Sento-me do lado de fora da porta e começo a me aquecer, repassando algumas informações na cabeça: os reis e rainhas da Inglaterra, a tabela periódica, os presidentes americanos, as leis da termodinâmica, os planetas do sistema solar, por via das dúvidas; técnica básica de exame. Verifico se tenho lápis e caneta, um lenço, uma caixinha de Tic Tac e fico esperando os outros concorrentes. Depois de dez minutos, ainda sou o único ali, e fico olhando o cara sentado na mesa do professor separando e grampeando os questionários com toda a solenidade. Imagino que seja alguém muito importante no comitê do Desafio Universitário e está inebriado pelo poder que tudo isso emana, mas tenho de me ater ao lado bom dele; então, exatamente às 12h58, nem um minuto mais cedo, eu me levanto e entro na sala.
— Tudo bem agora?
— Tudo bem. Pode entrar. Quantos mais estão aí fora com você? — pergunta sem erguer os olhos.
— Hã... Ninguém?
— Mesmo? — Ele olha atrás de mim, pois é claro que eu não sou confiável. — Ah, que merda! Estamos de novo em 1983. — Estala a língua em tom de reprovação e suspira, senta-se na beirada da mesa e pega uma prancheta, depois me avalia de cima a baixo, examina meu rosto e se decide por um ponto a 30cm de mim, que ele parece preferir. Solta outro suspiro de pesar.
— Oh, bem, eu sou Patrick. Qual é o seu nome?
Brian Jackson.
— Ano?
— Primeiro ano! Cheguei ontem!
Suspiro e estalido de língua.
— Especialista em que disciplina?
— Você quer dizer que curso eu vou fazer?
— Se você prefere...
— Literatura inglesa.
— Meu Deus, mais um! Bem, ao menos você não vai desperdiçar completamente três anos da sua vida.
— Desculpe, eu...
— O que aconteceu com os matemáticos? Gostaria de saber. E com os bioquímicos? Os engenheiros mecânicos? Não me surpreende que a economia esteja indo pro buraco. Todo mundo sabe o que é uma metáfora, mas ninguém sabe construir uma usina de energia.
Eu dou risada, achando que ele está brincando, mas ele não está.
— Tenho notas altas em ciências — replico, na defensiva.
— É mesmo? Em quê?
— Física e química.
— Bem, então é isso! Um Homem do Renascimento! Qual é a Terceira Lei de Newton?
Ah, meu amigo, você vai ter que fazer muito melhor do que isso...
— A cada ação corresponde uma reação — enuncio.
A reação de Patrick também corresponde à ação, um breve e ressentido arqueio de sobrancelha antes de voltar à prancheta.
— Escola?
— Perdão?
— Eu disse escola? Prédio grande, feito de tijolos, com professores dentro...
— Eu entendi a pergunta, só estava pensando no motivo de você querer saber...
— Tudo bem, Trotsky, você já disse a que veio. Tem uma caneta? Ótimo. Aqui está o seu questionário. Volto a falar com você num minuto.
Enquanto ocupo uma cadeira quase no fundo, duas outras pessoas entram na sala.
— Ah, chegou a cavalaria! — comenta Patrick.
A primeira colega de equipe em potencial, uma garota chinesa, causa um pouco de confusão, porque parece carregar um urso-panda nas costas. Mas uma observação mais próxima revela que não é um urso-panda de verdade: é uma mochila com um design muito engenhoso! Mostra um senso de humor excêntrico, suponho, mas não vai aumentar suas chances em um sério e avançado teste de conhecimentos gerais. De qualquer modo, na sua conversa com Patrick, fico sabendo que o nome dela é Lucy Chang, que está no segundo ano do curso de medicina e que, talvez, leve vantagem sobre mim nas perguntas de ciência. Seu inglês parece bem fluente, apesar de falar incrivelmente baixo e com um leve sotaque americano. O que dizem as regras sobre outras nacionalidades?
O próximo concorrente é um cara grande, que fala alto, de Manchester, vestindo uniforme do exército verde-oliva, coturnos e uma mochilinha azul da RAF na cintura com uma incoerente insígnia da CDN desenhada com tinta impermeável. Patrick conduz a entrevista com uma civilidade ressentida, de suboficial para cabo, e ficamos sabendo que o nome dele é Colin Pagett, de Rochdale, aluno do terceiro ano de política. Ele olha ao redor da sala, acena com a cabeça e esperamos em silêncio remexendo nossas canetas, sentados o mais distante possível uns dos outros dentro do permitido pelas leis da geometria, esperando 10, 15 minutos, até se tornar absolutamente claro que ninguém mais iria aparecer. Onde ela está? Ela disse que viria. Será que aconteceu alguma coisa?
Enfim, o Astronauta Patrick suspira, fica de pé atrás da mesa e anuncia:
— Certo, então vamos começar? Meu nome é Patrick Watts, de Aston-Under-Lyme. Estou cursando economia e sou o capitão da equipe deste ano do Desafio Universitário — ...espere aí, quem...? — Quem costuma assistir ao programa talvez me reconheça do torneio do ano passado.
É isso! É daí que eu o conheço. Lembro-me de ter assistido ao episódio com a maior atenção porque estava preenchendo meu formulário da UCCA e queria saber qual era o padrão. Lembro-me de ter considerado, na época, que era uma equipe muito ruim, e sem dúvida esse Patrick ainda mantém cicatrizes emocionais, pois olha para o chão com uma expressão envergonhada à menção do episódio.
— Realmente não foi uma performance impecável. — Se me lembro bem, eles foram eliminados na primeira rodada, contra oponentes fracos também. — Mas estamos muito esperançosos quanto às nossas chances esse ano, em especial com tanto... material bruto... e promissor.
Os três olham ao redor da sala, uns para os outros e para as fileiras de carteiras vazias.
— Bem, sem mais delongas. Vamos começar o teste. É uma prova escrita, com 40 questões. Abrange diversas áreas de conhecimento, semelhantes àquelas que vamos enfrentar no programa. No ano passado, estávamos particularmente fracos na área de ciências — ele olha para mim — , e quero garantir que não vamos nos focar só em artes dessa vez...
— E vai ser um time de quatro pessoas, né? — pergunta o cara de Manchester.
— Exatamente.
— Bem, se esse é o caso... nós somos o time.
— Bem, sim, mas precisamos garantir que estamos de acordo com o padrão apropriado.
Mas Colin não deixa barato.
— Por quê?
— Porque, se não for assim, vamos perder de novo...
— E...?
— Bem, se perdermos de novo... Se perdermos de novo... — e a boca de Patrick se mexe sem emitir palavras, abrindo e fechando como a de um peixe morrendo.
É a mesma expressão que ele fez em rede nacional no ano passado, quando errou as respostas de perguntas perfeitamente simples sobre os lagos do Leste Africano: o mesmo olhar assombrado, com todos os presentes na plateia sabendo a resposta e tentando soprar: Lago Tanganica, Tanganica, seu idiota.
Nesse momento, um barulho na porta chama sua atenção — um grupo de garotas sorridentes imprensadas contra o vidro, uma explosão de risadas abafadas, uma refrega e ela é jogada para dentro da sala por alguém que não deu para ver e fica parada, rindo sem jeito, tentando se recompor, olhando para nós quatro ao redor.
Juro que, por um momento, achei que todo mundo ia se levantar.
— Ops! Desculpe, pessoal!
Ela fala um pouco enrolado e parece meio desequilibrada. Será que bebeu antes de vir fazer a prova?
— Desculpem... Estou muito atrasada?
Patrick passa a mão pelos cabelos de astronauta, umedece os lábios e diz:
— De modo algum. Bem-vinda a bordo... Hã...?
— Alice. Alice Harbinson.
Alice. Alice. Claro que ela é uma Alice. Que outro nome poderia ter?