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- E quanto à hora da morte?

Ward olhou para a água que batia contra a cabeça da vítima:

- Difícil de estabelecer. Imagino que o tenham lançado para aqui algures depois da meia-noite. Dou-vos um relatório completo assim que o conseguirmos levar para o necrotério.

Greenburg virou a sua atenção para o corpo. Casaco cinzento, calças azuis-escuras, gravata azul-clara, um relógio caro no pulso esquerdo. Greenburg ajoelhou-se e começou a percorrer os bolsos do casaco da vítima. Os seus dedos encontram um bilhete. Puxou-o para fora, segurando-o pela borda.

- Está em italiano. - Olhou em redor: - Gianelli!

Um dos polícias uniformizados correu apressado na sua direcção.

- Sim, senhor?

Greenburg deu-lhe a nota para as mãos.

- Consegues ler isto?  Gianelli leu alto, devagar:

- Última oportunidade. Encontra-te comigo no píer dezessete com o resto da droga, senão vais nadar com os peixinhos. - E devolveu-a.

Robert Praegitzer parecia espantado.

- Um golpe da Máfia? E porque é que o deixaram aqui, assim às claras?

- Boa pergunta.

Greenburg continuou a vasculhar os outros bolsos do casaco. Tirou uma carteira para fora e abriu-a. Estava pesada com dinheiro. - Pelos visto não andavam atrás do dinheiro dele. Tirou um cartão da carteira. - O nome da vítima é Richard Stevens.

Praegitzer franziu o sobrolho, - Richard Stevens... Não veio há pouco tempo qualquer coisa sobre ele nos jornais?

- Sobre a mulher dele. Diane Stevens. Está em tribunal a depor no julgamento por assassínio do Tony Altieri - respondeu Greenburg.

- E isso. Ela está a testemunhar contra o capo di capos- concordou Praegitzer.

E ambos viraram-se para olhar o corpo de Richard Stevens.

 

CAPÍTULO 1

Na baixa de Manhattan, na sala de audiências número trinta e sete do edifício do Supremo Tribunal Criminal, no número 180 da Centre Street, o julgamento de Anthony (Tony) Altieri decorria. A grande e venerável sala estava completamente apinhada com jornalistas e espectadores.

À mesa da defesa sentava-se Anthony Altieri numa cadeira de rodas, acabrunhado, de aspecto pálido, um gordo batráquio dobrado sobre si mesmo. Só os olhos estavam vivos, e, de cada vez que olhava para Diane Stevens sentada no banco das testemunhas, esta sentia perfeitamente o pulsar do seu ódio.

A seu lado sentava-se Jake Rubenstein, o advogado de defesa. Rubenstein era famoso por duas coisas, a sua clientela famosa, principalmente constituída por criminosos, e o fato de que quase todos os seus clientes acabavam por ser absolvidos.

Rubenstein era um homem baixo, elegante, com uma rápida e vívida imaginação. Nunca se apresentava de modo igual nas suas intervenções em tribunal. A sua especialidade era o dramatismo e era extremamente competente. Era brilhante a aferir os opositores, com um instinto quase animal para descobrir os seus pontos fracos. Por vezes Rubenstein imaginava que era um leão, que ia cercando a insuspeita presa, pronto a saltar-lhe em cima... ou uma ardilosa aranha, a tecer uma teia que acabaria por envolvê-la, deixando-a à sua mercê... Por vezes era um paciente pescador, calmamente lançando a linha à água e movendo-a vagarosamente para cima e para baixo até que a gulosa vítima desse por ela e a abocanhasse.

O advogado estudava cuidadosamente a testemunha no banco. Diane Stevens andava pelos trinta e poucos anos. Uma áurea de elegância envolvia-a. Tinha traços aristocráticos. Cabelo louro suave e ondulante. Olhos verdes. Uma excelente figura. A típica beleza americana. Vestia um elegante e bem cortado casaco preto. Jake Rubenstein sabia que no dia anterior ela causara Uma impressão favorável sobre o júri. Tinha que ter muito cuidado com a forma como lidaria com ela. Pescador, decidiu.

Rubenstein aproximou-se vagarosamente do banco das testemunhas e, quando falou, a sua voz era suave:

- Senhora Stevens, ontem testemunhou que, na data em questão, no dia catorze de Outubro, guiava em direcção a sul pela Henry Hudson Parkway quando teve um pneu furado e saiu da auto-estrada, na saída da One Hundred com a Fifty-eighth Street, para desvio de emergência no parque Fort Washington Park?

- Exatamente.

 A voz dela era suave e educada.

- Porque parou exatamente nesse local?

- Por causa do pneu furado, sabia que tinha de sair da estrada principal e vi o telhado de uma cabana através das árvores. Pensei que houvesse aí alguém que me pudesse ajudar. Não tinha pneu sobressalente.

- É membro de algum clube automóvel?

- Sou.

- E tem um telefone no seu carro?

- Tenho.

- Então porque é que não ligou para o clube automóvel?

- Porque pensei que iria demorar muito tempo.

- E claro. E a cabana estava logo ali - disse Rubenstein com ar compreensivo.

- Exatamente.

- Então aproximou-se para pedir ajuda?

- Sim.

- Ainda havia luz cá fora? - Havia. Foi antes das cinco da tarde.

- E por isso conseguia ver perfeitamente?

- Podia.

- E o que foi que viu, senhora Stevens?

- Vi Anthony Altieri...

- Ah! Já o tinha encontrado antes?

- Não.

- Então o que foi que lhe deu a certeza que se tratava dele?

- Eu já tinha visto a foto dele nos jornais e...

- Já tinha visto fotos que se pareciam com o réu?

- Bom, elas...

- E o que foi que viu nessa cabana?

 Diane Stevens respirou, estremecendo. Falou devagar, a relembrar a cena na sua mente.

- Havia quatro homens na sala. Um deles estava sentado numa cadeira, amarrado. O senhor Altieri parecia interrogá-lo enquanto os outros dois homens estavam junto dele. - A sua voz estremeceu.

- O senhor Altieri puxou de uma arma, berrou qualquer coisa e... disparou sobre o homem, na cabeça.

Jake Rubenstein olhou pelo canto do olho para o júri. Todos estavam absortos no testemunho dela.

- E depois o que fez, senhora Stevens?

- Corri de volta para o meu carro e liguei o 911 do meu celular.

- E a seguir?

- Guiei dali para fora.

- Com um pneu furado?

- Sim. Estava chegado o momento de agitar um pouco as águas.

- Porque foi que não esperou pela chegada da polícia?

Diane olhou na direção da mesa da defesa. Altieri olhava para ela com clara malevolência. Ela desviou o olhar.

- Não podia ficar ali, porque... porque temia que os homens saíssem da cabana e me vissem.

- Isso é compreensível. - A voz de Rubenstein endureceu. - O que não se compreende é que, quando a polícia respondeu à sua chamada para o 911, tenham entrado na cabana e não só não estava lá ninguém, senhora Stevens, como não conseguiram encontrar qualquer sinal de que lá tivesse estado alguém, quanto mais que alguém tivesse sido assassinado.

- Não é culpa minha. Eu...

- A senhora é uma artista, não é?

Diane ficou espantada com a pergunta:

- Sim, eu...

- E é bem sucedida?

- Acho que sim, mas o que é que isso...?

Estava chegada a altura de abanar o anzol.

- Um pouco de publicidade extra não faz mal a ninguém, pois não? Todo o país a vê no noticiário da noite na televisão e nas primeiras páginas dos...

Diane olhou para ele com ar furioso: - Eu não fiz isto para ter publicidade. Eu jamais seria capaz de mandar um homem inocente para a...

- A palavra chave é "inocente", senhora Stevens. E eu vou provar, para lá de qualquer dúvida razoável, que o senhor Altieri é inocente. Muito obrigado. Terminei.

Diane Stevens ignorou o duplo sentido. Quando desceu pa regressar ao seu lugar, espumava. Murmurou qualquer coisa ao advogado de acusação.

- Posso ir-me embora?

- Sim. Vou mandar alguém para a acompanhar.

- Não é preciso. Muito obrigada.

Dirigiu-se para a porta e caminhou em direção ao parque de estacionamento, as palavras do advogado de defesa ainda a ecoarem aos seus ouvidos, A senhora é uma artista, não é... Um pouco de publicidade extra não faz mal a ninguém, pois não ? Era degradante. Mas, no todo, estava satisfeita com a forma como o seu testemunho decorrera. Dissera ao júri exatamente o que vira e eles não tinham qualquer razão para duvidarem dela. Anthony Altieri ia ser condenado e mandado para a prisão pelo resto da vida, mas, apesar disso, Diane não conseguia evitar pensar nos venenosos olhares que ele lhe deitara, e sentiu um arrepio.