da lista que a senhora Houston lhe dera. Kelly não estava maquilada e vestia um vestido todo amarrotado, porque não tinha ferro de engomar.

Não havia ninguém na recepção no átrio. Abordou um homem que estava sentado num escritório, atarefado a escrever à secretária.

- Desculpe - disse Kelly.

O homem grunhiu qualquer coisa sem sequer olhar para cima.

- Não sei se precisam de modelos - disse Kelly, hesitante.

- Não - resmungou o homem. - Não andamos à procura, não.

Kelly suspirou:

- Bom, de qualquer das formas, muito obrigada - e virou-se para partir.

O homem olhou de relance para cima e a sua expressão alterou-se.

- Volte cá. - Pusera-se de pé. - Meu Deus. De onde é que você saiu?