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Mas tudo isso vai terminar hoje porque andei de olho no Cutz, um salão unissex — não uma barbearia — que me interessou. É moderno sem ser de vanguarda e bem masculino, e limpo, com revistas como The Face e id para ler, e não aquelas pilhas de Razzle ou Mayfair cheias de orelhas. Falei com um tipo simpático chamado Sean, de cabelo bem curto e brinco e um jeito de garoto, que disse que me atenderia às 10h.

Claro que é acintosamente caro, mas estou com uma nota de cinco libras que a minha mãe mandou pelo correio hoje de manhã (dentro de um cartão com jogadores de futebol na capa dizendo Não gaste tudo de uma vez!) e outra da vovó Jackson, para gastar no jantar romântico a dois hoje à noite. Então, estou me sentindo bem classe alta e riquinho quando entro devagar e indiferente no Cutz, e sou o primeiro cliente do dia. Ando até o pequeno grupo de funcionários reunido na mesa da recepção tomando café e fumando Silk Cut.

— Cliente das 10h? Com o Sean? Em nome de Jackson?

Todos erguem o olhar e examinam minhas roupas e meu cabelo. Depois, abaixam a cabeça com um jeito de melhor não se envolver, menos a recepcionista, que vai verificar a agenda. Mas não estou vendo Sean. Onde está meu novo amigo Sean?

— Sean não veio hoje — diz a recepcionista.

— Ah, sei...

— Mas Nicky pode cortar o seu cabelo. Ele é o aprendiz, tudo bem?

Sigo o olhar dela até o canto, onde um garoto magricela está varrendo o resto das pontas de cabelo da noite anterior sem muito entusiasmo. Esse é o Nicky? Ele parece ter 6 anos.

— Aprendiz? — pergunto.

— É a mesma coisa que Sean. Só que um pouco mais barato — flauteia a recepcionista, mas até ela sabe que é um risco.

Sabe nos filmes faroeste, quando a gangue entra num bordel e o cowboy chefe tem de escolher a prostituta de que mais gostar? Sempre tem uma muito sensual, com uma pintinha linda, muito mais atraente que todas as outras, que são gordas, magrelas ou velhas, ou têm uma perna de pau, uma verruga no lábio ou um olho de vidro, e é claro que o cowboy sempre escolhe a mais bonita. Bem, eu sempre me preocupei com os sentimentos das outras prostitutas. Sei que prostituição é uma coisa errada, mas o jeito resignado e desapontado com que as prostitutas rejeitadas dão de ombros, enquanto voltam para os seus lugares, mostra bem que, embora seja melhor não fazer sexo por dinheiro com um cowboy estranho, ainda assim seria bom ter sido escolhida. E é esse olhar que Nicky, o aprendiz, está me dando. Não posso rejeitar Nicky, pois ele é a prostituta com a perna de pau.

— Acho que Nicky vai ser ótimo! — digo num trinado, e o rapaz dá de ombros, encosta a vassoura, pega as tesouras e se prepara para me atender.

Eles me preparam um bom café numa espécie de jarro de sucção e nós entramos no que se chamaria de uma consulta. É complicado para mim, pois não conheço o vocabulário. Pensei em trazer uma foto para ajudar, mas se aparecesse com uma foto do David Bowie, do Sting ou do Harrison Ford iam rir da minha cara.

— O que vai ser? O de sempre?

— Eu não sei. O que é o de sempre?

— Curto atrás e nos lados.

Não, isso não pode estar certo. Soa muito antiquado.

— Na verdade, estava pensando em manter um pouco do comprimento em cima com um leve repartido na esquerda, e meio que penteado para trás, mais curto em cima das orelhas e na nuca.

— Raspado na nuca?

— Só um pouco.

— Como em Desejo e poder?

— Não! — respondo dando risada, querendo dizer que sim.

— Então, de que jeito?

Seja maneiro.

— Hummmm...

— ...Porque o que você acabou de descrever é um curto atrás e nos lados.

— Ah, é? Tudo bem. Então, um curto atrás e nos lados.

— Vai querer lavar? — pergunta ele, pegando com nojo uma mecha entre os dedos, como se fosse um lenço sujo.

Será que vai custar mais caro?

— Não, não, não. Acho que assim está bom, obrigado.

— Você é estudante?

— Sou!

— Foi o que pensei.

E, então, começa. Na verdade, o jovem Nicky é bem habilidoso com a tesoura, considerando que a última que usou era de plástico e sem ponta, e ele começa a cortar com um certo entusiasmo enquanto Purple Rain toca alto no som. Enquanto isso, leio The Face e finjo que entendo o que estou lendo, que não estou preocupado com meu cabelo, ah, não, de maneira alguma, mesmo que Nicky seja um aprendiz. Aprendiz do quê? Aprendiz de encanador? Aprendiz de eletricista? Aprendiz de torneiro mecânico? Estou lendo um artigo sobre skate sem prestar atenção, pois só fico olhando para os modelos nas fotos publicitárias, magricelas e andrógenos, sem camisa e em languidez pós-coito, e todos sorriem com escárnio, como se rissem do que Nicky está fazendo com o meu cabelo, e agora é a vez do barbeador elétrico e ele está tosando a minha nuca. Aprendiz de tosquiador? Levanto os olhos da revista, olho para o espelho e parece... Muito bom, na verdade. Limpo e fresquinho, estruturado e, no entanto, natural. Gostei. Acho até que este pode ser o melhor para mim, o corte de cabelo perfeito, o corte de cabelo pelo qual estive esperando por toda a minha vida. Nicky, sinto muito por ter duvidado de você...

Mas ele continua cortando. Como quando você faz uma ótima pintura na escola e o professor fala pare agora, senão você vai estragar tudo — Nicky está arruinando o meu corte! Raspa grandes faixas de cabelo em cima das minhas orelhas. Está tosando tanto a nuca que o cabelo mais longo no alto parece um aplique. Aprendiz de jardineiro? Aprendiz de açougueiro? Sinto vontade de estender a mão e puxar o cabo de força da parede, mas não consigo, e volto a ler a The Face, alguma coisa sobre dançar break nos shopping centers de Basigstoke, esperando o zumbido parar.

O que, afinal, acontece.

— Gel ou cera? — pergunta ele.

Meu Deus! Gel ou cera? Sei lá! Qual será a melhor opção? Nunca usei cera. Então, digo cera e ele abre um pequeno pote de graxa e esfrega o que parece banha nas mãos e passa os dedos pelo que sobrou do meu cabelo.

Está claro que isso não tem nada a ver com Desejo e poder. Eu sou o Winston Smith de 1984. Parecendo um coelho tosado. Magro, os olhos esbugalhados, tísico e um pouco doido. Nicky pega um espelho e me mostra a nuca, onde o barbeador elétrico descobriu uma paisagem marciana de cicatrizes e bolhas que eu nem sabia que existiam até agora, e uma está sangrando levemente.

— O que você acha? — pergunta Nicky.

— Perfeito! — respondo.

Agora que já arruinei o meu cabelo, chegou a hora de escolher um restaurante para o jantar romântico a dois. Mais uma vez, ninguém ensina como escolher um restaurante, e eu nunca estive num bom restaurante com uma convidada. Só em cafés e restaurantes chineses, com Spence e Tone, nos quais, em geral, a refeição não terminava com conhaque e um bom charuto, mas com Tone gritando Pinote! Então, preciso trabalhar com instinto, não com experiência, mas me atenho a algumas regras básicas.

Primeiro, nada de curry, para o caso de as coisas ficarem românticas. Também porque não pega nada bem abanar a boca em frente ao objeto de sua devoção dizendo: Puxa, como é ardido! Segundo, evitar restaurantes em grandes lojas de departamento ou supermercados. Uma vez, levei Janet Parks para um lanche rápido no Basildon British Home Stores e acho que as coisas não correram muito bem. De modo geral, é melhor não ter que levar o prato até a mesa numa bandeja; lembre-se: garçonetes não são um luxo. Terceiro, não se exibir. Impulsivamente, disse a Alice que iríamos ao Bradley‘s Bistro, que é bem chique, mas, quando consultei o menu, vi que estava fora do meu orçamento. Então, vamos ter de ir a algum lugar que combine culinária sofisticada com o melhor custo-benefício. Mesmo levando em conta as cinco libras da vovó Jackson, tenho só doze libras para um jantar a dois, incluindo vinho, dois pratos principais e uma sobremesa com duas colheres.