Deu o número a Flint.
- Espero que as encontre.
- Encontro, sim.
Dez minutos mais tarde, Flint voava de volta a Barcelona. Ia alugar um carro, prestar atenção aos Peugeots vermelhos, segui-las até um local onde não houvesse trânsito, empurrá-las para fora da estrada e assegurar-se de que tinham morrido.
Diane e Kelly estavam apenas a trinta minutos de San Sebastian, conduzindo num confortável silêncio. A auto-estrada não tinha grande movimento e conseguiam andar bem. A paisagem era maravilhosa. Campos maduros para as colheitas, pomares que enchiam o ar com os aromas das romãzeiras, dos damasqueiros e das laranjeiras, e, longe da estrada, antigas casas com as paredes cobertas por trepadeiras de jasmim. Poucos minutos depois de terem passado a cidade medieval de Burgos, o cenário começou a transformar-se e surgiram as faldas dos Pireneus.
- Estamos quase a chegar - comentou Diane.
Olhou em frente, franziu o sobrolho e começou a travar. A seiscentos metros à sua frente, ardia um carro e uma pequena multidão juntara-se em volta dele. A estrada estava bloqueada por homens fardados.
Diane ficou intrigada.
- O que se passa?
- Nós estamos no País Basco - respondeu Kelly. - Eles estão em guerra. Há cinqüenta anos que os bascos se revoltam contra o governo espanhol.
Um homem num uniforme verde com debruns vermelhos e dourados e um cinto preto, sapatos pretos e um boné preto colocou-se no meio da estrada em frente do carro e ergueu a mão para as mandar parar. Fez sinal para encostarem na beira da estrada.
Kelly disse por entre dentes:
- É a ETA Não podemos parar, ou ficamos aqui sabe-se lá quanto tempo.
O polícia aproximou-se do carro e disse-lhes:
- Eu sou o capitão Iradi. Queiram sair da viatura.
Diane olhou para ele e sorriu.
- Gostava muito de poder ser útil nesta vossa guerra, mas temos a nossa própria para tratar. - E carregou no acelerador, passou pelo carro a arder e seguiu velozmente em frente, com o carro aos zigue zagues por entre a multidão que gritava.
Kelly fechara os olhos. - Ainda cá estamos?
- Está tudo bem.
Quando Kelly voltou a abrir os olhos, olhou pelo retrovisor e ficou gelada. Um Citroen Berlingo estava atrás delas, e conseguiu ver o homem que guiava.
- É o Godzilla! - arquejou. - Está no carro atrás de nós.
- O quê? Mas como foi que eles nos descobriram tão depressa?
- Diane carregou no acelerador até ao fundo. O Citroen estava a aproximar-se. Diane olhou para o velocímetro. Marcava 175 km por hora.
Nervosa, Kelly disse:
- Aposto que em Indianapolis ninguém a agarra.
Um quilómetro e meio mais à frente, Diane viu o controle de fronteiras entre Espanha e França. - Dê-me um murro - pediu Diane.
Kelly riu:
- Eu estava só a brincar...
- Dê-me um murro. - A voz dela estava cheia de urgência.
O Citroen estava cada vez mais perto.
- O que é...?
- Já!
Relutante, Kelly deu-lhe uma bofetada.
- Não. Dê-me um murro com toda a força.
Já só havia dois carros entre elas e o Citroen.
- Depressa - gritou Diane.
Aflita, Kelly deu-lhe um murro na cara.
- Com mais força.
Kelly tentou mais uma vez. Desta feita, o seu anel de casamento fez um golpe no rosto de Diane e o sangue começou a escorrer. Kelly olhava, horrorizada, para Diane.
- Diane, desculpe, desculpe. Eu não queria...
Tinham chegado ao posto de controle. Diane travou e parou.
O guarda da fronteira aproximou-se. - Boas tardes, minhas senhoras.
- Boas tarde. - Diane virou a cabeça para que o guarda visse o sangue que lhe escorria pela cara.
Ele olhou outra vez para ela, horrorizado.
- Minha senhora, o que foi que lhe aconteceu?
Diane mordeu o lábio.
- É o meu ex-marido. Ele gosta de me bater. Eu consegui uma ordem do tribunal que o proíbe de se aproximar de mim, mas é impossível. Passa a vida a perseguir-me. Está ali atrás. Eu sei que não vale de nada pedir a vossa ajuda. Ninguém o consegue deter.
Quando o guarda se virou para ver a fila de carros que se aproximavam, o rosto dele estava sério.
- Qual é o carro dele?
- É o Citroen preto, dois carros atrás. Acho que tem intenções de me matar.
- Ah, tem? Então vamos ver! - rugiu. - As senhoras sigam.
Não vão ter que se preocupar mais com ele.
Diane olhou para cima e disse:
- Oh, muito obrigada. Muito obrigada.
Uns segundos mais tarde, tinham atravessado a fronteira e guiavam em França.
- Diane?
- Sim?
Kelly pousou a mão no ombro dela.
- Peço desculpa pelo... - E apontou para a cara dela.
Diane sorriu.
- Conseguiu que nos víssemos livres do Godzilla, não conseguiu? - Olhou para Kelly. - Mas, está a chorar?
- Não, não estou. - Kelly fungou. - É a porcaria do rímel.
Aquilo que você fez foi... A Diane não é só uma cara bonita, pois não? - perguntou Kelly enquanto tentava limpar com um lenço de papel a ferida de Diane.
Esta viu-se no espelho retrovisor e fez uma careta.
- Bem, agora já não sou.
Quando Harry Flint chegou à fronteira o agente estava à espera dele.
- Saia do carro, por favor.
- Não tenho tempo para isso - respondeu Flint. - Estou cheio de pressa. Tenho que...
- Saia do carro.
Flint olhou para ele.
- Mas porquê? Qual é o problema?
- Temos informação de que um carro com esta matrícula anda a fazer contrabando de drogas. Vamos ter de revistar o carro.
Flint ficou a olhar para ele.
- Está doido? Já lhe disse, estou com pressa. Nunca houve drogas de contrabando... - Parou e sorriu. - Já percebi. - Meteu a mão no bolso e deu ao guarda uma nota de cem dólares. - Ora tome, tome lá isto e esqueça.
O guarda chamou alto: - José!
Um capitão fardado aproximou-se. O guarda deu-lhe a nota de cem dólares.
- Tentativa de suborno.
- Não. Você não me pode prender agora. Eu estou a meio de...
- E resistência à autoridade. - Virou-se para o outro guarda.
- Pede reforços.
Flint respirou fundo e olhou para a auto-estrada na frente dele. O Peugeot desaparecera.
Virou-se para capitão.
- Preciso de fazer um telefonema.
À medida que Diane e Kelly avançavam a toda a velocidade em território francês, o planalto central da meseta de Castela começou a dar lugar às faldas dos Pirenéus e à Serra de Urbasa. Pamplona estava mesmo na frente delas.
- Disse-me que tinha um amigo em Paris? - perguntou Diane.
- Sim. Sam Meadows. Trabalhava com Mark. Tenho a sensação de que ele nos pode ajudar. - Kelly meteu a mão na carteira, tirou para fora o seu novo celular e marcou um número em Paris.
Uma telefonista atendeu:
- KIG.
- Posso falar com Sam Meadows, por favor?
Um minuto mais tarde, Kelly ouviu a voz dele.
- Alô.
- Sam? Fala a Kelly. Estou a caminho de Paris.
- Meu Deus! Tenho andado muito preocupado contigo. Estás bem?
- Sim. Acho que sim. - Kelly hesitou.
- Isto é um pesadelo - dizia Sam Meadows. - Ainda não consigo acreditar.
Nem eu, pensou Kelly.
- Sam, tenho que te contar uma coisa. Penso que Mark foi assassinado.
A resposta dele deixou-a arrepiada.
- Também eu. .
Kelly estava com dificuldade em responder.
- Tenho que descobrir o que se passou. Podes ajudar-me?
- Não me parece que seja coisa que possamos falar ao telefone, Kelly. - Ele estava a tentar que a voz lhe soasse normal.
- Eu... compreendo.
- Porque não falamos disso logo à noite? Podíamos jantar em minha casa.
- Tudo bem.
- Às sete?
- Lá estarei - respondeu Kelly e desligou. - Hoje vou conseguir obter algumas respostas.
- Enquanto estiver a fazer isso, eu vou a Berlim tentar falar com as pessoas que trabalhavam com Franz Verbrugge.
De repente, Kelly ficou silenciosa. Diane olhou para ela.