Então, ela entra na festa, passa pela multidão de vigários boquiabertos em direção a um pequeno grupo de garotas na beira da pista de dança, garotas do
tipo difícil, bonitas, estilosas, que andam em bando, sempre juntas. O DJ está tocando Tainted Love e a atmosfera no salão parece mais sombria, mais sexualmente predatória e decadente, e, se não chega a ser a República de Weimar de Berlim, poderia ser a produção de Cabaret dos alunos do último ano de Sussex. Permaneço na penumbra, observando. Tenho que ficar muito esperto se quiser fazer isso direito, e também vou precisar de mais cerveja. Compro a sexta lata. Ou será que é a sétima? Não tenho certeza. Não importa.
Volto correndo, com medo de ela já ter ido embora, mas ela continua lá na beira da pista de dança com sua gangue de quatro amigas, rindo e brincando como se já as conhecesse desde sempre e não só há poucas horas. Moldo meu rosto com uma expressão de tédio amargo e irônico e faço algumas excursões, passando por ela com um ar desinteressado, na esperança de que vá me notar, me puxar pelo cotovelo e dizer: Conte tudo sobre você, criatura fascinante. Ela não me nota; então, decido passar por ela de novo. Faço isso umas 14 ou 15 vezes, mas ela continua não me notando. Então escolho uma abordagem mais direta. Chego perto e fico parado atrás dela.
Fico parado atrás dela durante toda a versão estendida de doze polegadas de Blue Monday, do New Order. Afinal, uma de suas novas amigas, uma garota com o rosto triangular, lábios finos, olhos de gato e um cabelo curto louro descolorido me nota e, instintivamente, leva a mão à bolsa como se achasse que estou aqui para roubar a bolsa de alguém. Abro um sorriso tranquilizador e os olhos dela começam a se mover louca e rapidamente pelo grupo. Talvez chegue até a emitir um sinal de alerta estridente ou algo assim, pois o grupo se vira e olha para mim, e, de repente, a Kate Bush loura está lá, o rosto lindo a alguns centímetros do meu. Desta vez, vou ser mais esperto e dizer, de maneira lamentáveclass="underline"
— Ei!
Isso a deixa menos intrigada do que eu esperava, pois ela só diz Oi e começa a virar as costas para mim.
— A gente se conheceu? Agora há pouco? No corredor? — eu tagarelo.
O rosto dela continua inexpressivo. Apesar da quantidade de bebida que ingeri, sinto minha boca áspera e pegajosa, como se minha saliva tivesse sido engrossada com maisena, mas passo a língua nos lábios e digo:
— Você me perguntou se eu achava que tinha chance? Para o Desafio Universitário?
— Ah, sim — ela responde e se vira outra vez, mas as amigas já se dispersaram ao perceber o clima entre a gente e, enfim, estamos a sós, como o destino decretou.
— A ironia é que eu sou um vigário de verdade! — digo.
— Como? — ela se aproxima e aproveito para colocar a mão perto de sua orelha e roçar sua encantadora cabeça:
— Eu sou um vigário de verdade! — grito.
— É?
— O quê?
— Um vigário?
— Não, eu não sou vigário.
— Pensei que você tinha dito que era vigário.
— Não, não sou...
— Então, o que você disse?
— Bem, sim, quer dizer, eu disse, sim, que era vigário, sim, mas eu, eu estava brincando!
— Ah. Desculpe, eu não entendi...
— Eu sou o Brian, aliás! — Não entre em pânico...
— Olá, Brian... — e ela começa a olhar em volta procurando as amigas. Continue, continue...
— Por quê? Pareço um vigário? — pergunto.
— Não sei. Um pouco, acho...
— Oh! Certo! Bem, obrigado! Obrigado mesmo! — Estou tentando uma falsa indignação, braços cruzados bem alto no peito, querendo fazer graça e começar um bate-papo leve e espirituoso. — Um vigário, hein? Bem, muito obrigado! Nesse caso, você parece... uma... piranha de verdade!
— Como?
Ela não deve ter me ouvido direito, pois não está rindo. Então, levanto a voz.
— UMA PIRANHA! Você parece uma prostituta! Uma prostituta de luxo, entendeu...?
Ela sorri para mim, um daqueles sorrisinhos sutis que transpiram desprezo e diz:
— Com licença, Gary, eu preciso muito ir ao banheiro...
— Tudo bem, a gente se vê por aí!
Mas ela já foi, deixando uma vaga sensação de que as coisas poderiam ter ido melhor. Talvez ela tenha se ofendido, mas eu estava usando a minha voz engraçada. Mas como que ela iria saber que é uma voz de troça se não está acostumada com a minha voz normal? Talvez agora ache que eu tenho uma voz engraçada? E quem é Gary? Fico parado, observando enquanto ela segue em direção aos toaletes, só que ela para na pista de dança, cochicha no ouvido de outra garota e as duas riem. Então, não precisava ir ao toalete no fim das contas. O toalete era só uma desculpa.
Aí ela começa a dançar. Está tocando The Lovecats do The Cure e, numa interpretação incisiva e espirituosa da letra da música, ela dança um pouco como uma gata, entediada, distante e flexível, jogando um braço por cima da cabeça como um... bem, como um rabo de gato! É a dançarina mais inacreditável do mundo! Agora, está com as duas mãos debaixo do queixo, como duas patinhas, e ela é a Lovecat, e é tão maravilhosa, maravilhosa, maravilhosa, maravilhosa e linda, e me inspira com um plano tão belo em sua simplicidade e tão engenhoso e infalível, que me pergunto por que não pensei nisso antes.
Dançar! Eu vou atrair a garota com uma dança contemporânea.
O disco muda para Sex Machine, do James Brown, e, por mim, tudo bem, porque estou muito a fim de ser uma máquina sexual, já que tocamos no assunto. Ponho a Red Stripe no chão com todo o cuidado e a lata é imediatamente chutada, mas eu não ligo, não importa. Não preciso dela para o que vou fazer. Faço alguns movimentos de aquecimento na beira da pista, cauteloso a princípio, mas contente por estar com meus sapatos escoceses e não com meu tênis Green Flash, pois as solas lisas escorregam bem no assoalho de madeira, dando-me uma sensação de ritmo sincopado, de membros soltos. Com todo o cuidado, como se estivesse numa pista de gelo me agarrando às paredes, tomo a direção da pista de dança, lentamente.
Ela está dançando no seu grupinho fechado de novo, uma daquelas impenetráveis formações de defesa da infantaria de Roma para rechaçar os bárbaros. A garota com olhos de gato é a primeira a me avistar, emite seu estridente sinal de alarme e a Kate Bush Loura desfaz a formação, vira-se e olha nos meus olhos, e aproveito a deixa, a música entra em mim e danço como nunca dancei antes.
Danço como se a minha vida dependesse disso, mordendo os lábios de maneira sedutora, tanto com uma intenção erótica quanto para ajudar na concentração, e olho nos olhos dela, desafiante, lançando um desafio para que ela busque outra direção. Mas é o que ela faz. Dou uma volta, retorno ao seu campo de visão e mando ver. Danço como se calçasse os Sapatinhos Vermelhos, e penso que talvez eu esteja certo, talvez seja por causa dessa cueca que minha mãe me deu, a Cueca Vermelha, mas seja lá o que for, estou dançando como James Brown. Tenho funk e soul e uma bolsa novinha em folha, sou o homem que mais trabalhou no show business e sou uma máquina feita especialmente para o sexo, deslizando e rodando em 360, 720 graus e uma vez até em 810 graus, o que me deixou virado para o lado errado e desorientado. Mas, tudo bem, porque James Brown está dizendo para sentir a batida, e eu sinto, seja lá que batida for, e, enquanto isso acontece, minha mão vai arrancar o cartão de papelão branco do meu pescoço, num gesto de desprezo pelas instituições religiosas, e o jogar no chão, no meio de um grupo de pessoas que formaram um círculo ao meu redor, aplaudindo, rindo e apontando com pasma admiração enquanto volteio e giro e toco o chão, meu casaco esvoaçando ao redor de mim. Meus óculos embaçaram um pouco e não consigo ver o rosto de Kate Bush entre eles. Só um relance daquela biscate judia de cabelos pretos, aquela tal de Rebecca, mas é tarde demais para parar de dançar, porque James Brown está pedindo para sacudir o meu ganha-pão, sacudir o meu ganha-pão, e preciso pensar um pouco porque não sei exatamente qual é o meu ganha-pão. Minha cabeça? Não, minha bunda, claro. Então, balanço a bunda da melhor maneira possível, ungindo a multidão ao redor com suor, como um cachorro molhado, e, de repente, soam estridentes buzinas e a música acabou e eu. Estou. Esgotado.