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— O KFC estava lotado?

— Você acha que o Luigi‘s é uma má ideia?

— De jeito nenhum. Você é um cavalheiro sofisticado e de bom gosto! Ouvi dizer que o hambúrguer com queijo, chilli e cebola frita é de matar. Talvez você me leve lá algum dia, Jackson.

Ela sai andando na frente e eu tento pensar em alguma coisa espirituosa para dizer.

— Rebecca — chamo. Ela se vira sorrindo. — Por que você sempre me chama de Jackson?

— Você se incomoda?

— Não. É que soa um pouco formal, só isso.

— Ah, desculpe. Não tive essa intenção. Você prefere Brian? Ou Bri, mais alegre e informal? Ou Herr Himmler, talvez...?

— Brian, acho.

— OK, então vai ser Brian. Divirta-se, Brian. Seja espirituoso, Brian. Fique frio, Brian... — E desaparece na alameda. — A gente se vê por aí, Brian.

Chego ao alojamento de Alice meio que esperando ver uma fila de garotos, mas a porta está fechada. Ouço vozes no lado de dentro. Não encosto o ouvido na porta porque isso não seria certo, mas fico por perto tentando ouvir.

— Aonde ele vai levar você para jantar? — pergunta uma voz feminina, graças a Deus.

— Ao Bradley‘s, muito chique.

— Então ele é rico?

— Não sei. Não pensei que fosse — responde Alice.

— Bem, trate de estar de volta até as 23h, mocinha, senão vamos chamar a polícia... — Bato na porta, pois não quero ouvir mais nada. Daí, escuto uns sussurros e risadinhas e ela aparece.

Alice está usando um vestido de noite decotado de cetim grafite com uma saia armada, o cabelo preso num coque. E, de salto alto, ela parece uns 60cm maior que o normal. Também está usando mais maquiagem do que o normal, batom, a linha da pequena cicatriz ainda visível no lábio inferior. Mas o mais impressionante de tudo é o vestido decotado. Ela deve estar usando algum tipo de sutiã sem alças por baixo, pois os ombros estão nus, como se metade do corpo estivesse sendo expelida do vestido, com uma fantástica e reverberante curva de pele nua, de Alice nua, transbordando do corpete de cetim. Em um romance do século XIX, alguém diria que ela tem um colo magnífico. Aliás, também diria isso agora. Ela tem um colo magnífico. Mas você a está encarando. Não a encare, Brian.

— Oi, Alice.

— Oi, Brian.

Atrás dela, Erin, a Gata, e uma outra da turma sorriem com desdém. Feche a boca, Brian.

— Você está muito bonito, Bri — diz Erin, sem sinceridade.

— Obrigado! Então, vamos?

— Vamos.

Ela pega o meu braço e saímos.

14

PERGUNTA: Consistindo em uma cadeia de átomos de carbono, ligada por átomos de hidrogênio e uma ramificação de carboxila numa ponta, o ácido oleico é o exemplo mais difundido de que tipo de componente lipídico?

RESPOSTA: Ácido graxo.

 

Politicamente, é claro que não aprovo o conceito de beleza física. A ideia de que alguém, homem ou mulher, deva receber qualquer tipo de atenção ou afeição extras, popularidade, respeito ou adulação por conta de um incidente genético e uma noção arbitrária e subjetiva de beleza definida pela mídia masculina me parece inerentemente errada e inaceitável.

Dito isso, Alice é... linda. À luz de velas, parece uma pintura de De la Tour. Ou será de Vermeer? Ou Watteau? Ela sabe que está sendo observada enquanto abre o menu, e deve saber que está encantadora, mas como deve ser isso? Ser observada, em vez de ser olhada de relance, e proporcionar prazer, de maneira inteiramente passiva, ao ser observada? Mas, enquanto a observo, ocorre-me que não é bem um prazer, é mais uma dor, uma vibração pesada e opaca na boca do estômago de que a gente quer se livrar, mas não consegue, pois é grande a tentação de continuar olhando, de observar e absorver.

Desde que a conheci, vi muitas pessoas olhando fixamente para Alice desse jeito. Vi Patrick fazer isso, arrumando o cabelo com sua grande língua de astronauta para fora, vejo Luigi, o garçom, fazer isso ao tirar o xale dos ombros dela e nos levar até a nossa mesa, antes de entrar pelas portas vaivém da cozinha para espalhar a notícia, fazendo o chef e o lavador de pratos saírem com alguma desculpa esfarrapada só para olhar para ela. Como deve ser isso? Ser admirado antes de dizer uma única palavra, ser desejado 200 ou 300 vezes por dia por pessoas que não têm absolutamente ideia de como você é?

Quando minha mãe está assistindo à TV, é comum ela elogiar alguma mulher, uma estrela de cinema ou algo assim, dizendo ela é linda..., e logo depois, em sua voz de Antigo Testamento: ...e sabe disso. Não sei se ser bonita e saber disso é melhor ou pior do que ser feia e saber disso, e imagino que a beleza física seja uma espécie de fardo, mas, em termos de fardo, deve ser dos mais leves.

Por cima do menu, dou uma olhada no retângulo cor de pêssego formado por seu decote à luz das velas, mas estou disfarçando para ela não se sentir como um objeto.

— Muito bom, não é? — comenta.

Suponho que esteja falando do restaurante e digo:

— É? Espero que sim. — Estou tendo de falar baixo, porque somos as únicas pessoas no lugar, e não quero ofender o Luigi, que está ocupado enxugando taças de vinho engorduradas no bar coberto de hera de plástico e olhando de esguelha. Parece que reservar uma mesa não era tão essencial quanto eu pensava. — Eu tentei uma reserva no Bradley‘s, mas estava lotado — minto.

— Sem problema. Aqui está ótimo!

— Tem pizza e massa, e no verso tem hambúrgueres...

— Ah, é... — diz ela, desgrudando as páginas plastificadas de uma pasta tamanho A4.

— Ou costeletas especiais, se preferir...

— Oooo-quei!

— E vamos pedir uma entrada também, a coisa toda, por minha conta.

— Bem, vamos ver...

E voltamos ao menu.

Oh, Deus!

Silêncio.

Melhor dizer alguma coisa.

— Hummmm. Esse pão está bonito.

Pego um pedaço de pão, retiro a tampa de uma embalagem de manteiga e passo no miolo.

— Sabe que sempre me perguntei o que significam costeletas especiais? Quem decide que são especiais? Não o porco, claro! Como se o porco dissesse: Ei, essas costeletas são especiais. Podem pegar! Minhas costeletas especiais! Podem comer minhas costeletas especiais! — Ela me dá um sorriso destinado a crianças carentes e olha para a minha mão, e percebo que, por algum motivo, estou gesticulando com a faca.

Fique calmo.

Pare de tagarelar.

Coloque... a faca... na mesa.

Mas a verdade é que estou começando a perder a fé no Luigi‘s como um lugar propício para um romance. O piso, eu me dou conta, é de linóleo, de parede a parede, e não muito limpo, e as toalhas de mesa xadrez são, na verdade, de vinil, mais fáceis de limpar. Além disso, o cantinho romântico que Luigi nos destinou na parte de trás é muito perto do banheiro, o que é até conveniente, mas confere um leve aroma amargo de desinfetante de limão à noite. É angustiante pensar que Alice esteja se sentindo desconfortável. Já está até começando a parecer desconfortável, com o vestido de noite amontoado à sua volta, como se estivesse sendo consumida pelo traje.

— Vamos pedir?

— Tudo parece tão bom! — diz ela, mas não tenho certeza.

Concentramo-nos no menu, que está pegajoso, mal digitado e escrito errado. Chilly Concarny... É isso mesmo? E dividido em De entrada!, O Evento Principal! e Vá em frente...!!!. Sinceramente, para mim tudo parece muito bom, com ênfase nas carnes grelhadas e bem fritas e quase nenhum vegetal. Até o queijo vem bem frito, e as porções são grandes, pois o menu diz o peso das carnes. Mas não consigo deixar de pensar que, talvez, Alice prefira pratos mais leves, tofu, saladas e coisas cozidas no vapor, e pode até pertencer àquela turma que prefere qualidade à quantidade. Começo a transpirar. E a me coçar também, por conta do detergente na banheira. Olho para baixo e vejo que os punhos da minha camisa branca estão manchados do jeans.