Resolvo também não entrar para a Sociedade de Teatro. Assim como a Sociedade Feminista, é uma ótima maneira de conhecer garotas, mas a parte ruim é que, em geral, é só uma artimanha para fazer a gente participar de uma peça. Nesse semestre, a Sociedade de Teatro vai produzir Charley‘s Aunt, Antígona, de Sófocles, e Equus, e sei que seria escalado como integrante do coro grego, vestido com lençóis de cama esfarrapados e máscaras de papel machê com todo mundo gritando ao mesmo tempo. Ou então seria um daqueles pobres coitados de Equus que passam a noite inteira usando malhas e cabeças de cavalo feitas de cabides. Bem, Sociedade de Teatro, obrigado, mas não. Além do mais, fiquem sabendo que, no meu último ano na escola, interpretei Jesus em Godspell e, depois que você é chicoteado e crucificado na frente da escola toda, não há muito mais aonde ir em termos de atuação. Tone e Spencer riram o tempo inteiro, claro, e gritaram Mais! Mais! durante as 40 chibatadas, mas todo mundo falou que foi uma interpretação comovente.
Quando penso já ter visto todas as Sociedades possíveis, vou atrás da misteriosa garota de ontem à noite, mas só Deus sabe o que vou fazer se a encontrar. Certamente, não dançar. Dou duas voltas no salão de esportes, sem sinal dela. Então, subo um andar até o local onde acontece o aquecimento para o Desafio, para confirmar a sala e a hora. E lá está o cartaz na porta: Responda corretamente! Só as melhores cabeças devem se inscrever. Você acha que tem chance?, perguntou ela ontem. Talvez a gente se veja lá?, reafirmou. Será que estava falando sério? E, se estava, onde ela está? Como estou uma hora adiantado, decido voltar ao salão de esportes para dar uma outra olhada ao redor.
Descendo as escadas, passo pela garota judia de cabelos pretos da noite passada; acho que é Jessica, não? Está no meio de um bando de homens magros e pálidos em jaquetas Harrington e jeans pretos justos distribuindo panfletos do Partido Socialista dos Trabalhadores e todos parecendo muito zangados. Por isso, eu me aproximo num espírito de solidariedade e digo:
— Saudações, camarada!
— Bom dia, pé de valsa — resmunga ela, sem achar graça no meu punho fechado, com toda a razão, pois não é nada engraçado. Volta a distribuir os folhetos. — Acho que a Sociedade de Dança está por ali em algum lugar.
— Oh, Deus, foi tão ruim assim?
— Vamos dizer que eu fui a favor de pôr um lápis entre os seus dentes para você não morder a língua e perder um pedaço dela.
Dou uma risada depreciativa e balanço a cabeça como que dizendo estou bravo comigo mesmo, mas ela não sorri e eu continuo:
— Quer saber, a vida me ensinou duas coisas: a primeira é a não dançar quando se está bêbado!!! — ... silêncio... — Aliás, será que eu posso pegar um panfleto?
Ela me lança um olhar enigmático, intrigada pela minha profundidade velada.
— Tem certeza de que não seria um desperdício de papel?
— De jeito nenhum.
— Então, você já é membro de algum partido político?
— Ah, eu estou na Campanha de Desarmamento Nuclear.
— Isso não é um partido político.
— Então você acha que políticas de defesa não são um problema político? — retruco, gostando de como aquilo soa.
— Política é economia, pura e simples. Grupos de pressão focados numa só questão, como o CDN ou o Greenpeace, têm um papel válido e importante a desempenhar, mas dizer que baleias são grandes e legais ou que um holocausto nuclear é asqueroso não são posicionamentos políticos; é uma obviedade. Além do mais, num verdadeiro estado socialista, os militares perderiam automaticamente o direito de...
— Como acontece na Rússia? — interrompo.
Ahá!
— A Rússia não é socialista, na verdade.
Oh...
— Ou Cuba? — insisto. Touché!
— Sim, se você preferir. Como em Cuba.
Hum...
— Ah, então Cuba não tem um exército? — insinuo. Boa recuperação.
— Na verdade, em termos de Produto Interno Bruto, não. Cuba gasta 6% dos impostos em defesa, comparados aos 40% dos Estados Unidos. — Ela só pode estar inventando tudo isso. Nem Fidel Castro sabe essas coisas. — Se não estivesse sob constante ameaça norte-americana, Cuba não precisaria gastar nem esses 6%. Ou será que você perde noites de sono preocupado com uma invasão de Cuba?
Desconfiar que ela está inventando esses dados seria coisa infantil, então só digo:
— E aí, ganho um folheto ou não? — Relutante, ela me entrega um panfleto.
— Se for radical demais para você, o Partido Trabalhista é logo ali. Ou você pode fazer o serviço completo e se filiar aos Conservadores.
Ela diz isso como se fosse um bofetão. Eu levo um tempo para absorver e, enquanto penso no que dizer, a garota vira as costas e continua a distribuir panfletos. Tenho vontade de puxá-la pelo ombro e dizer: Não vire as costas para mim, sua vaquinha melindrosa, hipócrita e intolerante, porque o trabalho do meu pai acabou com a vida dele, mais ou menos, então não venha me dar aulas sobre Cuba, porque meu dedo mindinho tem mais noção dessa merda de injustiça social do que você e toda a sua gangue de burgueses estudantes de arte complacentes, convencidos e presunçosos juntos. Quase digo mesmo, mas o que eu resolvo falar é:
— Você não acha o nome do seu partido meio pretensioso?
Ela se vira bem devagar, aperta os olhos e diz:
— Escute aqui. Se você quiser se comprometer com ardor em se opor ao que a Thatcher está fazendo com o país, junte-se a nós. Mas, se só estiver interessado em fazer piadinhas de nível escolar e comentários banais, acho que podemos nos virar muito bem sem você, muito obrigada.
Ela está certa, claro. Por que parece que estou sempre sendo irônico e nunca consigo ser convincente quando falo de política? Não me sinto irônico a esse respeito. Gostaria de expressar isso numa conversa adulta e inteligente, mas surgiu uma discussão entre um garoto magricela de jeans preto e alguém da Classe de Guerra. Por isso, penso melhor e sigo meu caminho.
7
PERGUNTA: Criada pelo psicólogo alemão William Stern, qual foi a controvertida mensuração definida como a proporção entre a idade mental de uma pessoa e sua idade física, multiplicada por 100?
RESPOSTA: QI.
Volto ao andar de cima, para a Sala de Reuniões nº 6, e um homem alto e bonitão está dispondo mesas e cadeiras para o teste, mais ou menos umas 30, com um ar de oficialidade burocrática. É bem mais velho que eu, 21 ou 22 anos, alto e vestindo um moletom vinho da universidade, bronzeado, de uma beleza suave e cabelo curto muito bem penteado, louro-avermelhado, o tipo de cabelo que parece ter sido moldado em um bloco de plástico. Fico observando-o por um tempo pela porta de vidro. Ele parece um astronauta, se a Grã-Bretanha tivesse astronautas, ou um boneco de ação nada ameaçador. O que me intriga é que acho que eu me lembro dele de algum lugar...
Ele percebe que estou ali e enfio a cabeça pela fresta da porta e pergunto educadamente:
— Com licença, esta é a sala para o Desafio Univer...?
— Essa é sua primeira pergunta... Você não leu a placa?
— Li.
— E o que diz?
— Sala de Reuniões nº 6, 13h.
— Que horas são?
— 12h45.
— Então, presumo que isso responda a sua pergunta.
— Suponho que sim.