10/03/1984 — Durham versus Leicester
17/03/1984 — King‘s, Cambridge versus Dundee
23/03/1984 — Sidney Sussex versus Exeter
30/03/1984 — UMIST versus Liverpool
06/04/1984 — Birmingham versus UCL
...e por aí vai: Keele versus Sussex, Manchester versus Sheffield, Open versus Edimburgo. Em cima das fitas vejo um porta-retratos com a frente virada para baixo. A essa altura, estou me sentindo como a personagem de Psicose, mas pego o porta-retratos e, sim, é mesmo uma foto de Patrick apertando a mão de Bamber Gascoigne, e percebo, com um súbito espasmo de horror, que estou no santuário de Patrick, que entrei às cegas no covil de um louco...
— Procurando alguma coisa, Brian?
Eu me viro já procurando uma arma. Patrick está em pé na porta, com Lucy Chang espiando por cima do seu ombro e a mochila de panda de Lucy Chang espiando por cima do ombro dela.
— Só vendo sua foto!
— Tudo bem, mas você poderia pôr de volta exatamente onde estava?
— Sim, sim, é claro...
— Lucy... Chá?
— Sim, sim, obrigada.
Patrick me lança um olhar de “não toque em nada” e volta para a cozinha. Lucy se senta na cadeira de encosto duro na mesa de Patrick, mas bem na pontinha, para não esmagar o panda. Ficamos em silêncio e sorrimos um para o outro e, sem nenhum motivo aparente, ela dá alguns risinhos nervosos. Lucy é muito pequena e arrumadinha. Usa uma blusa branca muito limpa e bem passada, abotoada até o último botão. Não que isso seja importante, mas ela é bem atraente também, apesar de sua testa dar a impressão de que o cabelo está tentando encontrar as sobrancelhas, como uma peruca que escorregou para a frente.
Tento pensar em alguma coisa para dizer. Penso em dizer que o Guinness: o livro dos recordes diz que Chang é oficialmente o nome mais comum do mundo, mas imagino que ela já saiba disso, então eu digo:
— Ei, parabéns pela bela pontuação! Oitenta e nove pontos!
— Ah, obrigada. E parabéns a você, parabéns por...
— ...perder?
— Bem... Sim, acho que sim! — e ri mais uma vez, num tom alto e agudo. — Parabéns por perder!
Também dou risada, por educação, e digo:
— Não tem importância. Erre outra vez, erre melhor!
— Samuel Beckett, certo?
— Exatamente — digo, pego de surpresa.
— O que você está cursando mesmo?
— Ah, estou no segundo ano de medicina — responde, e eu penso: Meu Deus, ela é um gênio. Observo fascinado, enquanto ela luta para se desvencilhar de sua inovadora mochila.
— Gostei do panda — comento.
— Oh... Obrigada!
— Um pequinês, olhando por cima dos seus ombros! Ou eu deveria dizer beijinês olhando por cima dos seus ombros!
Ela olha para mim sem compreender, então eu tento esclarecer.
— Você trouxe esse ursinho da sua casa?
— Como?
— Você trouxe o ursinho da sua casa?
Ela parece confusa.
— Você quer dizer do meu alojamento?
Tenho a sensação de estar caindo.
— Não, do seu, assim... do seu lugar de origem.
— Ah, você quer dizer da China! Por ser um panda, certo? Bem, na verdade, eu sou de Minneapolis. Então, não...
— Sim, mas, originalmente, você é da...
— Minneapolis...
— Mas seus pais, eles são da...
— Minneapolis...
— Mas os pais deles são da...
— Minneapolis...
— É claro, Minneapolis. — Ela sorri para mim com uma delicadeza perfeita e sincera, apesar de eu ser claramente um merda racista e ignorante.
— Do lugar onde o Prince nasceu! — observo, em pânico.
— Exatamente! Onde o Prince nasceu — concorda ela. — Apesar de eu nunca ter conhecido o sujeito.
— Oh! — digo, e tento de novo. — Você já assistiu a Purple Rain?
— Não — responde a garota. — Você... Já... Assistiu... A Purple Rain?
— Já. Duas vezes — respondo.
— Você gostou? — pergunta ela.
— Não muito — respondo.
— E, ainda assim, assistiu duas vezes!
— É... — concordo, e acrescento com humor num bom sotaque americano:
— Vai entender!
Então, graças a Deus, alguém abre a porta e entra o Grande Colin Pagett, carregando quatro garrafas de Newcy Brown e um balde de papelão do Kentucky Fried Chicken. Patrick o recepciona como um mordomo receberia um limpador de chaminés, e, no constrangedor silêncio que se segue, aproveito o tempo para ruminar sobre a complexa arte da conversação. Claro que, num mundo perfeito, gostaria de acordar de manhã com alguém me entregando uma transcrição de tudo o que vou dizer durante o dia, para fazer uma revisão e reescrever meus diálogos, cortar as observações tolas e as piadas vulgares e idiotas. Mas claro que isso não é praticável, e a outra opção, de nunca mais falar nada, também não funciona.
Então, talvez seja melhor pensar numa conversa como atravessar uma rua: antes de abrir a boca, dar um tempo, olhar para os dois lados e considerar com cuidado o que estou prestes a falar. Se isso quer dizer que a minha conversa ficaria um pouco lenta e forçada, como uma ligação telefônica transatlântica, se significa passar um pouco mais de tempo parado no meio-fio da conversa metafórica, olhando para a esquerda e para a direita, que seja, porque está claro que não posso continuar tropeçando a esmo no trânsito. Não posso continuar sendo atropelado desse jeito.
Ainda bem que agora ninguém precisa conversar, pois, enquanto esperamos Alice chegar, Patrick põe uma de suas preciosas fitas de vídeo — a grande etapa final do ano passado, e assistimos de novo à equipe de Dundee vencer, enquanto Patrick balbuciava as respostas e Colin comia seu balde de frango e, por 15 minutos, esses foram os únicos sons: Colin chupando uma coxa de galinha e Patrick resmungando no braço do sofá.
— ...Kafka... Nitrogênio... Mil novecentos e cinquenta e seis... O duodeno... Pergunta capciosa, nenhuma das opções... C.P.E. Bach...
De vez em quando, arrisco uma resposta, ou Colin, com a boca cheia de carne branca.
— Ravel, O inferno, de Dante, Rosa Luxemburgo, Veni, vidi, vici.
Mas Patrick, nitidamente, está marcando território, mostrando quem manda, porque sua voz vai ficando cada vez mais alta...
— ...THE MOODY BLUES ...GOYA ...TIFOIDE. MARY... SÃO TODOS NÚMEROS PRIMOS...
...E, apesar de adorar o programa, não consigo deixar de pensar que talvez ele esteja indo um pouco longe demais...
— ...RENO, RÓDANO, DANÚBIO... MITOCÔNDRIA... PÊNDULO DE FOUCAULT...
...Será que ele aprendeu por repetição? É para achar que ele nunca assistiu àquilo antes, ou é para acreditar que ele sabe mesmo todas aquelas coisas? E o que Lucy Chang acha de tudo isso? Olho de esguelha para o lado e ela está com os olhos fechados. Imagino que talvez esteja chateada, ou envergonhada, com razão, mas, então, noto um leve tremor nos seus ombros e percebo que ela está fazendo força para não rir...
— ...ODE A UMA URNA GREGA... BO DIDDLEY... O MASSACRE DA NOITE DE SÃO BARTOLOMEU... A PONTE AÉREA DE BERLIM...
...E, justamente quando parecia que ela ia explodir, a campainha toca no andar de baixo e Patrick desce, deixando nós três olhando para a televisão. No fim, é Colin quem fala primeiro, numa voz baixa e conspiradora.
— Esse cara é completamente pirado ou é só impressão minha?
Com a chegada de Alice, a atmosfera fica bem mais leve. Ela chega sem fôlego e enrolada num cachecol, casaco e luvas de camurça de esquiar e olha em volta da sala, sorrindo e cumprimentando todo mundo.