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Tenho certeza de que Alexander Pope disse alguma coisa pertinente que iria me ajudar aqui, mas não consigo me lembrar; e considero usar a palavra utilitarismo, mas não sei bem como. Então, eu digo:

— O fato de algo não ser prático não quer dizer que não é útil.

Rebecca torce o nariz e percebo que estou pisando em terreno minado, semanticamente falando. Por isso, decido tomar um rumo diferente e parto para a ofensiva.

— E o que você está cursando, que é tão útil? — pergunto.

— Direito. Segundo ano.

— Direito! Bem... Suponho que direito seja bem útil.

— Espero que sim.

Direito faz sentido. Se eu estivesse num tribunal, definitivamente não iria querer discutir com Rebecca Epstein. Ela iria me ameaçar com seu sotaque de Glasgow, me jogar na cara coisas como “defina seus termos” e “seu argumento é especioso”. Na verdade, também não quero discutir com ela agora. Por isso, paro de falar e nós caminhamos em silêncio pelo museu, com suas urnas de vidro cheias de fósseis, e moedas romanas e antigos implementos agrícolas. Imagino que esse seja meu primeiro gostinho das brigas animadas e intelectuais da vida acadêmica. Tenho minhas discussões com Erin nas aulas, claro, mas aquilo é mais como um cabo de guerra. Só uma questão de quanto a gente consegue aguentar. Com Rebecca, é como se eu estivesse tomado uma facada no olho. Mas é a minha terceira semana, e tenho certeza de que vou melhorar. Sei que, no fundo, sou capaz de aparecer com uma resposta eloquente e incisiva, mesmo que demore uns três ou quatro dias. Enquanto isso, tento mudar de assunto.

— E o que você quer fazer depois? — pergunto.

— Não sei. A gente podia tomar alguma coisa, se você quiser...

— Não... Digo depois da faculdade, quando se formar...

— Quando me formar? Não sei. Algo que faça diferença na vida das pessoas. Não sei se quero entrar numas de ser advogada, mas eu me interesso pelas leis de imigração. O Departamento de Orientação dos Cidadãos faz um bom trabalho. Talvez eu mude para a política ou o jornalismo ou coisa assim, para desbancar esses malditos conservadores. E você?

— Ah, ensinar ou virar acadêmico, talvez. Quem sabe escrever alguma coisa.

— O que você escreve?

— Ah, nada ainda. — Resolvo arriscar um pouco e acrescento: — Só alguns poemas.

— Ah, então é isso! Você é um poeta e eu nem sabia disso. — Dá uma parada e olha para o relógio. — Bom, é melhor eu voltar.

— Onde você mora?

— Kenwood Manor, onde aconteceu aquela festa horrível.

— Ah, no mesmo lugar que a minha amiga Alice?

— A linda e loura Alice?

— Ela é bonita? Não tinha percebido. — Estou experimentando um tipo de humor sarcástico, pós-feminista, mas Rebecca estala a língua em desaprovação, franze a testa e pergunta:

— Como vocês se conheceram?

— Ah, nós estamos no time do Desafio Universitário... — explico, dando de ombros de maneira casual. A gargalhada de Rebecca ecoa nas paredes de pedra do museu.

— Você tá brincando!

— O que tem de engraçado nisso?

— Nada, nada mesmo. Desculpe, eu não tinha ideia de que estava falando com uma personalidade da TV. Só isso. E o que você está tentando provar?

— O que você quer dizer?

— Bem, para participar de um negócio desses, você deve ter algo a provar.

— Eu não tenho nada a provar! É só uma diversão. De qualquer modo, ainda não estamos classificados pro torneio da TV. A seleção começa na semana que vem.

— Torneio, é? Parece uma coisa máscula. Como se precisasse usar uma roupa de proteção ou coisa assim. E que posição você joga? Centroavante? No gol...?

— Na verdade, eu sou o primeiro reserva.

— Ah, então tecnicamente você não está no time.

— Não. Não, acho que não.

— Bem, se quiser que eu quebre o dedinho de alguém, é só falar... — Estamos parados nos degraus da galeria, e já começou a escurecer. — Foi bom falar com você... Desculpe... Esqueci de novo o seu nome.

— Brian. Brian Jackson. Acompanho você até em casa?

— Conheço o caminho. Eu moro lá, lembra? A gente se vê por aí, Jackson — e ao descer os degraus, de repente para e se vira. — Jackson? É claro que você pode estudar o que quiser. A avaliação crítica e o estudo da literatura, ou de qualquer manifestação artística, são coisas muito importantes para uma sociedade decente. Por que você acha que os livros são as primeiras coisas que os fascistas queimam? Você precisa aprender a se defender melhor — e sai trotando pelos degraus para desaparecer na noite.

11

PERGUNTA: Que palavra, de origem alemã, define o prazer obtido com a desgraça dos outros?

RESPOSTA: Shadenfreude.

 

Hoje, finalmente, tirei a sorte grande pela primeira vez. O Grande Colin Pagett contraiu hepatite.

Fico sabendo no meio de uma aula sobre as Baladas líricas, de Coleridge e Wordsworth. O professor Oliver está falando já há algum tempo, e estou tentando me concentrar, na verdade, preciso me concentrar, mas, na minha cabeça, uma balada lírica é algo como Kate Bush cantando The Man With The Child In His Eyes, e esse é o meu problema central com os românticos, eles não são tão românticos assim. Você imagina que vai ser um monte de poemas de amor que se pode plagiar em cartões do dia dos namorados, mas, de modo geral, é tudo sobre lagos, urnas e coletores de sanguessugas.

Pelo que consegui entender do discurso do professor Oliver, as principais preocupações da mente romântica eram: 1) Natureza; 2) Relação do homem com a natureza; 3) Verdade; e 4) Beleza. Enquanto isso, eu tendo mais para poesias que exploram os temas: a) Meu Deus, você é muito legal; b) Eu tenho uma queda por você, por favor, vamos sair juntos; c) Sair com você é muito, muito legal; e d) Por que você não quer mais sair comigo? É a sensibilidade e o tratamento profundo desses temas que fazem de Shakespeare e Donne os poetas mais impactantes e líricos do cânone inglês. Fico imaginando intitular minha próxima e esclarecedora redação de “Em busca de uma definição de romântico: um estudo comparativo do lírico em Coleridge e Donne”, ou algo assim quando, bem nesse momento, vejo o rosto de Alice Harbinson surgir na porta da sala de aula.

Todo mundo levanta a cabeça, é claro, mas ela está apontando o dedo para mim, mexendo a boca para dizer alguma coisa. Aponto para mim mesmo e ela concorda com a cabeça com um ar grave, depois se abaixa, rabisca alguma coisa num bloco de papel A4 e o pressiona contra o vidro.

Está escrito: “Brian, preciso de você. Urgente”.

Para fazer sexo?, eu me pergunto. Não deve ser, mas ainda assim não tenho opção a não ser ir. Então recolho meus livros e pastas o mais discretamente possível e ando em direção à porta meio agachado. O professor Oliver, aliás a classe toda, olha para mim.

— Desculpe, consulta médica — digo, levando a mão ao peito como que enfatizando que posso cair morto a qualquer momento. O professor Oliver não dá muita importância e volta às suas Baladas líricas, e eu saio de fininho para encontrar Alice no corredor com o rosto vermelho, suada, sem fôlego e maravilhosa.

— Desculpe, desculpe, desculpe, desculpe, desculpe... — diz ela, arquejante.

— Tudo bem, o que aconteceu?

— Nós precisamos de você! Na rodada de classificação, agora à tarde.