— Sério? Mas o Patrick disse para não...
— Colin não vai poder ir. Ele está com hepatite.
— Você está brincando! — Claro que eu não dou um soco no ar ou coisa assim, porque gosto do Colin e realmente fico preocupado com ele, de verdade. Então, faço uma expressão apreensiva e pergunto: — Ele está bem?
— Tudo bem. Não é grave. É hepatite A ou coisa assim. Ele está amarelo fosforescente, mas vai ficar bem, completamente curado. Mas isso quer dizer que você está no time! A partir de agora!
Fazemos uma pequena dança da vitória, nada indecente, e saímos correndo para o Grêmio Estudantil.
Há momentos em que as conquistas humanas parecem ampliar nossa concepção do que é humanamente possível, como as esculturas de Bernini e Michelangelo, as tragédias de Shakespeare ou os quartetos de cordas de Beethoven, por exemplo. Nesta tarde, no bar dos estudantes vazio, por alguma razão que desafia a lógica — destino, sorte, a mão invisível de Deus, um estado de graça —, eu sei praticamente tudo.
— Se a adenina se pareia com a timina, a citosina se pareia com...?
Eu sei.
— Guanina.
— Qual é o nome completo da organização que concede o Oscar?
Eu sei.
— Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
— Resposta certa. O avinhado, o bicudo, o papa-capim e o canário-da-terra comum são variedades da família Silvídea e mais conhecidos como...?
Eu sei.
— Pássaros canoros?
— Resposta certa. Qual é a cantora canadense de música folk cujo verdadeiro nome é Roberta Joan Anderson?
Eu sei.
— Joni Mitchell.
— Resposta certa.
O pessoal do Desafio Universitário mandou para cá um pesquisador chamado Julian, um garoto legal de fala suave, 20 e poucos anos, usando um suéter de gola V e gravata; uma espécie de dublê de Bamber Gascoigne. É um teste comum, com 40 perguntas em 15 minutos, sem árbitros, com direito a consulta, para avaliar se estamos aptos para o torneio televisivo. E nós estamos. Ah, e como estamos! Aliás, eu diria que estamos arrasando.
— Que figura do século XII, rainha consorte da França e da Inglaterra, foi a inspiração para muitos poemas de Bernard de Ventadour, o poeta trovador?
— Eleanor de Aquitaine — respondo.
— Espera, espera... Será que podemos consultar o capitão, por favor? — sussurra Patrick, com indignação. — Brian, como você sabe disso?
Na verdade, eu sei porque Katharine Hepburn fez esse papel num filme duvidoso que sempre passa na TV nas tardes de domingo, mas não conto isso a ele. Só faço que sim com a cabeça e respondo com os olhos arregalados e um ar de sabedoria:
— Sei lá... eu sei.
Como se o absoluto e incrível poder de conquistar o mundo do meu conhecimento geral fosse um enigma até para mim. Cético, Patrick olha para Lucy Chang em busca de uma confirmação, mas ela dá de ombros, e ele diz:
— Eleanor de Aquitaine?
— Resposta certa — confirma Julian.
Sinto um apertãozinho no braço e dou uma olhada à direita. Alice está sorrindo para mim com os olhos arregalados em franca reverência. É a minha nona resposta certa seguida, e me sinto como Jesse Owens deve ter se sentido nas Olimpíadas de Berlim de 1936. Os outros não estão tendo chance nenhuma, nem mesmo Lucy Chang e, de repente, parece que a hepatite de Colin Pagett foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para todo mundo, menos para Colin Pagett, claro, porque parece que eu sei tudo sobre tudo.
— Que paralelo de latitude foi escolhido na Conferência de Postdam de 1945 como uma demarcação aproximada entre as Coreias do Norte e do Sul?
Essa, na verdade, não sei, mas tudo bem, porque temos Lucy Chang.
— Paralelo 38?
— Resposta certa.
E assim por diante: Andaluzia — resposta certa; 1254 — resposta certa; carbonato de cálcio — resposta certa; Ford Madox Ford — resposta certa. Claro que, se isso estivesse acontecendo na televisão, o país inteiro estaria fascinado, os garfos carregados de torta paralisados entre o prato e a boca numa reverência ofegante. Mas não é o caso. Estamos num bar de estudantes vazio que cheira a cigarro e cerveja às 15h de uma terça-feira úmida de novembro e não tem ninguém assistindo, nem mesmo o pessoal da limpeza, sendo que um deles acabou de ligar o aspirador de pó no carpete do bar.
— Hã? Será que dava para...? — murmura Julian.
Patrick se levanta e dá um brado de indignação.
— Com licença! NÓS ESTAMOS TENTANDO FAZER UM TESTE, E É COM TEMPO MARCADO!
— Em alguma hora, tenho de fazer isso! — responde o rapaz da limpeza, continuando a aspirar o pó.
— ESTE HOMEM... — declama Patrick, apontando para Julian como um profeta do Antigo Testamento — ...É UM REPRESENTANTE DO GABINETE DO DESAFIO UNIVERSITÁRIO DE MANCHESTER!
Por algum motivo, isso parece fechar a questão, pois o rapaz da limpeza desliga o aspirador, resmunga alguma coisa e volta a esvaziar os cinzeiros.
De volta ao teste. Tenho medo que o feitiço tenha se quebrado, e que eles neguem nossa inscrição, mas nem precisava me preocupar, pois a pergunta seguinte é sobre o barco funerário anglo-saxão descoberto em Suffolk em 1939, que proporcionou uma grande compreensão dos antigos ritos funerais.
Eu sei.
— Sutton Hoo — respondo.
— Resposta certa.
— Teste Rorschach — respondo.
— Resposta certa.
— Epitélio... — responde Lucy.
— Resposta certa.
— Uganda? — responde Patrick.
— Não, acho que é Zaire... — comento. Patrick me olha com uma carranca por questionar sua autoridade, vira-se para Julian e fala com firmeza:
— Uganda.
— Não, é Zaire... — diz Julian, lançando-me um sorriso de consolo. Acho que percebo um pequeno espasmo no canto do olho do Patrick, mas sou maduro demais para me gabar disso, pois, afinal, o que conta não são as mesquinhas pontuações individuais, Patrick, mas sim o trabalho de equipe, seu cabeçudo...
— O pardal doméstico — respondo.
— Resposta certa.
— A é congruente com B no módulo de M? — sussurra Lucy.
— Resposta certa.
— As Leis do Milho — grita Patrick.
— Resposta certa.
— The Woodlanders, de Thomas Hardy — arrisco.
— Resposta certa.
— Buster Keaton — tenta Alice.
— Não, acho que é Harold Lloyd — corrijo, delicado porém firme.
— OK, Harold Lloyd? — diz Alice.
— Resposta certa. Qual engenheiro aeronáutico morreu em 1937, alguns anos antes de seu projeto mais famoso dominar os céus durante a Batalha da...?
— R. J. Mitchell — respondo.
— O quê? — replica Patrick.
— R. J. Mitchell, o projetista do Spitfire. — Lembro-me do nome de uma sinopse na caixa do kit clássico em escala 1:12 da Airfix e sei que estou certo. É R. J. Mitchell. Tenho certeza. Mas Patrick está me olhando fixo, e franzindo a testa como se estivesse desejando que eu esteja errado com todas as suas forças. — R. J. Mitchell, vai por mim.
— R. J. Mitchell? — diz, relutante.
— Resposta certa — confirma Julian, que agora não consegue mais deixar de sorrir.
Patrick olha para mim com os olhos semicerrados, mas Lucy me dá o sinal de positivo com os polegares e Alice... Bem, Alice escorrega a mão por trás das minhas costas e para na base da coluna, exatamente onde a minha camisa de vovô saiu da minha calça jeans.
— Muito bem! A última pergunta: isolado em 1735 pelo químico sueco Georg Brandt, que metal do Grupo VIII da tabela periódica é usado na produção de ligas metálicas magnéticas resistentes ao calor?